Abacaxi não é problema para a floricultura

Frutas para ver e não para comer conquistam mercado nacional e internacional e já decoram até buquês de noivas

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  • Georgina Maynart

Publicado em 15 de fevereiro de 2019 às 06:00

- Atualizado há um ano

Ele tem uma coroa na parte de cima e é conhecido até como “Rei dos Frutos”. Brota com facilidade em qualquer lugar abaixo da linha do Equador, hidrata o corpo e refresca o paladar nas horas mais quentes. Foi assim que o abacaxi se transformou em símbolo dos trópicos. E desde os tempos de Carmem Miranda, o abacaxi nunca mais foi visto apenas como uma fruta. Apesar de possuir um tamanho difícil de equilibrar na cabeça, ele virou um enfeite pitoresco e até engraçado.

Agora, graças ao trabalho de cientistas brasileiros, a fruta vem ganhando versões menores, mais leves e elegantes, que cabem até na palma da mão. Elas não servem para comer, só para ver. E não possuem folhas cortantes ou espinhosas que machucam as mãos. É assim que o abacaxi está se transformando, definitivamente, em um objeto de decoração e contemplação.

No Brasil, os abacaxis ornamentais vêm sendo desenvolvidos por pesquisadoras da Embrapa, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, em Cruz das Almas, no Recôncavo Baiano, onde funciona a unidade da empresa especializada em mandioca e fruticultura.

Nos últimos treze anos as pesquisadoras do projeto desenvolveram dois frutos inovadores. Eles são híbridos, surgiram a partir de cruzamentos genéticos com outras espécies de bromélias já cultivadas no Brasil.

“Dentre as variedades silvestres, que não são comestíveis, muitas possuem frutos pequenos, hastes retorcidas e cores intensas e variadas, características interessantes para a exploração como variedades ornamentais. Foi possível identificar e melhorar materiais com potencial para usos diversos no segmento de flores”, explica a pesquisadora Fernanda Vidigal, coordenadora do núcleo de pesquisa em abacaxi da Embrapa.

As frutas ornamentais são bem menores do que os abacaxis comuns, cabem na palma da mão, e chegam a pesar até 10 vezes menos. As duas novas variedades ornamentais já lançadas no mercado ganharam nomes indígenas: Anauê e Boyrá. A palavra Boyrá significa preciosa em tupi-guarani. Já Anauê é uma saudação de boas-vindas. Os nomes são uma homenagem aos povos indígenas, os primeiros a domesticar o cultivo do abacaxi.

No centro de pesquisa da Embrapa, os abacaxis ornamentais ocupam uma área exclusiva. Os estudos estão sendo realizados por uma parceria entre várias instituições, entre elas a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (Fapesb), o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e o Banco do Nordeste (BNB).

Depois de propagadas em laboratório, as plantinhas foram multiplicadas em campo, e nos últimos cinco anos passaram a ser cultivadas em vários lugares. Agora a Embrapa está buscando parceiros para implantar lavouras com novas plantas ornamentais que ainda serão lançadas.

“Pretendemos ajustar um modelo de negócios para poder validar e finalizar a tecnologia com um parceiro”, diz Fernanda Vidigal. Ano passado, numa rodada de negócios em Fortaleza, no Ceará, três empresas demonstraram interesse em concretizar uma parceria. Abacaxis Ornamentais desenvolvidos pela Embrapa Mandioca e Fruticultura, em Cruz das Almas. (Foto: Georgina Maynart) Made for export

Os abacaxis ornamentais da Embrapa já ganharam espaço nas fazendas da empresa potiguar ABX Tropical Flowers, exportadora de flores tropicais. Especializada no segmento há 16 anos, a empresa já cultivava outras seis variedades de abacaxis ornamentais em larga escala, nos estados do Rio Grande do Norte e Ceará. Mais de 90% da produção vão para outros países.

De lá, todos os meses, saem várias cargas embarcadas em aviões para lugares como Amsterdam, na Holanda, e Los Angeles e Miami, nos Estados Unidos.

“É um mercado muito exigente. Atende um consumidor que gosta de variedades com cores e formas diferentes. Os outros países consomem muito, principalmente em datas específicas, como no Natal, até por que lá esfria e eles ficam sem produção local”, diz Antônio Carlos Prado, diretor da ABX.

No Ceará, estado onde a produção de flores tropicais é tradição, o abacaxi ornamental já representa o segundo produto mais exportado da floricultura. O abacaxi Ananas corresponde a 75% do total exportado.“O mercado externo é grande consumidor de flores de corte, e o abacaxi ornamental tem uma posição já consolidada. Mesmo com as crises, a quantidade consumida não sofreu grandes alterações. Novas espécies são muito bem aceitas pelos europeus, e o mercado de flores é movimentado exatamente pelo lançamento frequente de novidades”, completa Prado.  Folhas também são usadas para compor os buquês. (Foto: Georgina Maynart) Padrões Internacionais

As variedades desenvolvidas dão vida a plantas de vários tamanhos, estilos e cores. Tem desde flores para paisagismo, ideais para jardins e parques, até plantas para corte, adequadas para vasos de mesa, com hastes maiores.

“Para o mercado externo, o ideal é que essas hastes tenham, no mínimo, 40 centímetros e não apresentem ondulações. No entanto, em testes realizados com consumidores e floristas brasileiros, observou-se que nossos floristas apreciam hastes sinuosas, que conferem movimentos aos arranjos florais”, relata Fernanda Vidigal.

As folhas também estão sendo utilizadas na decoração. De grande porte, elas são excelentes para compor arranjos e podem durar até 30 dias.

Abacaxi Anauê segue padrões internacioanais e cabe na palma da mão. (Foto: Georgina Maynart) Educação

No pátio da Escola Rural Tina Carvalho, ligada à Fundação José Carvalho, no município de Entre Rios, a 170 quilômetros de Salvador, a lavoura de abacaxis ornamentais faz gosto de ver. A escola cedeu o espaço para os frutos e as primeiras mudas foram plantadas há 8 anos, através de uma parceria com a Embrapa.“É um cultivo de cunho pedagógico. Nós temos 571 alunos, todos são do campo e filhos de agricultores. A parceria com a Embrapa fortalece o conhecimento e a possibilidade de inovação”, declara Cristiane Almeida da Costa, diretora da escola.A plantação é usada nas aulas de campo dos alunos. Com os abacaxis ornamentais os estudantes recebem lições sobre cultivo, manejo e sistema orgânico sem uso de produtos químicos.

“O propósito é que os alunos transfiram a tecnologia para as comunidades onde estão inseridos, e aprendam também a baixar os custos de produção. Há inclusive a possibilidade de utilização integral da planta, não apenas dos frutos, mas também das folhas”, afirma Adenildo Bernardo dos Santos, técnico agrícola e coordenador do projeto educacional.

As plantações de abacaxi ornamental servem de campo de estudos na Escola Rural Tina Carvalho, em Entre Rios. (Foto: divulgação) Renda

A tecnologia permite o cultivo de até 83 mil abacaxis ornamentais em um hectare, uma área correspondente a um campo de futebol. Cada haste é comercializada por preços que variam de R$ 2 a R$ 6, um negócio recomendado para agricultores de pequeno ou grande porte.

Os coordenadores do projeto querem espalhar o cultivo do abacaxi ornamental entre os pequenos produtores rurais. Com a colheita exclusivamente manual, estudos apontam que cada lavoura, de um hectare, pode gerar 20 postos de trabalho. “Trata-se de uma atividade que permite a utilização de mão-de-obra familiar. Além disso, proporciona um aumento da renda da família com a diversificação de produtos”, destaca Janay dos Santos-Serejo, pesquisadora da Embrapa.

Um primeiro experimento foi implantado na comunidade rural de Rio Preto, no Assentamento Renascer, também no município de Entre Rios. Mas até agora nenhuma safra chegou a ser comercializada.

Bananas ornamentais

A banana é outra fruta bem popular que está ganhando versão ornamental. Cinco variedades estão sendo desenvolvidas pela Embrapa para ocupar canteiros e vasos. São bananeiras de porte baixo que atingem no máximo um metro. As pesquisas envolvem plantas resistentes a doenças e estão em fase de registro. Duas delas devem ser lançadas este ano.

“Os minifrutos de banana para arranjos florais são novidade que encanta os consumidores e podem representar uma inovação para o mercado de ornamentais. Na verdade, até os engaços e os corações dos frutos podem ser utilizados com criatividade nos arranjos”, diz pesquisadora Janay dos Santos-Serejo, que coordena os trabalhos na Embrapa.

O avanço dos enfeites tropicais não para por aí. Já existem outros dois experimentos em andamento, um deles chegará ao mercado com uma coloração inédita, totalmente branco.

Banana "Musa paradisíaca" já é usada para decoração em muitas partes do mundo. (Foto: divulgação)  Decoração

As frutas não comestíveis vêm sendo usadas para decorar festas, formaturas e outros eventos. Em casamentos já foram usadas até como buquês. Em Salvador, as variedades mais procuradas são a Musa Banana e o Mini Abacaxi. As duas são cultivadas na Fazenda Tropyflora, na Região Metropolitana de Salvador, em Simões Filho.

Com cachinhos e pendões que variam da cor pink, laranja e rosa, as musas bananinhas servem para ornamentação, inseridas em arranjos. Os maiores consumidores fazem parte de um nicho bem específico de mercado. São decoradores e paisagistas que descobriram um grande potencial de ornamentação com os frutos exóticos.

“Tem muitos restaurantes e pousadas que utilizam com frequência por causa da durabilidade, já que elas duram até três semanas”, diz a empresária e produtora rural Tânia Oliveira.

As frutas ornamentais já podem ser encontradas também em floriculturas do Sul da Bahia e da região de Feira de Santana. O pacote com 4 unidades de mini abacaxis sai por R$ 9, em média. Já a haste da musa banana custa cerca de R$ 5.

Outro tipo de abacaxi ornamental. Acervo da Embrapa em Cruz das Almas preserva centenas de variedades. (Foto: Georgina Maynart) Tendência

Os abacaxis ornamentais já são comercializados na Europa há mais de 20 anos. Eles ocupam um nicho de mercado dinâmico, com amplo potencial de crescimento. No Brasil, o mercado geral de decoração cresce cerca de 8% ao ano, segundo dados do Instituto Brasileiro de Floricultura (Ibraflor). O segmento de flores para decoração fatura mais de R$ 7,5 bilhões por ano no Brasil.

De acordo com o Ibraflor, a Bahia representa 4% do faturamento geral do mercado de flores do país. O segmento movimenta no estado mais de R$ 290 milhões anualmente.

Em tupi guarani, “abacaxi” significa “fruta que cheira”. Ele ainda não domina o mercado brasileiro de flores, mas tem potencial para exalar bons negócios. Usá-lo como artigo decorativo, certamente, pode ser mais prazeroso que descascar a fruta.