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Gil Santos
Publicado em 21 de abril de 2024 às 19:59
Quando a professora universitária Emyle Santos, 35 anos, foi dar à luz o primeiro filho entre uma contração e outra ela teve que ouvir frases do tipo “você não está conseguindo, porque não está concentrada” e “seu filho não vai nascer e a culpa é sua”. Ela conta que foi amarrada à maca, que não escolheu a posição do parto e que tomou muito anestésico. Emily viveu o que na saúde é classificado como violência obstétrica.
Depois dessa experiência, quando engravidou do segundo filho, ela, que já tinha ouvido falar sobre parto humanizado, resolveu pesquisar mais sobre o assunto e decidiu que a segunda criança iria nascer em casa. O parto aconteceu há cerca de um ano e seguiu os trâmites normais, Miguel nasceu saudável. Neste domingo (21), ele foi com os pais e o irmão Matheus, 5 anos, para a Barra participar da Marcha Pelo Parto Humanizado, um evento realizado em todo o Brasil.
“Parece meio óbvio, mas o parto humanizado é trazer a mulher para o centro das decisões, decisões baseadas em evidências científicas, permitir que a mulher possa escolher onde quer parir, quem vai acompanha-la e quais são os procedimentos aceitáveis, respeitando a segurança de todos os envolvidos. O parto domiciliar foi uma das melhores experiências que tive. Gostaria muito que ele estivesse disponível pelo SUS”, contou Emyle.
Neste domingo, um grupo de manifestantes saiu em caminhada do Farol da Barra até o Cristo com faixas e cartazes chamando a atenção para a importância do parto humanizado. Mães, mulheres grávidas, crianças e homens participaram do ato. Muitos cartazes foram pintados minutos antes da passeata, no Largo do Farol, uma diversão para as crianças. Uma banda de percussão animou o trajeto, enquanto o grupo gritava palavras de ordem.
A organizadora do movimento em Salvador, Tanila Glaeser, frisou que o evento foi nacional, sendo realizado em diversas cidades do país, e explicou que o objetivo geral é garantir o direito de a gestante escolher qual será o local e o profissional de assistência ao parto. Em Salvador, há também objetivos específicos.
“Uma das nossas especificidades é a abertura de um centro de parto extra-hospitalar para oferecer uma opção para a mulher, além da inclusão do parto domiciliar planejado pelo SUS. É uma realidade em outras cidades do nosso país, como Belo Horizonte (MG), e que a gente acredita ser possível também em Salvador. O movimento social, inclusive, tem um projeto protocolado na Sesab”, afirmou.
O Centro de Parto Normal (CPN) Marieta de Souza Pereira funcionava na Mansão do Caminho e era o único que oferecia esse serviço na capital, mas, depois de 12 anos em operação, encerrou as atividades em setembro. Na época, a entidade filantrópica explicou que os recursos repassados pela Secretaria de Saúde da Bahia (Sesab) e as doações foram insuficientes para cobrir as despesas. Em 2022, o déficit foi de R$ 3,7 milhões, e a previsão era de R$ 4,05 milhões de débito em 2023. O CPN realizava 32 partos mensais.
Manifestações
A enfermeira Indaiane Abade, 40 anos, também participou da manifestação e levou o filho, o pequeno Arthur, 8 anos. Ela ficou à frente do desfile com um cartaz chamando a atenção para a importância das doulas.
“As doulas são mulheres que não necessariamente precisam ter nível superior ou nível técnico, mas que foram treinadas para fazer com que o parto ocorra de forma humanizada. Em Salvador, muitas mães sofrem violência obstétrica, principalmente mulheres negras. A presença das doulas faz com que esse parto aconteça com outras práticas integrativas que vão fazer com que essa experiência seja mais humanizada”, afirmou.
Para quem acompanha o parto esse também é um momento especial que sem humanização pode ser traumatizante. É o que conta o consultor financeiro Bruno Rocha, 38 anos, que viu o primeiro filho nascer no hospital e o segundo em casa.
“É uma experiência totalmente diferente. A gente diz que Miguel veio para ressignificar o conceito de parto. O procedimento foi menos invasivo, criamos um vínculo com a equipe médica e eu cortei o cordão umbilical. No nascimento de Matheus, no hospital, só me deixaram entrar na sala quando já estava nascendo e lembro da enfermeira dizendo para eu não olhar. Foi muito diferente”, conta.
Em resumo, os manifestantes frisaram que o objetivo é oferecer maior autonomia para a pessoa gestante, permitir que ela e os acompanhantes estabeleçam uma relação de confiança com a equipe médica e que possam viver um dos momentos mais importantes da vida da forma mais humanizada possível.