A praça é do povo: são mais de 600 espalhadas por Salvador

Desde 2013, já foram inaugurados cerca de 245 espaços públicos de convivência na cidade, dos bairros mais nobres aos mais carentes. São 26 milhões em investimento

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  • Da Redação

Publicado em 29 de março de 2018 às 15:45

- Atualizado há um ano

. Crédito: Imas Pereira

Todas as quintas-feiras à tarde, os moradores do pacato bairro do Santo Antônio Além do Carmo, Centro Histórico de Salvador, escutam o som dos timbales de um grupo de jovens. “Nos conhecemos através da música e há alguns meses fazemos este encontro. A gente vem aprender um com o outro. A música é sempre um estado de renovação. Quanto mais estudamos, mais aprendemos”, filosofa Iago Nascimento, músico de 18 anos, morador de Fazenda Coutos, que integra a banda-escola do Olodum.

Vindos cada um de um canto da cidade, eles se inspiram na vista da Baía de Todos os Santos para treinar novas convenções. “Essa praça tem o axé! Além da vista e da brisa do mar, a gente ainda toca em frente ao museu da capoeira…”, diz, sorrindo, Leandro Gomes, 18, que sai da Boa Vista do Lobato para encontrar com os amigos. Ele e Talisson Souza, 19, morador do IAPI, ensinam para os outros colegas o que aprendem como músicos da escola do Ilê Aiyê.

Sem nome e sem qualquer apresentação prevista para acontecer, o grupo faz questão de convidar quem quiser tocar com eles “até as mãos cansarem”. “Essa é a ideia de estar em um lugar aberto. De todos do grupo, eu sou o único músico de rua. Conheci eles por morar perto, no Barbalho”, conta Ariel Campelo, 18. 

A praça tem essa simbologia. É um bom ponto de partida para se conhecer uma cidade. É o coração dela. Em Salvador, mais de 600 se espalham pelos bairros, reunindo pessoas, estimulando a convivência, o lazer e a ocupação das ruas. Desde 2013, a prefeitura investiu 33 milhões em 245 novas instalações, sendo 25 delas apenas em 2018. “A praça tem essa força de reverberar o povo. É um lugar cheio de simbolismos e vidas”, ressalta a antropóloga Goli Guerreiro.

Espaço aberto A correria do dia a dia pede uma pausa. Um momento de lazer em família, uma caminhada para relaxar, piquenique com os amigos, minutos de meditação. São diversas as possibilidades de descanso, mas que podem se concentrar em apenas um lugar: praça. 

“Independente da situação financeira, crença e etnia, as praças proporcionam encontros de pessoas que talvez nunca se conhecessem se não fosse um espaço aberto ao público”, destaca Naiara Amorim, professora da UFBA de arquitetura paisagística. 

Em tempos de moradias cada vez menores, uma praça bem equipada faz a diferença na vida de um povo. “Sem muito espaço dentro de casa, as pessoas buscam suprir esta carência de lazer nas praças, que são os espaços mais acessíveis”, assegura a arquiteta. 

Revitalização Não há uma fórmula ou um cálculo que indique a quantidade de praças necessárias para uma cidade. “Mas quanto mais adensado for o bairro, mais pessoas morando, mais a necessidade de ter espaços públicos”, explica Naiara Amorim. Em Salvador, já são mais de 600 praças instaladas das áreas mais nobres às mais carentes. Desde 2013, já foram inauguradas cerca de 245 espaços públicos de convivência. São 33 milhões em investimento.

“Muitas áreas públicas estavam subutilizadas ou ocupadas irregularmente. O grande desafio que recebi de ACM Neto no início da gestão foi devolver o espaço público ao cidadão, através de novas praças, de forma com que as pessoas se sentissem atraídas a ocupar as ruas”, conta Marcílio Bastos, presidente da Desal. 

Segundo o gestor, a ideia sempre foi a recuperação da cidade sem esquecer o resgate turístico. “Tem sido fundamental o exercício do ouvir, para entender qual a necessidade das pessoas. Para ser melhorado, o espaço público precisa dar conforto e qualidade de vida para as comunidades”, garante. 

Sustentável Boa parte dos equipamentos que são instalados nas praças públicas de Salvador é produzida pela própria fábrica da prefeitura. “Este é um grande diferencial que temos em relação às outras idades. Produzimos  pisos, lajotas, pergolados. O banco de concreto modular, por exemplo, é sustentável. O seu miolo é o entulho da obra. A economia sai em torno de 30 a 40%”, conta Marcílio. 

Além de ser mais barato, outras importantes vantagens são ter o controle de qualidade do que foi produzido e garantir a personalização dos equipamentos. “A experiência tem dado certo e já serve de vitrine para outros estados e cidades da nossa própria Bahia. Constantemente somos procurados por gestores”, conta, entusiasmado.

Tour pelas praças

A mais antiga - Construída em 1549, a Praça Thomé de Sousa é considerada o berço da civilização brasileira. Antigamente conhecida como Praça da Parada, onde aconteciam as paradas militares, ela foi a primeira praça de Salvador. O primeiro governador-geral e do Brasil Colônia, Thomé de Sousa, criou o espaço para concentrar os prédios da administração pública. Abrigou, até 1763, o primeiro centro político e administrativo do Brasil. “Foi a primeira praça dos três poderes do Brasil”, explica o historiador Jaime Nascimento. Hoje, tem em seu entorno o Elevador Lacerda, a Câmara Municipal de Salvador, a prefeitura da cidade e o Palácio Rio Branco, antiga sede do governo estadual. O palácio já abrigou, também, até 1912, a primeira biblioteca púbica do Brasil – destruída após bombardeio. Construída em 1549, a Praça Thomé de Sousa é considerada o berço da civilização brasileira (Foto: Shutterstok) Espaços históricos - Antiga Praça Getúlio Vargas, o Terreiro de Jesus guarda a memória da cidade. Abriga um grande número de prédios históricos, como a Catedral Basílica, construída pelos jesuítas no século 17, a Faculdade de Medicina, primeira do Brasil, e as igrejas de São Domingos Gusmão e de São Pedro dos Clérigos. Por ali passaram índios, escravos e colonizadores. Não muito distante, também no centro da cidade, a Praça da Piedade foi uma das primeiras a ser ocupadas na ampliação dos limites da cidade neste mesmo período. Hoje, mantém uma das principais simbologias de um espaço público, com a sadia convivência de comerciantes, passantes, idosos e jovens que estudam por colégios próximos.  Antiga Praça Getúlio Vargas, o Terreiro de Jesus guarda a memória da cidade (Foto: Imas Pereira) Manifestações religiosas - Salvador é conhecida por ter uma forte religiosidade. Por aqui, o catolicismo dos colonizadores, mesclou com as crenças indígenas e as religiões de matriz africanas trazidas pelos negros escravos. Não a toa, a cidade tem espaços para toda e qualquer manifestação religiosa. Em algumas praças públicas, como no Dique do Tororó, há um imponente templo religioso com os orixás. Um dos equipamentos mais novos é a Praça da Bíblia, no Vale do Ogunjá, que conta com uma escultura réplica da Bíblia e de símbolos do cristianismo. Por lá, padres e pastores fazem frequentemente cultos e missas. A Praça da Bíblia, no Vale do Ogunjá, conta com uma escultura réplica da Bíblia e de símbolos do cristianismo (Foto: Elias Dantas) A mais imponente - A Praça do Campo Grande é a maior em extensão da capital baiana. Seus 36.200 metros quadrados guardam muita história. Primeiramente chamada de Campo de São Pedro, o local foi palco de importantes combates que antecederam as lutas pela Independência da Bahia. No final do século XIX, a praça recebeu a configuração que hoje ostenta. O monumento ao Dois de Julho, inaugurado em 1895, tem no topo a escultura de um caboclo, que, armado com arco e flecha, representa a identidade do povo brasileira que lutou pela independência.      A Praça do Campo Grande é a maior em extensão da capital baiana (Fotos: Imas Pereira) Berços de manifestações culturais - Uma das mais simbólicas praças de Salvador é a Castro Alves, no centro antigo da cidade. Criada por Thomé de Souza, a praça era conhecida como Largo da Quitanda, por ser a porta de entrada para a cidade. Ganhou status cultural após ser construído em frente o primeiro teatro público do Brasil: Teatro São João. “Todo mundo conhecia como Largo São João até ganhar o nome que tem hoje, em homenagem a um dos frequentadores assíduos do teatro: Castro Alves”, explica o historiador Jaime Nascimento. Conhecida mundialmente como ponto central do Carnaval de Salvador, a praça Castro Alves é um dos espaços públicos destinados às manifestações culturais em Salvador. Mas como não só de folia momesca vive o baiano,  é, também, do povo, em momentos de lazer, espaços como a Praça da Revolução (Periperi), Praça Ana Lúcia Magalhães (Itaigara) e Praça São Braz (Plataforma). Elas têm se tornado importantes centros culturais de Salvador devido à boa infraestrutura que oferecem, com anfiteatros, extensos gramados e facilidades de acesso. São shows, feiras a céu aberto e apresentações teatrais.  Praça São Braz (Plataforma) tem se tornado importantes centros culturais de Salvador devido à boa infraestrutura que oferece (Foto: Marina Silva/Arquivo Correio) Práticas de atividades físicas - De crianças a idosos, todos precisam praticar atividades físicas para manter uma vida saudável. E não é preciso pagar para isto. A praça é um bom espaço gratuito para jogar conversa fora, mas, também, muito importante para se exercitar. Em Salvador, os equipamentos públicos oferecem ciclovias, faixas para caminhadas, aparelhos de ginástica e até espaços mais inovadores, destinado para práticas de Yoga. “No meu prédio não tem academia, então, venho quase todos os dias para fazer atividade física. Tem bons equipamentos para eu movimentar todas as minhas articulações”, comenta Elídio Bastos, um jovem senhor de mais de 70 anos. Em Salvador, os equipamentos públicos oferecem ciclovias, faixas para caminhadas, aparelhos de ginástica e até espaços mais inovadores, destinado para práticas de Yoga (Foto: Imas Pereira)