Aberta a temporada de ostras

Chegada de primavera marca aumento na procura e na produção do marisco, comunidade do Recôncavo comemora com festa

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  • Georgina Maynart

Publicado em 15 de outubro de 2018 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: (Foto: Arquivo CORREIO)

No cenário preservado da Baía do Iguape, no Recôncavo baiano, a ostra fresquinha e saborosa é retirada do tanque. Basta abrir a concha, regar o marisco com limão e experimentar, ali mesmo, a ostra que cresce submersa nas águas do manguezal.

A cena é comum no estuário às margens da comunidade do Kaonge, zona rural de Cachoeira. Na pequena vila, 13 famílias mantem a produção do molusco como fonte de renda. E a partir deste mês a coleta de ostras nativas vai se repetir com frequência.

“Aumenta muito. A procura chega a dobrar. Quando o tempo esquenta as pessoas consomem mais. A partir de agora devem sair mais de duzentas dúzias de ostras por semana. Nós temos até que controlar a venda, para não faltar produto para os outros clientes”, explica Nico Nogueira, um dos ostreicultores pioneiros na região.

A Reserva Marinha da Baía do Iguape é uma área de conservação ambiental onde é permitida apenas a atividade extrativista. Antes artesanal, a criação de ostras começou a se tornar profissional há 19 anos. De lá para cá, os produtores rurais criaram um Núcleo de Ostras e conseguiram triplicar o volume de produção. “Em 1999 quando começamos erámos nove pessoas criando ostras. Hoje tem mais de trinta famílias agregadas e setenta aguardando para começar a cultivar”, acrescenta Nogueira.

Renda

O último censo agrícola do IBGE revelou que a Bahia tem 26 unidades de criação de ostras em diversas regiões do estado. Ano passado, os 42 mil quilos de mariscos produzidos no estado geraram cerca de R$ 470 mil. No Baixo Sul tem criação de ostras nos municípios de Valença, Cairu e Taperoá. Já no Recôncavo, os produtores se instalaram na Ilha de Vera Cruz e em Cachoeira, onde se concentram mais de 21 unidades de reprodução.

De acordo com pesquisas da Universidade Federal do Recôncavo (UFRB), as ostras servem de renda para mais de 91 produtores de comunidades tradicionais da Bahia. A atividade econômica tem tudo para se desenvolver, segundo estimativas da FAO - Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação. O último relatório da organização apontou um crescimento estimado de 5% ao ano na aquicultura mundial. No Brasil, a projeção é de que as atividades ligadas à pesca e aquicultura cresçam 104% até 2025.

Sustentabilidade

A ostra é uma espécie de molusco que se desenvolve em contato com a água salobra. No recôncavo, a técnica usada é a chamada “camboa de pau”, um cercado erguido com pedaços de madeira fixados no mangue.  Dentro deles são instalados “travesseiros” deitados, uma espécie de sacola em formato retangular. O cultivo aproveita o regime das marés. Na maré baixa, os travesseiros ficam descobertos e expostos ao sol. Na maré cheia, são totalmente cobertos pela água. É neste vai e vem de umidade, temperatura e luminosidade que as ostras se desenvolvem. Produção do marisco gera cerca de R$ 470 mil em toda a Bahia (Foto: Arquivo CORREIO)

“Este sistema preserva o manguezal. Isso é essencial. Se não for assim, a produção não se prolonga. Sem preservação do meio ambiente acaba tudo. É uma questão de sustentabilidade”, afirma Ananias Viana, representante das comunidades quilombolas do Território do Recôncavo. Toda a estrutura de criação é feita de material renovável. Os coletores, onde as ostras crescem, são feitos com pedaços de garrafa PET. É assim desde que os criadores descobriram que o formato liso do plástico ajuda a produzir mariscos mais valorizados no mercado. O contato com o plástico rígido faz as ostras crescerem com um formato uniforme e de fácil manejo. Já as estacas, que sustentam os cercados, são de bambu, um material facilmente encontrado na região.

“Nós estamos compartilhando esta técnica com outras comunidades de Maragogipe e Salinas. E vamos ampliar até Corumbau, Canavieiras e Cassurubá, outras três reservas extrativistas marinhas”, acrescenta Ananias.

Este ano, as ostras do Kaonge conquistaram um lugar na seleta Arca do Gosto do movimento Slow Food. Entraram para a lista de alimentos artesanais que respeitam o meio ambiente, são produzidos de forma limpa, e geram um retorno justo para os produtores. O azeite de dendê de pilão, feito de forma artesanal pela comunidade já estava no catálogo. No local, uma dúzia de ostras é vendida por R$ 13 em média. Já o quilo sai por R$ 40. Atualmente as ostras são comercializadas diretamente nas comunidades, ou enviadas para revendedores de Salvador. Na capital baiana, uma unidade chega a ser vendida até por R$ 10.

Festa

No próximo fim de semana, todos os caminhos do recôncavo levam à Festa da Ostra, na zona rural de Cachoeira. O evento é realizado dentro do circuito cultural conhecido como Rota da Liberdade. O roteiro de turismo étnico inclui seis comunidades remanescentes de quilombos. São os povoados de Kalembá, Kaonge, Dendê, Engenho da Ponte, Engenho da Praia e Tombo Palmeira, onde mais de cento e vinte famílias vivem da criação de ostras. Os moradores celebram a produção assim que chega a primavera, quando as temperaturas sobem e o consumo aumenta.

“A gente tem o maior potencial de ostras nativas da Bahia. Esta foi uma herança dos nossos ancestrais. A festa fortalece o cultivo, o trabalho comunitário e incentiva a produção. Já estamos na décima edição”, diz Andreza Viana, organizadora do evento.

É assim que todos os anos, durante um fim de semana, a ostra se transforma na estrela da mesa. O marisco é usado como ingrediente principal em mais de vinte receitas diferentes. Tem ostra assada, frita, em moquecas de temperos variados, ou como ingrediente principal de tortas, empadas e pastéis. As mulheres preparam os pratos, unindo sabor e história. “Antigamente as pessoas daqui não tinham condições de comprar galinha e carne. Então os pratos eram todos com ostras, que já eram criadas no mangue”, conta Mãe Juvani Viana, de 67 anos, líder da comunidade.

Os condimentos mudaram com o tempo. “Meus avôs faziam com os temperos que tinham na roça, como alfavaca, chuchu, mamão e quiabo. Ainda hoje usamos, mas acrescentamos outros. Entre eles cenoura, repolho, e tem até moqueca de ostra com ervilha”, acrescenta a matriarca.

E para quem tem receio de experimentar ostras, ela explica a forma correta de preparo para evitar indigestão. “Primeiro a ostra precisa estar fresca. Antes de tirar a casca, bote para aferventar na água. Depois retire da casca e coloque para ferver novamente. Em seguida escorra a água quente e lave com água fria. Quando ela estiver seca, basta temperar”, finaliza a experiente cozinheira, que mantem um dos mais famosos restaurantes da região.

Além de poder experimentar as delícias preparadas com o marisco, os visitantes podem conhecer de perto os locais de reprodução e experimentar a ostra in natura regada com molhos especiais. Para quem quer aprender um pouco mais sobre a atividade, vale se inscrever nas oficinas produtivas que mostram detalhes do cultivo. No ano passado, a Festa atraiu mais de 3 mil pessoas até a região. Uma das iguarias de maior sucesso é a Ostra Frita. Durante o evento, o prato com uma dúzia do petisco sai por R$ 15. O almoço ajeum, coletivo, servido durante a festa ao ar livre, custa R$ 15 por pessoa. Já os pratos avulsos, servidos dentro do restaurante da comunidade, variam de R$ 20 a R$ 70.

A festa também conta com apresentações culturais do Recôncavo, como samba de roda e shows. Completam a programação as exposições de produtos fabricados pelos moradores das comunidades, entre eles xaropes naturais, adereços com design africano e artesanato em palha, madeira e barro. Apreciar a paisagem também é inevitável. Do alto, a comunidade oferece uma vista privilegiada para a reserva extrativista do Iguape.  Ostra frita é um dos petisco mais populares da Festa da Ostra (Foto: Divulgação)

Laboratório

As ostras da Bahia despertam a atenção de dezenas de pesquisadores e estudantes do Curso de Engenharia de Pesca, ligados ao Centro de Ciências Agrárias, Ambientais e Biológicas da UFRB, em Cruz das Almas.

Por meio de uma parceria com as comunidades tradicionais, atualmente, três unidades de produção vêm sendo monitoradas. Os projetos abrangem estudos sobre manejo, reprodução, sanidade aquícola, comercialização e questões de preservação ambiental. Uma das maiores preocupações é com o monitoramento da qualidade ambiental das áreas de cultivo.

Os resultados das pesquisas ainda não são conclusivos, mas apontam para a necessidade de um monitoramento mais intensivo de micro-organismos e biotoxinas nas áreas de cultivo. Já se constatou que algumas áreas da reserva se encontram poluídas por dejetos decorrentes da falta de saneamento básico em algumas comunidades.

Alguns pesquisadores dizem que é preciso criar um sistema de escoamento eficiente para que as ostras cheguem ao consumidor final livre de enfermidades. Se a ostra não for acondicionada da forma correta, a proliferação de bactérias pode provocar problemas gastrointestinais. "Às vezes as pessoas pegam a ostra e não acondicionam ou embalam da forma correta. É aí que está um dos perigos. Por isso é necessário que todas as etapas de produção sigam as boas práticas de manejo. Fazer a depuração, o beneficiamento e a distribuição garante o consumo do alimento seguro”, diz Moacyr Serafim Junior, professor do curso de Engenharia de Pesca da UFRB.

Os estudiosos defendem também mais apoio para a maricultura familiar. “São detalhes como estes que colocam os produtores de ostras da Bahia em desvantagem frente ao de outros estados. Mas o potencial é muito grande. São necessários mais investimentos para fomentar a atividade”, completa Moacyr Serafim.

Valor nutricional

O valor nutricional também desperta a curiosidade dos cientistas. Pesquisas mundiais indicam que as ostras são ricas em vitamina B12, C, A, além de magnésio, fósforo, potássio, zinco e sódio. Formadas por até 90% de água, elas são indicadas para hidratação, também como antioxidantes e estimulantes das funções cerebrais. O molusco vem sendo estudado por cientistas de vários países. Em setembro deste ano, pesquisadores franceses anunciaram que estão desenvolvendo técnicas para usar as ostras como aliadas no rastreamento da poluição dos oceanos. Uma empresa investiu mais de 2 milhões de dólares na pesquisa, que está sendo coordenada pela Universidade de Bordeaux e pelo Instituto CNRS. 

SERVIÇO: O QUE: 10ª Festa da Ostra QUANDO: 20 e 21 de outubro (sábado e domingo). A partir das 9 horas. ONDE: Comunidade Kaonge, Cachoeira. COMO CHEGAR: Saíndo de Cachoeira, pegue a BR no sentido Santo Amaro. Siga por uns 35 quilômetros. Um km antes do posto da polícia rodoviária, entre à direita na placa “Rota da Liberdade”. O Kaonge fica doze quilômetros à frente. É o segundo portão. ACESSO: O acesso ao evento é de graça, e não tem cobrança de ingresso para a maioria das atividades. Já para participar de algumas oficinas de artesanato são cobrados entre R$ 10 e R$ 20. CONSUMO: Almoço Ajeum (coletivo), R$ 15 por pessoa. Pratos avulsos servidos no restaurante custam entre R$ 20 e R$ 70. INFORMAÇÕES: [email protected]

RECEITA

Moqueca de ostra com mamão verde  Prato é servido na comunidade do Kaonge (foto: Divulgação) Ingredientes:

1 mamão verde cortado em cubos 3 dentes de alho amassados 2 cebolas cortadas em pedaços 2 pés de centro cortados em pedacinhos 2 tomates cortados em pedaços Folhas de alfavaca picada ½ xícara de leite de coco 1 caldo de dois limões 1 porção de ostras, cerca de 300 gramas, aferventadas e temperadas com alho e cominho Coentro e Azeite de dendê à gosto Não precisa de sal

Preparo Coloque os temperos na panela (tomate, cebola, folhas verdes). Misture tudo. Acrescente o mamão verde. Depois adicione o limão, em seguida o leite de coco. Deixe no fogo por uns 20 minutos. Quando começar a levantar fervura, acrescente o azeite e desligue. Para acompanhar, sirva com arroz, caruru e vatapá. Pimenta a gosto.