Especialistas explicam por que a Festa de Iemanjá é tão popular

Expectativa de público para este ano foi de 1 milhão de pessoas, segundo a Saltur; há dez anos, foram 400 mil

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  • Raquel Brito

Publicado em 3 de fevereiro de 2024 às 05:00

Expectativa de público no 2 de Fevereiro é de um milhão de pessoas
Expectativa de público este ano é de 1 milhão de pessoas Crédito: Paula Fróes/CORREIO

Maior manifestação dedicada a um orixá na Bahia, a Festa de Iemanjá é um dos momentos mais esperados do ano para muitos baianos e turistas e atrai cada vez mais adeptos. Este ano, de acordo com a Empresa Salvador Turismo (Saltur), a expectativa de público no Rio Vermelho para o Dois de Fevereiro foi de 1 milhão de pessoas. São 600 mil pessoas a mais do que há dez anos, quando a celebração reuniu 400 mil fiéis e admiradores da Rainha do Mar.

A Festa de Iemanjá surgiu há 101 anos, por iniciativa dos pescadores. Na ocasião, houve uma escassez de peixes e 25 pescadores fizeram uma promessa para a orixá, de que se tivesse peixe, fariam essa celebração todos os anos. Quem explica é Adson Brito do Velho, historiador e vice-presidente da Academia de Letras, Música e Artes de Salvador. “O pessoal da Colônia dos Pescadores diz que desde 1923 nunca mais faltou peixe ali, Iemanjá atendeu ao pedido. A partir daí, começou a devoção”, diz.

A entrega das oferendas, que acontecia no contexto da Festa de Nossa Senhora de Santana, que durava 15 dias, não era fixa no dia 2 naquela época, podendo acontecer dias depois. Nesse tempo, o público das homenagens era formado apenas pelos pescadores e pelo povo do axé.

“A classe média baiana era muito conservadora e não deixava principalmente que as mulheres ficassem perto da balaustrada do Rio Vermelho para assistir isso, achavam que não deviam se misturar. Mas a festa foi ganhando força, ganhando prestígio, e a partir da década de 1940 começou a se tornar conhecida nacionalmente com os personagens que hoje chamaríamos de ‘influencers’, as pessoas que frequentavam a festa e que deram essa dimensão midiática nacional”, adiciona o jornalista e pesquisador Nelson Cadena.

Alguns desses personagens foram Jorge Amado, Dorival Caymmi, Gal Costa e Maria Bethânia. Enquanto Amado se referiu à festa como “mais bonita que todas as procissões da Bahia” no livro Mar Morto, de 1936, os três últimos compartilharam o carinho pela data em forma de música: Dois de Fevereiro, de Caymmi, foi regravada pelas duas cantoras baianas e caiu no gosto de todo o Brasil.

Outros grandes nomes para a popularização da festa foram o fotógrafo Pierre Verger, que começou a documentar o evento em fotografias, e o jornalista Odorico Tavares, que escrevia sobre a festa, ambos na Revista O Cruzeiro, a maior do país na época.

“Com isso, as pessoas do Sul começaram a se interessar por Iemanjá e a festa dela se tornou mais importante que a Festa de Santana, embora as duas fossem feitas ao mesmo tempo. No fim da história, a Festa de Santana foi remanejada e deixou de ser realizada no Rio Vermelho”, diz o jornalista.

Cadena confirma que o espaço hoje está ficando pequeno para a quantidade de fiéis e admiradores que vão saudar Iemanjá ou curtir a festa. “É por isso que muitas pessoas estão antecipando suas oferendas, porque antigamente o 2 de Fevereiro era 2 de Fevereiro. Hoje, começa três ou quatro dias antes, algumas pessoas vão antes justamente para evitar a grande multidão. Ainda mais este ano, que a cidade está cheia de turistas, como eu não vejo há muito tempo”, diz.

Apesar de não imaginar a festa acontecendo em outro lugar, Adson Brito concorda que a quantidade de fiéis e admiradores que comparecem ao Rio Vermelho ano após ano desafia o espaço da avenida principal do bairro.

"A cada ano o número de pessoas cresce ainda mais. Antes mesmo do dia dois, já tem pessoas lá fazendo as oferendas e a tendência é continuar nesse crescimento. A festa está crescendo muito, mas eu acho pouco provável que haja uma mudança, porque ali já é um local histórico e haveria uma resistência muito grande dos pescadores da Colônia e do povo de santo. Apertando aqui e ali, a festa no Rio Vermelho vai durar muito tempo ainda”, diz.

Para ele, esse aumento de público está relacionado à maior liberdade de expressão das religiosidades no país. "As pessoas estão tomando uma maior consciência, os movimentos negros estão fazendo um trabalho muito importante no sentido de difundir que todos têm, sim, o direito e a liberdade de mostrar a sua fé nos seus orixás. Hoje, muitas pessoas não têm mais vergonha de esconder", comenta.

Por que não é feriado?

Mesmo atraindo milhares de pessoas todo ano, a Festa de Iemanjá não é feriado na capital baiana. Isso porque há um limite de feriados municipais, que não pode ser superior a quatro, segundo a Câmara Municipal de Salvador. Atualmente, todos os feriados municipais de Salvador são relacionados a celebrações católicas. São eles o de Paixão de Cristo (Sexta-feira Santa), Corpus Christi, Dia de São João e Dia de Nossa Senhora da Conceição da Praia.

A lei federal nº 9.093 de 1995, mesma que determina esse limite, atribui aos estados a competência para estabelecer um feriado estadual, além de instituir as datas magnas de cada unidade federativa como feriado. Na Bahia, essa data é comemorada no dia 2 de Julho, dia da Independência do Brasil no estado.

*Com orientação da subeditora Monique Lôbo.