A angústia da impermanência

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  • Paulo Sales

Publicado em 4 de novembro de 2019 às 05:00

- Atualizado há um ano

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O sol vai se expandir e atingir um tamanho até 200 vezes maior do que tem agora, e há uma grande possibilidade de que acabe por engolir a Terra. Mesmo que isso não ocorra, a temperatura será tão alta por aqui que a vida vai se tornar impossível. Depois de um tempo, o sol voltará a diminuir, esfriar e enfim se apagar por completo. Junto com ele, o que restar do nosso planeta, outrora verde e e vivo, será coberto por enormes camadas de treva. Está tudo em um artigo da astrofísica Ada Ortiz Carbonell, da Universidade de Oslo, publicado recentemente no El País.

Se serve de consolo, acrescento que os fenômenos descritos acima só vão ocorrer daqui a 5 bilhões de anos. Portanto, nenhum de nós ou sequer algum de nossos tataranetos estará por aqui, e nossos nomes e ossos não serão mais do que poeira de memória, se tanto. É quase impossível até que nossa espécie – ou algo próximo a ela – ainda esteja por aqui. Sabendo de tudo isso, confesso sentir uma certa angústia. A angústia da impermanência. Não apenas a minha, mas também das cidades, civilizações e tudo que erguemos (e destruímos) nesta nossa ainda curtíssima jornada pelo planeta.

Saber da minha própria extinção me traz hoje certa resignação (temperada com espasmos de desespero). Mas o que dizer da extinção das sinfonias, bibliotecas, idiomas, esculturas ou satélites? Ou do amontoado de entulho, pó e esquecimento que restará de Paris, Roma, Veneza ou Lisboa, tão antigas e tão vulneráveis? Lamento até por minha modesta Salvador, suas ruas estreitas do Centro, seu linguajar peculiar, seu mar cálido do Porto da Barra. É como se toda a nossa absoluta insignificância fosse elevada à milésima potência.

Imagino a Terra despida de nós. Provavelmente estará melhor, diante do estrago colossal que fazemos. Mas também estará despida do que faz dela um único ponto habitável em milhões de anos-luz consecutivos de ambientes hostis, gélidos ou incandescentes. Sem elefantes, sequoias, salamandras, cordilheiras, oceanos ou vitórias-régias. É ausência demais para o nosso pobre imaginário coletivo. Como no clássico poema de Percy Shelley sobre a estátua destruída de um rei um dia todo-poderoso, cujo império a perder de vista converteu-se em areia, conferindo à inscrição no pedestal uma ironia involuntária: “Meu nome é Ozimândias, e sou Rei dos Reis: / Desesperai, ó Grandes, vendo as minhas obras!”

Assim o poema termina: “Nada subsiste ali. Em torno à derrocada / Da ruína colossal, a areia ilimitada / Se estende ao longe, rasa, nua, abandonada”. Terminaremos da mesma forma que o império de Ozimândias, esquecidos e insondáveis. Mesmo com todo dinheiro, telescópios de última geração, sondas espaciais e descobertas científicas. Mesmo com todo som e fúria que, como diria Shakespeare, não significa nada. E sabe o que é pior? Nada disso terá qualquer influência sobre o curso do universo. Nosso fim será só uma banalidade a mais em meio à escuridão.