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Bruno Wendel
Publicado em 6 de abril de 2020 às 05:00
- Atualizado há 2 anos
No lugar da terra fofa, asfalto. O alambrado foi substituído por uma rede para evitar que a bola atingisse carros e portas das residências. A arquibancada perdeu o lugar para as janelas e varandas. Apesar de as quadras e os campos públicos de Salvador estarem com os portões trancados, em razão do isolamento social para colocar um freio na disseminação do novo coronavírus, o tradicional baba de domingo rolou em alguns pontos de Salvador. Teve até baba interrompido - o campo da Universidade Federal da Bahia (Ufba), em Ondina, foi interditado pos fiscais da prefeitura, que flagraram um jogo acontecendo por lá.>
Na Travessa Boa Vista, no bairro do Uruguai, mesmo sem campo, uma turma jogava “golzinho” – o futebol de rua. Era por volta das 10h quando o CORREIO chegou local e encontrou cerca de 30 rapazes, entre 15 e 30 anos, revezando nas partidas. “São dois times em 'campo'. Quem fizer o gol primeiro, permanece. Quem tomou, sai para dar o lugar a outro time. E assim vai até o meio-dia”, disse Heitor Pereira Souza Santos, 28 anos, gerente de uma pizzaria. Ele era um dos organizadores do baba e aguardava a vez de jogar. >
Perguntado sobre o que achava do isolamento social por conta da pandemia, Heitor disse que ele e os amigos não aguentavam mais ficar dentro de casa.“Nós sabemos dos riscos, mas já estava insuportável. Há duas semanas que a gente, por conta própria, resolveu ficar em casa, inclusive aos domingos. É duro ficar em casa, olhando para as paredes e o sol danado desse jeito, chamando a gente para o baba. É difícil resistir. Admiro os fortes. Eu não resisto”, disse Heitor. Apesar da decisão dele e dos amigos de manterem o baba de doming, a medida vai de encontro aos pedidos de isolamento social. Na última quinta-feira (2), a prefeitura de Salvador determinou o fechamento das quadras e campos públicos administrados pelo município justamente para evitar aglomerações e reduzir as chances de contágio pelo novo coronavírus, que já matou nove pessoas na Bahia.>
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Improvisada, diante da falta de um campo, a área de jogo usada por Heitor e pelos amigos tinha aproximadamente 15 metros de comprimento e 5 metros de largura – uma quadra oficial tem comprimento de 40 metros e largura de 20. “São todos moradores daqui. Como as quadras estão fechadas, a gente dá o nosso jeito. Há poucos instantes, passou um carro da prefeitura e a gente parou tudo. Quando ele (carro) foi embora, voltamos com o nosso baba, o único lazer que nós temos aqui ”, admitiu Arthur Nogueira, 18, que também esperava para entrar no jogo.>
Mesmo com a ordem de isolaento, a bola vai rolar de novo na Sexta-feira Santa, pelo menos é que os moradores garantem. É o “baba do vinho”, que reúne atletas amadores, de todas as idades, usando roupas como saias e vestidos. “Só serão permitidas moças lindas e puras, aquelas recatadas e do lar”, brincou Emanuel Santos e Santos, 30. >
Avenida Peixe Sem acesso às quadras, a alternativa também foi fazer o baba nos moldes do golzinho, na Avenida Peixe – via que faz ligação entre os bairros da Liberdade, Iapi, Pero Vaz e Caixa d’Água. Por volta das 7h deste domingo (5), as ruas estavam tomadas por mini-traves.“Foi uma agonia, mas foi divertido. Toda hora vinha um carro e parava tudo. Mas tudo na maior tranquilidade, na paz, isso porque todo mundo é morador, todo mundo se conhece. É só saber chegar e conversar”, explicou seu Valdir Cachoeira, 50, morador do local. O golzinho se fez presente também na Avenida Contorno. Nas areias da praia ao lado do Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM), cerca de 30 homens estavam divididos em dois grupos – um que batia o baba e outro jogava futevôlei. As turmas dividiam harmonicamente o pequeno trecho de areia. >
Evangélicos Embora as quadras e campos estivessem vazios, a quadra de esporte de Cajazeiras VIII recebeu outros jogadores neste domingo – os do time da fé. Em campo, homens e mulheres com máscaras, distantes uns dos outros, ajoelhavam no chão, alguns debruçados nos alambrados, e pediam por misericórdia à humanidade. >
“Estamos aqui, de jejum desde ontem, para pedir misericórdia pela vida humana, por esse período que estamos passando. Todos nós aqui estamos orando pelo mundo, para que Deus tende piedade de todos nós, que essa pandemia passe logo”, explicou o pastor Gilson Nascimento, da Igreja Batista de Cajazeiras III. >
Sob o sol escaldante, os fiéis, com saias e camisas longas, oravam incansavelmente à mediada que um outro membro da igreja pregava com o uso de duas caixas de som. “É preciso fazer esse sacrifício pela humanidade e cremos que tudo isso vai passar logo. Como o campo não estava sendo usando para os jogos, achamos por bem usá-lo, mas com todos os cuidados. Todos aqui estão de máscaras e respeitando o distanciamento”, explicou o pastor. >