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Thais Borges
Publicado em 24 de junho de 2023 às 05:41
Eles estão na grama, no pasto da fazenda e nas frestas do muro de casa. Com suas oito perninhas, alguns carrapatos não chegam nem mesmo a 25 milímetros de diâmetro. Ainda assim, têm potencial para causar enormes danos à saúde de humanos e animais. Nas últimas semanas, ao menos quatro pessoas morreram no Brasil devido à febre maculosa - também chamada de "doença do carrapato". Se você está retornando da roça neste período de São João e ficou com receio deste bichinho ter te mordido no período junino, está no lugar certo. >
O surto foi em Campinas (SP) e, segundo as investigações preliminares, está relacionado especificamente a uma fazenda que promove shows e eventos. No entanto, associar a febre maculosa à "doença do carrapato" foi o suficiente para gerar um alerta em todo o país. Na Bahia, este ano, foram 13 notificações de febre maculosa, ainda que nenhum desses casos tenham sido confirmados, segundo a Secretaria da Saúde do Estado (Sesab). >
Só que a febre maculosa está longe de ser a única "doença do carrapato" existente. Pelo contrário: há quase uma dezena de outras enfermidades mais conhecidas que afetam humanos e animais - inclusive os de companhia, como cães e gatos. >
"Carrapatos, de forma em geral, podem trazer doenças para os seres humanos que não só a febre maculosa. Umas são mais comuns do que outras em algumas partes do Brasil e do mundo", explica o médico infectologista Igor Brandão, chefe de infectologia do Hospital da Bahia. >
A febre maculosa é endêmica de algumas regiões do Sudeste do Brasil, como é o caso de Campinas, mas tem ocorrências em outros locais - inclusive na Bahia. No entanto, além dela, é possível citar a doença de Lyme, que é muito mais comum nos EUA e já atingiu artistas como Avril Lavigne e Justin Bieber; a doença de Powassan, também mais ligada ao hemisfério Norte, e outras como a tularemia, a babesiose, a erlichiose e a anaplasmose. >
Essas três últimas, porém, frequentemente fazem parte do vocabulário de mães e pais de pet por aí. Não é incomum que os bichinhos sejam acometidos por elas."São doenças diferentes porque são espécies de carrapatos diferentes, para não misturarmos as coisas e não ter aumento de abandono de animais que não têm nada a ver", enfatiza a médica veterinária Letícia Filgueiras, professora do curso de Medicina Veterinária da UniFTC Vitória da Conquista. >
A transmissão>
Atualmente, a febre maculosa é a doença de carrapatos de maior atenção no Brasil, para humanos, devido à sua letalidade quando o diagnóstico não é feito precocemente e o tratamento demora a ser iniciado. Essa é a avaliação do médico veterinário Sandro Antonio Pereira, chefe do Laboratório de Pesquisa Clínica em Dermatozoonoses em Animais Domésticos do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas, órgão da Fiocruz. >
De acordo com ele, a transmissão de qualquer doença por carrapatos - seja no hospedeiro humano, seja em animais - ocorre durante o processo de alimentação. Ou seja, os carrapatos transmitem microrganismos patogênicos junto com a saliva. "O ato de arrancar os carrapatos diretamente com as mãos sem luvas e depois esmagá-los com as unhas também oferece risco de transmissão", alerta. >
Por ordem de frequência, de acordo com a Fiocruz, as mais comuns em humanos, no Brasil, além da febre maculosa são a síndrome de Baggio-Yoshinari - também chamada de doença de Lyme símile brasileira (muito parecida com a doença de Lyme original) e a febre Q, que normalmente afeta ovelhas, cabras e gato. >
Já nos cachorros, as mais comuns são a erliquiose e babesiose, além de anaplasmose, rangeliose e hepatozoonose, enquanto nos gatos são a anaplasmose e a hepatozoonose. Em ruminantes, destacam-se a babesiose e anaplasmose, ao passo que, nos equinos, a babesione é a mais comum. >
"A babesiose e erliquiose são disseminadas em cães e com ampla distribuição geográfica no Brasil e no mundo. Em humanos, são raros os casos de babesiose e ehrlichiose. As manifestações clínicas dessas doenças são semelhantes entre humanos e animais", acrescenta Pereira. Ainda segundo ele, os cães são mais suscetíveis do que os humanos. >
Infecção>
A febre maculosa é transmitida pelo carrapato-estrela, que não é encontrado nas cidades. Os casos que têm aparecido no noticiário são de todos relacionados à Fazenda Santa Margarida, que sediava eventos em Campinas. Em geral, a pessoa pode começar a apresentar sintomas da infecção entre 2 e 14 dias após o contato com o carrapato, como destaca o infectologista Igor Brandão. >
Por isso, ele defende que as pessoas estejam atentas às formas de prevenção. Esse carrapato-estrela é mais comum em áreas de mato alto, então, é importante dar preferência a roupas claras ou brancas já que elas tornam mais fácil a visualização do carrapato. Nessas áreas de risco, outra indicação é usar repelentes. Já há, no mercado, produtos que podem ser aplicados tanto na pele quanto nas roupas e chegam a durar 12 horas. Também é importante usar botas e fazer inspeções recorrentes. >
“O tempo de exposição ao carrapato maior do que quatro horas aumenta as chances de transmissão. Na hora de retirar o carrapato, se puder, retirar com uma pinça ou com dedo em forma circular, sem matar ou espremer, porque a chance de passar a doença é menor”, orienta o médico. >
Uma vez infectada, os sintomas são muito pouco específicos: febre, dores articulares, vermelhidão no corpo, nas palmas das mãos e dos pés, sonolência ou agitação, dor de cabeça e até sintomas gripais. “Pode ser tipo uma dengue, como pode ser tipo uma gripe ou resfriado. Esse é o perigo”, acrescenta Brandão. >
Daí a importância de tanto a pessoa quanto o médico buscarem um histórico detalhado do paciente. Se a pessoa esteve numa área de mata ou de fazenda, por exemplo, é importante mencionar isso numa consulta para ajudar a chegar ao diagnóstico correto em menos tempo. >
Outras doenças em humanos >
Já as outras doenças, como a babesiose e a erlichiose em humanos, ainda que afetem humanos, são muito subnotificadas no Brasil. Muitas vezes, é difícil até chegar ao diagnóstico delas justamente porque os sintomas são mais genéricos e, ao contrário da febre maculosa, a letalidade não é tão alta. >
O mais comum, contudo, é uma infecção bacteriana local. Ou seja, que, numa pessoa, o carrapato provoque um abcesso local pode gerar uma celulite, inchaço, vermelhidão e por aí vai. >
O infectologista Igor Brandão reforça, porém, que nada disso é motivo para pânico ou para mudança de planos. Ninguém deve, por exemplo, cancelar uma viagem para uma fazenda durante o São João por medo de doenças transmitidas por carrapatos. O que deve ser feito, em qualquer contexto, é a prevenção. >
“A pessoa pode ir preparada com repelente, calça, bota. Na hora que voltar, coloca uma sunga ou um biquíni e faz uma inspeção direto no corpo todo. Depois, tem que fazer a extração correta do carrapato”, explica. Além disso, as áreas rurais devem ter cuidados próprios, inclusive com uso de inseticidas. “Na dengue, a gente controla a água. Na febre maculosa, a gente controla o capim, deixa o capim mais baixo”, lista. >
Controle>
No caso dos animais, uma forma de protegê-los de carrapatos em geral é usando medicamentos para controle de pulgas e carrapatos, além de repelentes. >
“Mas não só o animal precisa estar com a medicação, como o ambiente precisa estar dedetizado. Ele vive na própria casa ou no quintal? Tudo precisa ser investigado para fazer a higiene correta e o controle do local em que o animal vive”, diz a médica veterinária Letícia Filgueiras, da UniFTC. >
Segundo ela, entre os pets, é difícil apontar qual doença é mais perigosa. Isso vai depender do estado imunológico de cada animal. “O animal pode ser picado por um carrapato só e esse carrapato gerar toda essa doença. Não podemos generalizar porque temos que tratar de forma individualizada”, defende. >
O tratamento, tanto em humanos quanto em animais, é feito com antibióticos. Além disso, atualmente, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) estudam formas de controlar a população do carrapato-estrela através de uma proteína específica do aracnídeo. Essa pesquisa está sendo vista como um avanço para o desenvolvimento de uma vacina no futuro, mas, por enquanto, ainda não há previsão de quando isso deve acontecer. >