Abaixa que é a ponte

Waldeck Ornelas é especialista em planejamento urbano-regional

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Publicado em 2 de abril de 2019 às 05:00

- Atualizado há um ano

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A mágica equação financeira para a eventual construção da famigerada ponte Salvador-Itaparica parece ter sido finalmente desvendada. Em matéria recente (18/2/2019), o jornal Valor informou que o governo da Bahia decidiu participar financeiramente do empreendimento com importância correspondente a 25% do total, no montante de R$ 1,2 bilhão, dividido em duas parcelas, a serem aportadas... no quarto e quinto anos do início da obra.

Isto é pura maldade com o próximo governador, seja ele quem for, que encontrará seu orçamento de investimentos comprometido com uma única obra, nos dois primeiros anos de governo... e com os seus sucessores também, porque a contraprestação, cujo valor ainda será definido em leilão, se estenderá por longos 35 anos.

Mais: em artigo recente (Correio, 27/3/2019) Marcus Alban fez uma denúncia da maior gravidade e que precisa ser explicada por quem de direito, até para que alguém assuma a responsabilidade perante a história e as novas gerações. Fazendo ginástica para tentar construir a malfadada ponte, tornou-se imperativo reduzir o custo do empreendimento. Para tanto, o vão central teria sido duplamente diminuído: de 125 para 85 metros na altura (redução de 1/3!) e de 550 para 450 metros na largura. Com isso, bloqueia-se definitivamente o acesso de navios e plataformas de grande porte, e cada vez maiores, ao interior da Baía de Todos-os- Santos. Enquanto o Canal do Panamá, a um custo de bilhões de dólares, foi alargado para recebê-los, aqui se descarta essa possibilidade que a natureza graciosamente nos ofereceu.

Como se não bastasse, Wang Kum, vice-presidente de uma das possíveis concorrentes ao leilão, a China Raylway Engineering Corporation (Crec), que trouxe da China nada menos que 30 engenheiros para estudar o projeto (Valor, 20/3/2019), referindo-se à falta de informações geológicas suficientes afirma que, “considerando a profundidade do local, ainda há muitas incertezas”.

Imagine-se, por outro lado, o impacto urbano do engate da ponte em Salvador, em pleno Centro Histórico, a exigir nada menos que 4,6km de vias expressas, incluindo quatro novos viadutos e dois túneis, numa área extremamente sensível, cultural e paisagisticamente valiosa; assim como em relação à superfície ambientalmente vulnerável da Ilha de Itaparica. Não foi lá que recentemente surgiu um monumental buraco ainda não devidamente explicado?

Assim, além de comprometer, do ponto de vista fiscal, as frágeis finanças do Estado, hipotecando o futuro sem se compadecer da penúria em que já vive, literalmente se elimina qualquer possibilidade de que a Bahia possa vir a contar com um porto de águas profundas abrigado na Baía de Todos-os-Santos. Estaremos condenados a continuar limitados aos pequenos Panamax. E o Estaleiro Paraguaçu não terá futuro, a não ser que se dedique apenas a construir submarinos...

Claramente está sendo feita uma escolha equivocada. Basta comparar com o próprio Nordeste, onde Pernambuco e Ceará, pensando no futuro que já chegou, construíram portos off-shore, Suape e Pecém respectivamente, para receber esses grandes navios. Enquanto isto, aqui na Bahia, voluntariamente, e a um custo altíssimo, estaríamos abrindo mão disso. Pagaremos para comprometer o futuro. Não seria preferível dar por perdidos os R$ 87 milhões gastos nos estudos realizados?

Estão tirando coelho da cartola para fazer mágica ao contrário: além do dano fiscal, compromete-se o desenvolvimento do Estado. Como diz a música carnavalesca, ninguém segura!

Waldeck Ornelas é especialista em planejamento urbano-regional e ex-secretário do Planejamento, Ciência e Tecnologia da Bahia.