Angela Davis lota auditório da Ufba para falar sobre feminismo e luta contra o racismo

Ativista americana, de 73 anos, esteve em Salvador nesta terça (25)

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  • Roberto Midlej

Publicado em 26 de julho de 2017 às 07:53

- Atualizado há um ano

Angela Davis veio à Bahia pela quarta vez. Diante de uma Reitoria da Universidade Federal da Bahia lotada, ela disse que aquela deveria ser a cara da universidade brasileira (Foto: Arisson Marinho/ CORREIO)A impressão que se tinha nesta terça (25) à tarde em frente à Reitoria da Ufba, no Canela, era que o público estava esperando o início da apresentação de um astro da música, afinal a fila tinha mais de 250 pessoas, mesmo depois de o auditório já ter seus 400 lugares tomados. Mas quem iria chegar ali às 18h era a ativista americana Angela Davis, 73 anos, conhecida por seu histórico engajamento na luta pelos direitos civis, especialmente de negros e mulheres.Pela sexta vez no Brasil e em sua quarta visita à Bahia, Davis havia estado em Cachoeira na semana passada, onde participou, como palestrante, do curso Decolonial Black Feminism in The Americas, restrito a 50 estudantes.Davis veio a Salvador para proferir, no Dia da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha, a palestra Atravessando o Tempo e Construindo o Futuro da Luta Contra o Racismo, que tinha entrada gratuita. A vinda da ativista  a Salvador aconteceu por iniciativa  do Instituto Odara, do Coletivo Angela Davis, do Núcleo de Estudos Interdisciplinar da Mulher (NEIM), da Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB) e da Universidade Federal da Bahia (Ufba).Em alguns momentos, mais de 300 pessoas estiveram na fila (Foto: Arisson Marinho/ CORREIO)Antes da palestra, Davis, que é também filósofa, professora universitária e tem vários livros publicados, teve um encontro com jornalistas e convidados, em que lembrou de sua história como militante e de sua luta contra o sistema carcerário. Ela defendeu também o que chamou de “feminismo descolonizado” e disse que as brasileiras têm um importante papel neste processo. E citou encontros que teve com importantes lideranças negras brasileiras, como Luiza Bairros (1953- 2016), que foi ministra-chefe da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial de 2011 a 2014, no governo de Dilma Rousseff.Força brasileiraDavis lembrou que, em Cachoeira, esteve com Dona Dalva, que lhe mostrou a importância do samba de roda. “Já tive a honra de ter sido convidada para conhecer Mãe Stella e seu terreiro e ela falou de seus esforços para preservar a tradição. Também conheci a socióloga Vilma Reis, a Ebomi Nice e muitas outras mulheres negras incríveis. As mulheres negras brasileiras representam o futuro do movimento”, elogiou entusiasmada.Outro ponto da fala foi  a política de cotas nas universidades brasileiras, elogiada pela ativista, que disse que os Estados Unidos, embora tentem há décadas implantar algo parecido, jamais conseguiram. “Admito que estou muito mais impactada com o sistema educacional brasileiro que com o norte-americano. Me lembro bem quando no Brasil começaram os debates e na Bahia já vejo ações concretas. Vi isso principalmente em Cachoeira, na Universidade do Recôncavo. Isso nos prova que é mesmo possível garantir acesso à educação formal à população que havia sido excluída historicamente”, defendeu.EncarceramentoDavis, que permaneceu presa por cerca de dois anos na década de 1970, acusada de participar do assassinato de um juiz de direito, fez críticas ao sistema carcerário americano e chegou a compará-lo à escravidão. “Alguns já argumentaram que o sistema de escravidão deveria ser mantido, mas que devia ser mais ‘humanizado’. Aquilo não fazia sentido. Então, o argumento em prol da reforma do sistema carcerário é um argumento que visa manter o racismo e a opressão do aprisionamento”, disse.Em seguida, ressaltou que estava mandando um recado para os que estão no poder nos EUA, referindo-se a Donald Trump: “Abolir o sistema carcerário é um convite a construir uma sociedade em que não haja racismo. Em que não há estrutura capitalista, onde o acessoa à educação e ao sistema de saúde são livres”.A plateia reproduziu a saudação do grupo Black Power, que Angela Davis integrou nos anos 1960 (Foto: Arisson Marinho/ CORREIO)Davis lembrou que as mulheres americanas logo se mobilizaram contra o conservadorismo do governo Trump e, no dia seguinte à sua posse, em janeiro, organizaram uma marcha em que havia três vezes mais mulheres do que na posse do democrata e negro Obama, oito anos antes. Apresentou também dados sobre o sistema prisional e registrou o excesso de detentos em seu país: “O Brasil tem a quarta maior população carcerária do mundo, atrás dos EUA, da Rússia e da China. Os EUA têm um quarto da população carcerária do mundo e um terço das mulheres presas no planeta está em território norte-americano”.A importância da arte na luta contra o racismo também foi enfatizada pela ativista: “A arte e a dimensão estética sempre levaram as pessoas a se engajarem na questão política. E isso não é somente no século passado ou neste. A arte há muito tempo é uma forma de lutar contra a opressão. Na época da escravidão, a música teve papel fundamental”. 

[[galeria]]Dia de LutaAlém da presença de Angela Davis na cidade, o Dia da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha foi marcado com outros eventos na cidade. Pela manhã, um grupo de mulheres participou da Marcha pela Vida das Mulheres Negras, em frente ao Shopping da Bahia, pedindo o fim da violência e de mortes das mulheres. Elas saíram em caminhada pela avenida Antônio Carlos Magalhães (ACM), sentido Lucaia, deixando o trânsito lento na região. A ação, que ocorreu em várias capitais, fez parte de uma mobilização nacionalNo Pelourinho, o Centro de Culturas Populares e Identitária (CCPI) deu início a uma programação especial em homenagem à professora e ativista mineira Lélia Gonzalez (1935-1994), uma das precursoras do feminismo negro no Brasil. Ontem, foi aberta a exposição Lélia Gonzalez: O Feminismo Negro no Palco da História,  com 16 banners sobre a vida e a obra de Lélia. Os quadros reúnem fotografias, cartas, relatos, imagens raras e depoimentos e podem ser vistos até 31 de julho.Na sexta-feira (28), acontecem duas atividades: às 15h30, tem o Sarau das Pretas, comandado pelo Slam das Minas BA; e às 16h, sete mulheres negras consideradas referências no meio cultural e da militância baiana se encontram para debater o tema  Avanços nas Conquistas a partir do Legado de Lélia Gonzalez na sede do CCPI, que fica na casa 12, no Largo do Pelourinho.