Moradores contam como é viver na beira de cratera imensa em Candeias

Defesa Civil condenou 38 casas e famílias terão que mudar em até dez dias

  • Foto do(a) author(a) Gil Santos
  • Gil Santos

Publicado em 24 de abril de 2024 às 16:13

Local era apenas um córrego  Crédito: Arisson Marinho/ CORREIO

Primeiro, vieram a chuva e os ventos fortes e intensos que inundaram casas e derrubaram vegetações. Em seguida, a luz caiu e o distrito de Menino Jesus, em Candeias, na Região Metropolitana de Salvador, ficou às escuras. No meio da confusão houve um barulho, algumas casas tremeram e os moradores que correram para as janelas viram toneladas de barro deslizarem por um paredão com mais de 30 metros de profundidade. O resultado foram famílias sem dormir e 38 imóveis interditados.

A cratera tem nome: voçoroca. É um fenômeno geológico. Geralmente, ela surge como uma pequena fenda no solo e com o passar do tempo forma uma enorme e profunda cratera capaz de de engolir carros e casas e de atingir o lençol freático. As causas podem ser diversas. No caso de Menino Jesus, os moradores contam que no lugar da cratera havia um córrego tão pequeno que adultos e crianças atravessam a pé. Isso foi há 20 anos.

São 45 metros de largura por 30 metros de profundidade. O paredão tem raízes de árvores e canos das casas à amostra. Olhando de cima é possível ver no fundo o que restou de uma ponte. A dona de casa Ednalva Pereira, 49, perdeu o quintal. No dia 7 de abril a voçoroca engoliu cerca de 4 metros de terreno e deixou o imóvel em risco. O local foi condenado pela Defesa Civil e a família de cinco pessoas terá que mudar. Ednalva conta que o cenário era muito diferente há duas décadas.

"Tinha muitas casas, muitas famílias viviam nesse local onde está o buracão. Elas foram saindo à medida que a situação foi ficando mais complicada. Hoje, eu não sei o que é dormir direito. Minha casa fica destrancada, porque se tiver uma situação de risco, a gente precisa ter como sair correndo", contou Ednalva.

Uma lona foi colocada na parte do barranco que fica atrás da casa dela para tentar conter o barro, mas a chuva que caiu no último fim de semana deixou a família assustada. Segundo a prefeitura, a média de chuva para o mês inteiro de abril em Candeias é de 280mm, mas somente no sábado (20) e domingo (21) o volume foi de 371 mm. Desde o começo do mês até está quarta-feira (24) foram 500mm.

Temporal

O domingo foi o dia mais caótico. Moradores contaram que tiveram as casas alagadas e que houve interrupção no serviço de luz e de água. Depois que o temporal passou, cobras, ratos e mosquitos apareceram. Um mutirão foi formado para retirar o barro que encobriu as ruas de paralelepípedo. Graciela Gonçalves, 33, sentiu a casa tremer e correu com os dois filhos.

"Estava conversando com uma vizinha, na porta de casa, quando ouvimos o barulho do barro caindo. A gente sentiu o chão vibrar e corremos. Minha casa sempre sente quando o barro desce e tem várias rachaduras por conta disso", contou.

Equipes da Defesa Civil e da Assistência Social de Candeias estiveram no local, avaliaram as condições dos imóveis e cadastraram as famílias para receberem aluguel social. O prefeito Pitágoras Ibiapina (PP) afirmou que buscou o Governo do Estado, em 2021, e que foi orientado a fazer um projeto sobre a área. Na semana passada, o município firmou uma parceria nesse sentido.

"Montamos um grupo de trabalho onde fizemos um acordo de cooperação técnica com a Universidade Federal da Bahia para que seja realizado um estudo, porque mesmo depois de 25 anos [do surgimento do problema] ainda não existe um estudo para dizer o que ocasionou esse voçoroca. Depois, o projeto será apresentado ao Governo do Estado e ao Governo Federal para que possamos encontrar uma solução", afirmou o gestor.

O prefeito afirmou também que assinou uma ordem de serviço para terraplanagem do local onde será construído um novo conjunto habitacional chamado de Vida Nova. O empreendimento fica em Menino Jesus e será entregue para os moradores que tiveram as casas interditadas pela Defesa Civil e estejam em situação de emergência. A previsão é que as obras comecem em até três meses.

Causas

O engenheiro sanitarista e ambiental Sérgio Sacramento, 27 anos, fez um estudo sobre os impactos sociais e ambientais decorrentes da erosão em Menino de Jesus, onde ele mora. A casa dele ficava a 5 metros de distância do córrego, mas, agora, fica a menos de 1 metro da voçoroca. O problema surgiu em 2001, por conta do avanço do buraco a cerca que protege a casa precisou ser recuada algumas vezes.

"Voçoroca é uma erosão, mas em um estágio mais avançado, é quando ela já alcança o lençol freático devido à profundidade. O problema foi acumulando por conta do descaso. É um problema que só a esfera municipal não consegue resolver e precisa do apoio dos governos estadual e federal".

A comunidade não tem coleta e nem tratamento de esgoto e, segundo o engenheiro sanitarista e ambiental, essa ausência de saneamento agrava a situação. Ele e outros moradores contaram que existe uma estação de tratamento da Embasa que fica alguns metros acima do local do acidente e disseram que o equipamento despeja água no local, o que intensifica o avanço da voçoroca.

"Em época de chuva a gente sente esse impacto ainda mais forte. É preciso fazer um estudo de impacto do solo, porque não é possível resolver um problema sem saber a causa dele, entender porque o solo está se movimentando dessa maneira e quais são os fatores externos e internos que contribui para essa erosão", afirmou.

Depois que os moradores deixarem as casas, os imóveis serão demolidos e a área será interditada para evitar novas construções. Até a manhã desta quarta-feira, dez das 38 famílias registradas já tinham encontrado imóveis e entraram com o pedido para o recebimento de aluguel social. Candeias tem 29 áreas de risco.

Procurada para comentar sobre a atuação da estação de tratamento na região e sobre a falta de rede de esgoto no distrito, a Embasa respondeu que não existe despejo de água da empresa na voçoroca e que não há nenhuma relação entre o desabamento do solo e as infraestruturas da Embasa existentes na região.

A empresa também foi questionada sobre a ausência de rede de esgoto e saneamento básico, ao que declarou que apenas dois dos quatro serviços de saneamento básico são encargos da empresa.

“O saneamento básico é composto de quatro serviços: abastecimento de água tratada, esgotamento sanitário, drenagem de água de chuva e manejo de resíduos sólidos (lixo). Somente os dois primeiros são prestados pela Embasa. A localidade já é atendida com água tratada e a implantação do sistema de esgotamento sanitário está em fase inicial (a elaboração do projeto está prevista para ser licitada este ano)”, diz a companhia.

A implantação de drenagem e a coleta de lixo seriam de responsabilidade da prefeitura municipal. Segundo a instituição, os dois últimos são os principais fatores causadores do problema.

A Embasa afirmou ainda que seu serviço social mantém contato constantemente com as lideranças da localidade e com a prefeitura, e que em qualquer necessidade de encontros e reuniões, estará disponível pelo serviço social e pela equipe técnica.