Aplicação de agrotóxicos afeta escola no Sul do estado

Pulverização de plantações de eucalipto vem causando náusea e diarreia, segundo ONG

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  • Mario Bitencourt

Publicado em 21 de julho de 2018 às 07:00

- Atualizado há um ano

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Alunos de uma escola rural localizada próxima a uma plantação de eucalipto no sul da Bahia estão sofrendo com intoxicações decorrentes da pulverização de plantações de eucaliptos com agrotóxicos, afirmou ontem a Human Rights Watch, ONG global de defesa dos direitos humanos.

A informação consta no relatório “Você não quer mais respirar veneno”, divulgado pela ONG, segundo a qual o problema, em outras regiões do Brasil, ocorre também próximo aos locais de trabalho e casas da zona rural. A cidade onde ocorre o problema foi preservada.

Não revelar o local e o nome das pessoas é uma forma de evitar problemas futuros, pois “muitos membros de comunidades temem sofrer represálias de grandes proprietários de terra com poder político e econômico caso denunciem as intoxicações ou defendam leis e regulamentações mais protetivas ao uso de agrotóxicos”, diz a ONG.

Segundo a Human Rights Watch, na comunidade rural da Bahia visitada, residem 100 famílias, numa área dominada por plantações de eucaliptos.

A ONG relata que entrevistou cinco moradores. Os membros da comunidade disseram que a pulverização terrestre é mais comum, mas que a pulverização aérea também ocorre. Os moradores da localidade contaram à Ong que sentiram sintomas como náusea, dor de cabeça, diarreia, olhos ardentes e lacrimejantes, e lábios dormentes após aplicações de agrotóxicos.

Uma professora de 20 anos relatou que em 2015, quando estava indo à escola, “ainda estava perto da minha casa, quando o avião veio jogando por cima do eucalipto e o vento trouxe os agrotóxicos para mim. Eu fiquei molhada com o produto e tive que voltar para casa e tomar outro banho”.

Na sala de aula Na escola, conta a professora, começou a sentir dor de cabeça, ardência no nariz, coceira, a pele formigando. “O avião estava jogando do lado da escola e o vento trazia para a escola. Não dava para sentir o cheiro, mas dava para sentir a nebline, o vapor [de agrotóxicos] entrando pela janela”, disse a moça.

“As crianças, entre 4 e 7 anos reclamavam que suas gengivas e olhos estavam ardendo. Eu os liberei por volta das 9 da manhã e mandei um bilhete para os pais dizendo que não teríamos aulas enquanto eles estivessem pulverizando ainda”, conclui o relato, que se soma ao de outras sete comunidades indígenas, quilombolas e escolas rurais.

A situação de exposição das pessoas aos agrotóxicos, a exemplo do que ocorreu com a professora na Bahia, acontece quando o veneno é pulverizado em plantações e se dispersam durante a aplicação ou quando evapora e segue para áreas adjacentes nos dias após a pulverização. Procurada para comentar o caso, a Associação Baiana de Empresas de Base Florestal (Abaf) não respondeu.

Diretora da Human Rights Watch, Maria Laura Canineu informou ao CORREIO que a Ong conversou com 73 pessoas afetadas e com mais de 40 especialistas. “E todos relataram esse ambiente de ameaça, o que leva à subnotificação dos casos. Com o tempo, os relatos foram se repetindo”, ela disse.

A Human Rights Watch constatou que muitas pessoas em comunidades rurais expostas aos agrotóxicos temem sofrer represálias de grandes proprietários de terra. Em cinco dos sete locais visitados pela Ong, membros das comunidades rurais afetadas afirmaram que receberam ameaças ou que temiam sofrer retaliações.

Ainda segundo a Ong, proprietários de grandes plantações frequentemente desrespeitam um regulamento nacional que estabelece uma “zona de segurança”, proibindo a pulverização aérea de agrotóxicos próxima a áreas habitadas. Não existe uma regulamentação nacional similar que estabeleça “zonas de segurança” para a pulverização terrestre.

Dados oficiais sobre intoxicações causadas por agrotóxicos subestimam a gravidade do problema, destaca a Ong, que critica: “O sistema governamental de monitoramento de resíduos de agrotóxicos em alimentos e água potável também é frágil”.

Sintomas Em casos de intoxicação aguda causada por agrotóxicos, os sintomas apresentados geralmente incluem vômitos, náusea, dor de cabeça e tontura durante ou imediatamente após a pulverização nas proximidades.

A exposição crônica a agrotóxicos, mesmo em doses baixas, é associada à infertilidade, a impactos negativos no desenvolvimento fetal, ao câncer e a outras consequências graves à saúde. Mulheres grávidas, crianças e outras pessoas vulneráveis aos agrotóxicos podem enfrentar riscos maiores.

“Agrotóxicos pulverizados em grandes plantações intoxicam crianças em salas de aula e outras pessoas em seus quintais em zonas rurais espalhadas por todo Brasil,” afirmou Richard Pearshouse, diretor-adjunto da divisão de meio ambiente e direitos humanos da Human Rights Watch e autor do relatório.

“As autoridades brasileiras devem acabar com a exposição tóxica aos agrotóxicos e garantir a segurança daqueles que denunciam ou se opõem aos danos causados pelos agrotóxicos às famílias e comunidades.”

O tema, contudo, parece retroceder no Brasil. Nos próximos meses, o Congresso Nacional deve considerar um projeto de lei que enfraqueceria ainda mais a estrutura regulatória do país sobre agrotóxicos. Uma comissão parlamentar especial aprovou o projeto de lei em junho de 2018, e este precisa ser votado na Câmara dos Deputados antes de seguir para o Senado.

Máscara Entre as propostas, o projeto de lei propõe reduzir o papel de fiscalização dos Ministérios da Saúde e do Meio Ambiente, órgãos especializados nos impactos causados pelo uso de agrotóxicos.

O projeto de lei também propõe a substituição do termo legal agrotóxicos por produtos fitossanitários, o que, para a Ong, mascara os perigos dos agrotóxicos à saúde e ao meio ambiente.

Outra preocupação é com relação ao risco de novos agrotóxicos e exclusão da análise de perigo – hoje, por exemplo, são proibidos agrotóxicos carcinogênicos, e essa análise seria excluída se for adotado só o modelo de risco. O modelo do perigo e risco é adotado há 30 anos pelo Brasil e passou a ser adotado por outros países. Abandonar esse modelo seria um retrocesso, diz a Ong.

O Brasil é um dos maiores consumidores de agrotóxicos do mundo: as vendas anuais no país giram em torno de 10 bilhões de dólares. A imensa quantidade de agrotóxicos no Brasil é resultado da expansão da agricultura de monocultura em grande escala.

Cerca de 80 por cento dos agrotóxicos são usados em plantações de soja, milho, algodão e cana-de-açúcar.

Muitos dos agrotóxicos utilizados no Brasil são altamente perigosos à saúde humana. Dentre os 10 agrotóxicos mais usados no Brasil no ano de 2016, quatro não são autorizados para uso na Europa, o que evidencia quão perigosos eles são para outros governos. “Em vez de enfraquecer ainda mais as leis existentes, o Brasil precisa de regulamentações mais rígidas e de um plano de ação nacional para diminuir o uso de agrotóxicos,” disse Pearshouse.

“O Congresso deveria rejeitar o PL 6.299/2002e pressionar os ministérios competentes para que elaborem um estudo detalhado e imediato sobre os impactos à saúde e ao meio ambiente do atual tratamento dispensado aos agrotóxicos.”