ACM, o descobridor de talentos

Líder político baiano inovou ao levar para a administração pública jovens talentos sem indicações políticas

  • Foto do(a) author(a) Donaldson Gomes
  • Donaldson Gomes

Publicado em 4 de setembro de 2021 às 07:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Arquivo CORREIO*

Não foram poucas as vezes em que ACM confidenciou, aos mais próximos, uma preocupação na hora de formar as suas equipes de trabalho. “São sempre os mesmos sobrenomes”, dizia a respeito das listas de sugestões que recebia para a ocupação de cargos. Em março de 1971, quando assumiu, pela primeira vez, o Governo da Bahia, fazia pouco menos de um ano que havia deixado a Prefeitura de Salvador, de onde saiu com o título de Prefeito do Século, entregue pela Câmara de Vereadores. Tinha 43 anos, o sonho de se tornar um líder político de projeção nacional e a certeza de que, para alcançar esse objetivo, precisaria ser capaz de formar novos quadros. 

“Quando ACM me nomeou como secretário do Planejamento, Ciências e Tecnologia, eu tinha 26 anos. Achei aquilo de uma coragem impressionante”, conta Mário Kertész, aos risos. Antes da indicação para o cargo estadual, já tinha sido o subsecretário  de finanças de Salvador, quando estava recém saído da Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Mas Mário, que depois se tornou prefeito de Salvador, não foi o único para quem ACM abriu as portas da administração pública. O desejo de diversificar os sobrenomes no secretariado acabou se tornando uma marca do homem público, que completaria 94 anos neste sábado, 04 de setembro.

[[galeria]]

Além de Kertész, passaram pela “Escola ACM” nomes como Paulo Souto, Waldeck Ornelas, Rodolpho Tourinho, César Borges, Antonio Imbassahy, Otto Alencar, Luiz Carrera, Paulo Gaudenzi, José de Freitas Mascarenhas, Manoel Castro, Fernando Talma Sampaio, Clériston Andrade, Heraldo Tinoco, Romulo Galvão, Luiz Fernando Queiroz e Raimundo Brito, entre outros. 

Ex-governador da Bahia, Paulo Souto teve sua primeira oportunidade, em um cargo de primeiro escalão, aos 27 anos. O jovem geólogo tinha trabalhado na Secretaria de Minas e Energia e, por indicação do então secretário José de Freitas Mascarenhas, foi convidado a assumir a titularidade da pasta. Foram duas reuniões, Souto ainda argumentou que gostaria de permanecer a antiga função - ligado à mineração apenas - e disse que não entendia muito de energia. “Não se preocupe não, que de energia eu entendo”, ouviu como resposta de ACM, que tinha sido presidente da Eletrobras. Martelo batido.

“Este foi o início da minha vida pública. Secretário de Minas e Energia tinha muitos contatos com prefeitos, com políticos de maneira geral. Meu aprendizado começou aí e convivendo com ele”, ressalta o ex-governador. Ele permaneceu no cargo durante o governo seguinte, de João Durval Carneiro e, em 1990, foi eleito vice-governador na chapa de ACM. 

Paulo Souto acredita que a estratégia era importante tanto sob o ponto de vista da política, quando da administração pública. “Ele dizia sempre que gostava de fugir de alguns sobrenomes, que eram muito comuns na Bahia. Isso, obviamente, ajudou a reafirmar a liderança dele, mas o efeito disso nas administrações que ele liderou foi muito positivo”, acredita. O perfil dos gestores jovens, que ingressavam na carreira pública sem uma ambição política – “pelo menos inicialmente”, pondera Souto – “oxigenava” as administrações carlistas. “E os que posteriormente decidiram ingressar na política, tiveram a benção dele”. 

O ex-governador destaca o cuidado que ACM tinha com a gestão como um dos grandes aprendizados deixados pelo líder político. “Ele já era um político consagrado, um gestor público reconhecido em seu terceiro mandato, mas tinha uma disciplina impressionante. Todos os dias, de segunda a sexta-feira, despachava com seu secretariado, acompanhando muitas vezes questões mínimas relacionadas à gestão. Foi algo que busquei fazer também”, diz. 

Responsável por sugerir Paulo Souto para sucedê-lo na Secretaria de Minas e Energia, no segundo mandato de ACM, José de Freitas Mascarenhas também entrou cedo na vida pública. “Foi ACM quem me convidou para entrar na administração pública. O mais interessante é que ele nem me conhecia, até então”, conta. Mascarenhas, jovem na faixa dos 27 anos, tinha no currículo a experiência de ter trabalhado com Rômulo Almeida. “Antônio Carlos me chamou, a princípio eu não pensava em participar de governo, mas acabei convencido pela insistência dele e diante da relevância da matéria”, conta. 

A “matéria” era a instalação do Polo Petroquímico aqui na Bahia, no cargo de secretário de Minas e Energia. “Havia muitas dificuldades para a instalação do Polo, naquele momento, com bastante contenda principalmente com o povo de São Paulo, que não queria a instalação aqui na Bahia”, lembra. 

“Ele (ACM) me tratou sempre com muita distinção e me deu bastante liberdade, o que facilitou bastante meu trabalho”, lembra. No cargo, ele teve liberdade para se cercar de muita gente nova. “Essa passagem pelo governo me abriu uma série de caminhos. Me ajudou a formar uma visão de mundo, de país e trouxe bastante acervo para mim” destaca Mascarenhas que chegou a ser indicado, por ACM, para a disputa do governo estadual e tem, no currículo, passagens bem-sucedidas pela presidência da Federação das Indústrias do Estado da Bahia (Fieb). 

Revelação de talentos O presidente do Conselho da Rede Bahia, Antônio Carlos Júnior, conta que o pai tinha a preocupação de fomentar o talento. “Quando ele assumiu o segundo governo, me pediu para ajudar a encontrar um nome bom para a secretaria da Fazenda. Não alguém tarimbado, mas um cara novo, para revelar. Ele tinha a vontade de revelar, era algo de dentro dele”, diz. “Existia uma cultura de nomear como secretários pessoas da alta sociedade e ele queria fazer diferente”. 

A montagem da equipe do primeiro governo de ACM teve um impacto tão grande para Antônio Carlos Júnior que o fez decidir mudar de carreira, lembra. “Meu plano era fazer Direito, mas a montagem do Governo do Estado, com nomes como Luis Sande, Mario Kertesz e Mascarenhas me entusiasmou tanto que decidi fazer Administração”. 

“Não foi uma coisa comum na administração pública. Meu pai pegou pessoas que, quando estudantes, eram de esquerda e em pleno governo militar. Isso criou alguns aborrecimentos, houve tentativas de vetos, mas ele nunca se dobrou”, destaca Júnior. 

Foco na gestão Antônio Carlos Magalhães era político. Vivia isso com intensidade, mas sabia que a capacidade de apresentar resultados em suas gestões era tão importante quanto o seu poder de articulação ou mesmo o seu capital eleitoral. “Eu vi que ele tinha uma noção muito clara de que ele precisava ter uma base administrativa e de projetos sólida”, lembra Mário Kertész. “Ele fazia uma distinção muito grande entre a política - que era exclusividade dele - e a administração, onde ele fugiu do sistema tradicional, que era de trabalhar com pessoas de famílias tradicionais”, lembra. 

O sobrenome Kertész não era conhecido, no meio político, na época. “Eu conheci ele porque fui trabalhar com meu ex-professor da Escola de Administração, Luis Sande, que foi escolhido para ser secretário da Fazenda na Prefeitura”, lembra Mário. Para o ex-prefeito de Salvador, a abertura para indicações técnicas e de nomes pouco conhecidos foi uma das inovações do ex-senador baiano. “Ele sempre foi buscar o que ele achava de melhor e isso foi sem dúvidas uma inovação”, pondera. 

“Ele sabia que não bastava ser um bom político, tinha que ser bom administrador. É algo que puxou de Juscelino Kubistchek, sempre me falava sobre isso”, lembra.  

Mário Kertész afirma, ainda, que ACM não se importava com as inclinações políticas dos seus aliados. “Ele foi me buscar independente, inclusive, da minha inclinação política. Chegou ao governo em plena ditadura militar, mas não tinha essa coisa de direita e esquerda”, conta. “Dizia até que tinha os comunistas dele e que trabalhavam muito bem”. 

 “A busca dele por quadros novos, por pessoas que pudessem assegurar a eficiência e a eficácia de seus governos, fazia parte de uma espécie de fórmula que ele tinha e que fez questão de aplicar por onde passou”, conta Waldeck Ornellas, que tem, no currículo, o cargo de ministro da Previdência, senador da República e deputado constituinte, mas que também ingressou na gestão pública por meio de ACM. 

Os dois se conheceram antes mesmo da passagem do líder político pela Prefeitura de Salvador, em 1967. “Quando ele foi para o estado, eu fui trabalhar na Secretaria do Planejamento com Mário Kertézs, que foi um dos valores descobertos por ele. Terminei sendo secretário em 82 e voltei a ser secretário em seu terceiro governo”, conta. 

A migração para a política aconteceu naturalmente, diz Waldeck. “A Secretaria do Planejamento sempre teve uma presença muito forte na gestão pública estadual, aí essas vocações surgem”. Por outro lado, o senador ACM não demonstrava qualquer preconceito no sentido de nomear bons quadros para a gestão pública em função das pretensões políticas, complementa Waldeck Ornellas. 

‘Pratas da casa’ sempre tiveram liberdade  Se, na administração pública, ACM se notabilizou como um grande descobridor de talentos, em casa deu liberdade aos filhos para escolherem os seus caminhos, lembra o filho Antônio Carlos Júnior, presidente do Conselho da Rede Bahia. “Ele não via, em mim, um interesse maior pela política e nunca foi algo que ele me cobrou. Ele me deu liberdade, eu ia fazer Direito e estava tudo bem. Mudei para Administração e não houve nenhum tipo de chateação ou pressão por parte dele”, conta. “Ele não precisou direcionar ninguém, não interferiu comigo, nem com Luis Eduardo, que tinha vocação para a política”. 

Júnior cita a formação do governo de ACM Neto à frente da prefeitura como um exemplo do legado que o pai deixou. “Neto, quando formou a sua equipe, não foi atrás apenas dos nomes tarimbados. Óbvio que precisava da experiência de alguns. Mas sem revelar novos talentos você fica na mesma”, avalia. 

ACM fez isso quando foi prefeito, destaca Júnior.  “Na prefeitura, tinha um grupo de engenheiros que eram do quadro e que participaram da revolução urbana na década de 70. Ele mesclou esses nomes e fez uma excelente equipe, unindo jovens e outros mais experientes”. 

O presidente Nacional do Democratas e ex-prefeito de Salvador, destaca a influência que recebeu do avô em seu estilo de gestão. 

O presidente Nacional do Democratas e ex-prefeito de Salvador, destaca a influência que recebeu do avô em seu estilo de gestão. “Tê-lo ao meu lado e conviver com ele, mesmo no ambiente familiar, fez com que eu pudesse descobrir essa vocação. Os exemplos dele me estimularam muito a ingressar na vida pública”, destaca. 

“Eu tive a oportunidade durante todo o início da minha carreira de aprender com ele, que foi uma escola fundamental”, diz Neto.