Afinal, todo julgamento é permitido na internet?

As redes sociais ocupam um espaço enorme na nossa vida. Postar, curtir, comentar - e nem sempre com cuidado. Tem gente que se acha no direito de falar qualquer coisa, abrindo espaço para debates intensos

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  • Da Redação

Publicado em 26 de maio de 2019 às 05:00

- Atualizado há um ano

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Quando Pedro me fala de João, sei mais de Pedro do que de João

O texto que se segue poderia descrever alguns de nós quando assumimos o papel de internautas. A frequência e extensão com que se expõe a própria vida nas redes sociais alcançam patamares alarmantes. Não há limites para a exibição pessoal, para a criação de fantasias e ideais de perfeição. Não há limites também para a expressão do ódio e da depreciação gratuita ao semelhante. A internet se transformou em um grande tribunal em que todos tomam para si a capacidade de julgar o outro, sentenciá-lo e puni-lo de acordo com suas próprias concepções de mundo.

No mundo virtual tudo posso! Sou perfeito e os defeitos que conheço estão nos outros. Me sinto seguro, protegido pelas paredes de meu quarto e pelo “anonimato” para dizer abertamente o que penso ou apenas exercer a parcela de sadismo e maldade que me cabe. Na internet, pouco se tem contenção social. Me sinto a vontade para apontar o dedo para os defeitos e erros alheios. Sou rápido no teclado, sou ferrenho em minhas críticas. A janela ou porta, como preferirem, que me dá acesso instantâneo à vida alheia postada diariamente nas vitrines da internet, voluntariamente ou não, me permitem aplaudir comportamentos, como também desqualificar o outro, ainda que eu não conheça sua biografia ou tenha competência para tecer qualquer tipo de comentário, mesmo que pífio.

Esse sou eu: um sujeito arrogante, arbitrário, prepotente que mesmo sem saber o que estou fazendo, me dou o direito de julgar comportamentos, ideologias, crenças religiosos, sexualidade, estética e muitas outras coisas que meu teclado e mouse podem alcançar. A frase atribuída a Freud sintetiza esse paradoxo de homúnculo real e homem virtual: “O homem é escravo do que fala e dono do que cala. Quando Pedro me fala de João, sei mais de Pedro do que de João”.

A ocorrência de agressões e ofensas nas redes sociais, principalmente por meio de comentários em postagens diversas faz parte da cultura digital contemporânea. Até mesmo os presidentes do norte e do sul adotaram as redes sociais para destilarem seus venenos, exercer suas funções executivas e expor seus egos distorcidos. Alguns internautas abrem mão da argumentação (ou não têm capacidade para elaborá-la) e utilizam a ofensa para criticar o outro. Há também quem até argumente, mas, no meio da escrita, insira ofensas que em nada são úteis para sustentar seu ponto de vista.

Nos últimos anos, muitos pais, defensores e formuladores de políticas públicas expressaram preocupação com relação ao potencial impacto negativo do uso de mídias sociais. Alguns estudos indicaram que o uso de mídias sociais pode estar ligado a resultados negativos de saúde mental, incluindo tendências suicidas, solidão e empatia diminuída.

As crianças e adolescentes atuais levam suas vidas sociais no mundo virtual, não menos do que no mundo real. Ferramentas como o WhatsApp desempenham um papel importante como plataformas populares de comunicação social. O uso crescente do WhatsApp é acompanhado pelo aumento da frequência do cyberbullying, ou seja, comportamento online agressivo intencional e repetido, com o objetivo de causar danos. A vitimização por cyberbullying tem recebido muita atenção devido a sua associação com sérios problemas psicossociais, afetivos, comportamentais e acadêmicos.

Lúcio Botelho é psiquiatra, diretor médico do Espaço Nelson Pires

A internet virou um tribunal

Os impactos provocados pela internet transformam o modo de pensar e de se relacionar com o mundo do ser humano. As redes sociais, por sua vez, ultrapassaram o objetivo de relacionamento e passaram a ser fonte de pesquisa, de notícias, tendo como atributos a interatividade e participação, possibilitando ao leitor não apenas o acesso à informação, mas a capacidade de produzi-la. Até aí tudo bem, entretanto a internet virou um tribunal, porém acredito que nem todo julgamento é permitido.

Creio que a impessoalidade de estar atrás de uma tela faz as pessoas se sentirem mais seguras de lutarem por suas verdades e exporem elas para todos, porém nem sempre aquilo que é a verdade para um é para todos.

A internet que poderia ser um lugar somente de troca de ideias e de discussões construtivas tem se tornado também um local de preconceito onde as pessoas querem impor a sua verdade a todo custo sem pensar nas consequências daquilo que é exposto para as outras pessoas. As redes sociais têm contribuindo negativamente na saúde mental das pessoas. Há inúmeros casos de depressão e fobia social em função dessa sensação de fracasso; julgamentos desnecessários e destrutivos; comparação excessiva e equivocada e há casos mais sérios que terminam em suicídio.

Ninguém estava preparado para o advento das redes sociais e nem com esse poder de atingir várias pessoas ao mesmo tempo apenas com o clique. O maior problema é que as pessoas estão perdendo o respeito pela expressão dos outros e suas opiniões chegam a agredir e desrespeitar, como é o caso dos chamados “haters” que criticam tudo e a todos.

Filósofos como Nietszche apontam que o conceito de bem e mal são criados pelos seres humanos e que isso pode ser modificado de acordo com o tempo e a cultura. Para ser um ambiente de saúde e aprendizado as redes sociais ainda têm um caminho longo pela frente e isso só vai acontecer se o ser humano usar o respeito como ferramenta principal.

Joaquim Pereira de Moura Neto é graduado em psicologia pela Unifacs e especialista em Saúde Mental pela Ruy Barbosa. Diretor da Clínica Fênix Bahia: Saúde Mental e Tratamento de Dependência Química

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