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Nilson Marinho
Publicado em 16 de setembro de 2024 às 05:00
Em 18 de janeiro deste ano, a engenheira química e ultramaratonista Alessandra Penariol Melo estava à beira do mar no Porto da Barra, em Salvador, quando amigos começaram a cobrir sua pele com generosas camadas de protetor solar. Antes disso, fizeram um grande círculo na areia, onde todos pediram proteção à paulista, já que a missão de deixar uma das mais belas praias da capital baiana em direção ao Morro de São Paulo, no município de Cairu, não era nada fácil. >
Alessandra teria que nadar em mar aberto, e sem descanso, por 60 km. Se conseguisse, seria a primeira mulher a cumprir o trajeto, mas, antes disso, teria que testar seus limites físicos e enfrentar os imprevisíveis contratempos da imensidão do Atlântico. Medo? Talvez tivesse, mas também carregava consigo a certeza de que tinha se preparado o suficiente e que, em terra, as pessoas que mais amava estariam esperando para, juntas, comemorarem o grande feito.>
Naquele dia ensolarado à beira do mar na Barra, ao lado da família e até de desconhecidos que a apoiavam, Alessandra escutou o som da rajada de fogos em sua homenagem, lançou um buquê de flores no mar para pedir licença, ergueu os braços em direção ao azul do céu e mergulhou por volta das 9h.>
Um barco, ocupado por uma equipe de apoio formada por 13 pessoas, entre elas o juiz da Federação Baiana de Natação, também partiu em disparada. Eles estavam prontos para interromper a prova ao menor sinal de que a segurança da atleta estivesse comprometida.>
Desafio>
Alessandra se mudou para Salvador em 2003 e logo se matriculou em um clube de natação, já que aprendeu a nadar antes mesmo de andar, como costuma dizer. A paulista foi convidada por colegas de piscina a conhecer o nado em mar aberto. A promessa era de que, se ela nadasse no Atlântico, jamais voltaria a querer competir em uma raia.>
O convite foi aceito e, em setembro daquele ano, a paulista participou da etapa de nado de 4 km entre os bairros da Ribeira e Bonfim. O trajeto foi cumprido embaixo de uma chuva torrencial e com o mar completamente sujo.>
A referência de chegada eram as torres da Basílica Santuário Nosso Senhor do Bonfim. “Eu falei: meu Deus, que coisa linda. Foi paixão à primeira vista e, com o passar do tempo, essa paixão foi crescendo e virou amor. Eu me conecto com o mar a ponto de achar que sou peixe”, brinca.>
Alessandra tomou gosto pela coisa e passou a participar dos circuitos de 4 a 5 km da Federação Baiana de Desportos Aquáticos (FBDA) para se qualificar a enfrentar a travessia de 12 km entre Itaparica e o Porto da Barra. >
Foram dois anos de treinos intensos para a travessia até Morro de São Paulo. O último deles aconteceu 40 dias antes da travessia, quando Alessandra saiu da Barra às 15h30 de um sábado, foi até o bairro de Paripe e retornou às areias do Porto, onde colocou os pés em terra firme às 7h30 do domingo, completando um trajeto de 42 km em 17 horas de nado.>
“A minha preparação para Morro foi uma jornada que durou dois anos. Gradativamente, eu fui crescendo nos treinos de piscina e mar. Tudo milimetricamente calculado para eu estender meus limites de maneira gradual”, comenta.>
Travessia>
Durante a grande travessia, Alessandra não estava apenas submersa em água salgada, mas também afundada em seu próprio silêncio, como em uma espécie de meditação em alto-mar. Essa é uma das suas táticas. A quietude só era rompida a cada 30 minutos quando alguém da equipe de apoio apitava para lembrá-la de se hidratar.>
Tudo parecia correr bem. A ultramaratonista estava há 10 horas nadando, era por volta das 19h, e seguia em direção a Morro de São Paulo. No entanto, em sua direção também avançavam urticantes caravelas do mar com seus tentáculos carregados de toxinas capazes de provocar queimaduras de terceiro grau.>
Com o corpo completamente queimado, ela teve uma reação alérgica imediata. O seu rosto, boca, língua, mãos e pés incharam e vômitos perduraram durante cerca de uma hora e meia, ao ponto de o juiz que estava no barco, homologando a prova, pensar em cancelar a atividade. >
Debilitada, Alessandra freou o ritmo e passou a se hidratar em intervalos mais curtos de tempo. Quando o vômito vinha, era medicada com um anti-histamínico usado no tratamento de reações alérgicas.>
A terra firme foi avistada por volta das 8h30. Ao se aproximar, ela conseguiu ouvir os gritos de incentivo dos seus familiares e caiu em choro. Após 23 horas, 20 minutos e 22 segundos de nado, Alessandra completou a travessia. Debilitada, mal pôde ficar de pé, rastejou até a faixa de areia e engatinhando foi ao encontro de sua mãe e seus dois filhos.>
“Foi uma catarse. Eu saí uma pessoa do Porto da Barra e cheguei outra em Morro de São Paulo, muito mais resiliente, humilde, consciente da força da natureza e do poder de Deus”, comenta Alessandra.>