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Estadão
Publicado em 12 de setembro de 2023 às 19:16
Uma forte tempestade que provocou chuvas torrenciais e inundações extremas no leste da Líbia devastou comunidades inteiras na costa mediterrânica, causando destruição generalizada e um número desconhecido de mortes, mas que já ultrapassa milhares de vítimas, disseram as autoridades. >
A destruição atingiu a cidade de Derna, no leste do país, e outras partes da região na noite de domingo, 10, quando a tempestade mediterrânica Daniel atingiu a costa. Moradores disseram ter ouvido fortes explosões e percebido que barragens fora da cidade haviam rompido, provocando inundações repentinas em Wadi Derna, um rio que corre das montanhas, atravessa a cidade e desemboca no mar.>
As autoridades declararam Derna uma zona de desastre depois que as enchentes inundaram bairros na manhã de segunda-feira, 11. Vídeos publicados nas redes sociais mostram grandes áreas de lama e destroços onde as águas turbulentas varreram os bairros residenciais. Prédios de vários andares que antes ficavam afastados do rio tiveram fachadas arrancadas e pisos de concreto desabaram. Carros arrastados pela água ficaram jogados uns em cima dos outros.>
Vítimas na casa dos milhares>
As autoridades de Derna estimaram que o número atual de mortos esteja em 2,3 mil vítimas. Pelo menos 700 corpos recuperados foram enterrados até agora, segundo uma autoridade local.>
As imagens mostraram dezenas de corpos com cobertores no pátio de um hospital. Acredita-se que muitos corpos estejam presos sob os escombros ou tenham sido arrastados para o mar Mediterrâneo, disse Othman Abduljaleel, autoridade local da área da saúde.>
O número de mortes, entretanto, ainda deverá ser muito maior, disse Tamer Ramadan, enviado da Líbia para a Federação Internacional das Sociedades da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho. Ele disse em uma reunião da ONU que pelo menos 10 mil pessoas ainda estavam desaparecidas. Usama Ali, porta-voz dos serviços de emergência do governo de Trípoli, a capital da Líbia, também informou que a tragédia deixou 7 mil feridos.>
Cidades isoladas>
Os residentes de Derna ficaram sozinhos logo após o desastre, com as autoridades do leste da Líbia afirmando que não conseguiram chegar à cidade de cerca de 90 mil habitantes. Estradas bloqueadas, deslizamentos de terra e inundações impediram que os serviços de emergência chegassem à população das zonas afetadas, que teve de recorrer a meios rudimentares para recuperar os corpos e retirar os sobreviventes da lama.>
Nesta terça-feira, 12, a maior parte do governo local chegou à cidade. Equipes do Crescente Vermelho de outras partes da Líbia também chegaram a Derna, mas escavadeiras extras e outros equipamentos ainda não haviam chegado lá, dificultados em parte por estradas cortadas e destruídas. Redes de telefonia móvel e de internet também estavam fora de funcionamento, contribuindo para que as cidades fiquem ainda mais isoladas.>
A ajuda também começou a chegar a Benghazi, 250 quilômetros a oeste de Derna. Oficiais militares egípcios chegaram a Benghazi junto com uma equipe de resgate e helicópteros. O governo do oeste da Líbia, com sede em Trípoli, enviou um avião com 14 toneladas de suprimentos médicos e profissionais de saúde para Benghazi.>
Comboios de ajuda foram enviados para Derna. O governo de Trípoli, dirigido por Abdelhamid Dbeibah, anunciou o enviou de dois aviões-ambulância e um helicóptero, com 87 médicos, uma equipe de socorristas e de investigação, além de técnicos para restabelecer a corrente elétrica.>
País dividido>
Conhecida pelas suas casas pintadas de branco e jardins de palmeiras, Derna foi construída em grande parte pela Itália quando a Líbia estava sob ocupação italiana na primeira metade do século 20. A cidade já foi um centro para grupos extremistas no caos que se seguiu ao levante apoiado pela Otan que derrubou e matou o ditador de longa data, Muammar Kadafi, em 2011.>
Derna é controlada pelas forças do comandante militar Khalifa Hifter, o homem forte do governo do leste da Líbia, baseado em Benghazi. As autoridades locais negligenciaram Derna durante anos, muitas vezes discutindo o seu desenvolvimento, mas nunca agindo, disse Jalel Harchaoui, membro associado especializado na Líbia no Royal United Services Institute for Defense and Security Studies, com sede em Londres. "Mesmo o aspecto da manutenção estava simplesmente ausente. Tudo continuava atrasado", disse ele.>
As infraestruturas da Líbia sofreram repetidos golpes ao longo da guerra civil que eclodiu após a queda de Kadafi em 2011. O país continua agora dividido entre governos rivais no leste e no oeste. O oeste, que abriga o governo apoiado pela ONU, apressou-se em ajudar o leste depois que as imagens apocalípticas surgiram.>