Alvo de disputa, área entre Salvador e Lauro tem 20 mil moradores

População reclama de impasse; audiência pública na AL-BA discutiu limites territoriais nesta quarta (4)

  • Foto do(a) author(a) Tailane Muniz
  • Tailane Muniz

Publicado em 4 de outubro de 2017 às 16:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Tailane Muniz/CORREIO

A empresária Marília Monteiro, 45 anos, é dona de um salão de beleza no bairro de Itinga, em Lauro de Freitas, na Região Metropolitana de Salvador (RMS). Antes de abrir o negócio, porém, foi em Salvador que ela precisou resolver a parte burocrática de reconhecimento do empreendimento.

Isto porque embora pertençam - do ponto de vista territorial - a Lauro de Freitas, Itinga (maior bairro do município), Areia Branca, Capelão, Barro Duro, Ipitanga e Cassange são, legalmente, de propriedade de Salvador. A situação de imprecisão nos limites entre os territórios é um problema vivenciado por cerca de 20 mil pessoas que moram na área da divisa, que, segundo a Superintendência de Estudos Econômicos (SEI), teria como ponto de referência principal o Rio Ipitanga. 

Uma audiência pública discutiu, na manhã desta quarta-feira (4), na Assembleia Legislativa da Bahia (Alba), a revisão dos limites territoriais entre a capital e Lauro de Freitas. Centenas de pessoas, entre moradores, líderes políticos e estudiosos, lotaram o plenário da Casa.

"Moro em Itinga há 20 anos e posso dizer que é muito difícil, do ponto de vista jurídico. Para registrar um terreno temos que vir a Salvador. Não faz o menor sentido para qualquer morador de lá. Nós imploramos que isso seja resolvido o quanto antes", afirmou Marília, durante a audiência pública. "Eu levei quase dois anos para abrir o meu negócio e, caso eu vá fechar, é capaz de demorar o mesmo tempo", comenta a empresária. 

A mesma dificuldade é relatada pela funcionária pública Darla Ribeiro Alves, 50, que tem uma residência em uma das localidades em 'disputa'."Eu sempre morei em Salvador, mas tenho uma casa em Ipitanga. Quando fui vender o imóvel, no ano passado, foi horrível, porque a pessoa que ia comprar precisava se deslocar para Salvador, e isso quase me custou a perda do comprador", relata.Conforme a prefeita de Lauro de Freitas, Moema Gramacho (PT), todas as localidades da divisa, exceto Cassange, são administradas por sua gestão. "É uma redução de 5 a 10% do território. O que vale mais, para mim, é a identidade daquele povo, que tem a sua cultura, a sua história atrelada a Lauro de Freitas", considera.

Ainda segundo Moema, todo serviço necessário àquela população, como educação e saúde, é feito por sua gestão. "Toda administração é oferecida por Lauro. Cassange nós nunca reivindicamos para nós, apenas ajudamos a cuidar. Estamos colocando na lista porque temos escola municipal lá. Se for esse a justificativa de Salvador, já que nossa escola atende à população", pondera a prefeita.

Moradora de Cassange, a secretária Marluci Lima, 32, disse que se sente pertencente à capital baiana. "Sinceramente, nós [Cassange] nem deveríamos entrar nesse bolo. Eu acho que estamos bem como estamos aqui em Salvador", afirma ela, acompanhada de outros moradores que defendem que o bairro deve ser mantido na capital. 

A Lei 12.057 de 2011 ratifica as constituições Federal e Estadual e determina que compete à Assembleia Legislativa, por meio da Comissão de Divisão Territorial, atualizar as divisas intermunicipais dentro do estado.

Casas divididas Técnico de análise da SEI, Walmar D'Alexandria, um dos integrantes da comissão, explicou que, atualmente, existem casas que estão divididas ao meio. "O limite está cortando as casas em parte de Itinga. Do ponto de vista legal, é como se a sala ficasse em Salvador e a cozinha ficasse em Lauro de Freitas", aponta. 

"Na prática, a administração de Salvador só vai até o Rio Ipitanga. Não é uma questão recente, é coisa de 50 anos; não é dessa gestão ou da gestão anterior, é algo histórico. O limite é bem definido pelo Rio Ipitanga. Historicamente, Itinga toda é administrada por Lauro de Freitas", completa o técnico.

Walmar acrescentou, ainda, que o ideal seria fazer uma adequeção levando em consideração a questão do pertencimento do povo."Eu acho que a solução seria o critério do pertencimento. É o mesmo critério usado por limites intermunicipais", acrescenta.O estudo de campo da SEI durou, segundo Walmar, pelo menos 15 dias. "É importante que os gestores tenham uma definição. Porque, imagine, você mora naquela área e aí vem IPTU de Lauro de Freitas, vem IPTU de Salvador, quer dizer, a população fica sem rumo", conclui.   A situação também é vista com preocupação pelo pesquisador do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Manoel Lamartin Monte. "A questão não é terra, não é território. A estimativa que temos é de que 20 mil pessoas estejam nessa faixa. Chamamos esses moradores de população de segunda categoria, pois não conseguem registrar um imóvel, ou uma ocorrência policial", exemplifica.

"Nesta faixa, que compreende a estes bairros, admininstrada por Lauro de Freitas, mas que legalmente pertence a Salvador, quem vai instaurar esse inquérito policial? As pessoas que moram lá não sabem, ficam alheios. Por exemplo, se a Justiça Eleitoral fosse levar a sério, as pessoas lá teriam que votar em Salvador. E aquelas pessoas não têm vinculo nenhum com Salvador. É isso que a gente está tentando resolver", esclarece Lamartin Monte.

Para ele, mesmo que a lei vigente hoje indique que os bairros pertençam a Salvador, o correto seria que fossem legalmente transferidos para Lauro de Freitas, que é quem administa. "Para que uma lei seja realmente eficiente, ela precisa ter eficácia. Por exemplo, Areia Branca, integralmente, é de Lauro de Freitas", cita. 

Para ele, trata-se de um "processo que não se resolve na base da truculência". "O que nós fazemos é bloquear a área levando em conta o critério de administração. Isso é o que foi proposto. Claro que algumas coisas precisam ser ajustadas. É uma questão mesmo de lei. Por exemplo, se a prefeitura de Salvador disser que não se interessa, ainda assim, do ponto de vista jurídico, isso precisa ser resolvido", reforça o pesquisador.

Ele destaca que a quantidade de pessoas na área em discussão daria para criar uma cidade que "equivaleria a um município com população acima de 239 municípios baianos". Ou seja, aquelas que têm população abaixo de 20 mil. Um município, portanto, "com população superior a de 57% dos municípios da Bahia".

Procurada pelo CORREIO, a prefeitura de Salvador informou que não se pronunciaria sobre o assunto.