Apoio da família é fundamental para o tratamento do câncer de mama, diz pesquisa

72% das pacientes relatam 'muito sofrimento' ao receber diagnóstico

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  • Jorge Gauthier

Publicado em 14 de outubro de 2018 às 06:10

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Marina Silva/CORREIO

Medo. Esse foi o principal sentimento que a dona de casa Iracema Santos,58 anos, sentiu quando, no início deste ano, recebeu o diagnóstico de câncer metastático. “Sei que dificilmente terei cura. Desde então, o medo tem sido meu companheiro principal. Só que esse medo não é só meu. É também da minha família”, relata a dona de casa que tem três filhos. O medo de Iracema não é único.

A partir de entrevistas quantitativas e qualitativas envolvendo 170 pacientes e 240 familiares de nove capitais do país (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Recife, Fortaleza, Belém, Curitiba e Porto Alegre), o levantamento ‘Câncer de mama metastático: a voz das pacientes e da família’ , realizado pelo Instituto Provokers encomendado pela Pfizer, mostra que 72% das pacientes afirmam que experimentaram muito sofrimento ao receber o diagnóstico do tumor.

Leia a reportagem principal: Sete mulheres descobrem câncer de mama por dia na Bahia; duas morrem

Essa percepção é ainda mais contundente entre os familiares: 88% deles experimentaram esse sentimento quando o câncer da paciente foi identificado.“Quando a família se vê diante de uma doença como essa, é claro que todas as atenções se voltam para a paciente. Mas é preciso olhar com mais atenção para o familiar, para essas pessoas que, embora profundamente abaladas com a descoberta de uma doença tão grave em alguém que amam, tentam se manter firmes para fornecer o apoio que esperam delas naquele momento”, destaca a psicóloga do Hospital Sírio Libanês Paula Kioroglo, psico-oncologista pela Sociedade Brasileira de Psico-Oncologia. Se por um lado os familiares das pacientes se dizem fragilizados diante da doença, em outra perspectiva eles representam a fortaleza emocional dessas mulheres.

“A minha força vem de Deus. O câncer de mama veio para transformar a minha vida. Uma mama não me faz falta. Eu consigo elevar minha autoestima e seguir minha vida com a fé que viver é bom demais. Meu irmão descobriu que está com câncer de próstata, depois que eu descobri o câncer de mama. Ele hoje enfrenta a doença dele de uma forma tão positiva quanto eu encarei o câncer que eu tive”, destaca a auxiliar acadêmica Genivalda Ferreira, 48 anos. Genivalda Ferreira, 48, venceu o câncer de mama. Ela lembra que ao receber o diagnóstico, pensou que ia morrer (Foto: Marina Silva/CORREIO) A pesquisa – que em Salvador ouviu 17 pacientes no Centro Estadual de Oncologia (Cican) e no Hospital Aristides Maltez (HAM) – indica que quase um terço das pacientes (29%) diz que o companheiro simboliza sua principal fonte de apoio. E essa porcentagem sobe para 38% quando se analisa apenas o grupo de mulheres que se trata na rede particular. Para 28% do total de entrevistadas, porém, esse importante papel é desempenhado pelos filhos.

O tipo de apoio que os familiares oferecem também foi destacado pelas pacientes. Gestos que expressam acolhimento e parceria, como apoiar a mulher, compartilhar o sofrimento com ela e incentivá-la com palavras positivas, são os itens mais lembrados pelas entrevistadas, ao passo que o auxílio em tarefas cotidianas, como ir ao supermercado ou cuidar da casa, são menos mencionados.

Mais do que apoiar a paciente, a família também representa uma motivação para que essas mulheres se engajem no tratamento. Quase todas elas, ou 92% da amostra, dizem que desejam controlar o câncer para que possam “viver e continuar a cuidar da família”, enquanto 89% afirmam que precisam ser fortes para “dar apoio para a família”. 

Por outro lado, a preocupação das pacientes com seus familiares também pode, em alguns casos, desencadear sentimentos angustiantes. A maioria dessas mulheres (51%) está convencida de que a doença é um “peso” para eles, porcentagem que chega a 73% em São Paulo. E quase uma em cada cinco pacientes (19%) diz que costuma ver alguém da família chorando escondido, número que sobe para 34% entre as paulistanas entrevistadas.

Quase nove em cada 10 pacientes ouvidas estão convencidas de que o diagnóstico da doença trouxe modificações importantes na rotina da casa. E, para 91% das mulheres que têm essa percepção, essas mudanças foram negativas. Elas se queixam, por exemplo, da necessidade de abandonar o trabalho, ou das dificuldades para cuidar da casa e realizar afazeres domésticos.  Apenas 18% dessas pacientes conseguem identificar mudanças positivas nesse processo, como uma preocupação maior com a alimentação e cuidados intensificados com a saúde.“Muitos questionamentos passam pela cabeça da mulher que recebe um diagnóstico de câncer de mama avançado. Como contar para os filhos? Será que o companheiro estará ao lado dela durante todo o tratamento? E o trabalho, será necessário abandonar a profissão? Todas essas dúvidas reforçam a importância do apoio e do acolhimento a essa paciente, de modo que ela se sinta fortalecida para atravessar esse momento da melhor forma possível”, comenta a presidente do Instituto Oncoguia, Luciana Holtz.Quando se compara a vida conjugal das mulheres antes e depois do diagnóstico de câncer de mama metastático, o número de casamentos desfeitos a partir da descoberta da doença se destaca. Em São Paulo, por exemplo, o número de divorciadas quase dobra, passando de 15% para 27% das entrevistadas, após a identificação do tumor. Considerando o total da amostra, esse número sobe de 12% para 17% entre um momento e outro.

Foi o que aconteceu com a dona de casa Iracema. “Eu era casada com o mesmo homem desde quando era bem jovem. Depois do diagnóstico do câncer de mama, ele me largou. Ele não conseguiu me ver doente. Não foi homem suficiente para ficar ao meu lado. Um detalhe: dois anos antes ele teve câncer de próstata e eu estive do lado dele. A minha sorte é que tenho meus filhos”, resigna-se.

A pesquisa mostrou ainda que quase metade das pacientes (49%) parou de trabalhar a partir do diagnóstico e essa porcentagem sobe para 58% na faixa etária que vai dos 36 aos 45 anos, chegando a 60% quando são consideradas apenas as entrevistadas da região Sul. Além disso, a maioria dessas mulheres (78%) afirma que não recebeu apoio da empresa após a descoberta da doença.

 “Os dados da pesquisa mostram que, apesar do câncer metastático, essas pacientes têm perspectivas de futuro e muita história pela frente. E essa esperança está totalmente relacionada às novas possibilidades de controle da doença que o avanço da oncologia vem proporcionando”, conclui a líder da área de oncologia da Pfizer Brasil, Vivian Blunk.

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Acesso às mamografias é insuficiente, afirmam especialistas

Moradora de Barreiras, no Oeste da Bahia, a florista Maria da Conceição tem 60 anos e fez sua primeira mamografia este ano. Por recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), ela já deveria ter feito pelo menos outros 15 exames.

A orientação geral é começar a fazer o exame preventivamente a partir dos 40 anos com intervalo de um a dois anos para mulheres sem história familiar de câncer de mama; caso haja algum caso na família (avó, mãe, tia ou irmã) a mamografia deve ser realizada anualmente a partir dos 35 anos.

“Eu morava na zona rural da cidade e nunca fiz porque custa muito caro. Só fui fazer a primeira vez quando eu tive em Salvador e estava acontecendo um mutirão. Fiz e fui diagnosticada com câncer de mama. Eu até tinha tido outras oportunidades de fazer mas também tinha medo de descobrir que tinha a doença”, afirma ela que atualmente está em tratamento no Hospital Aristides Maltez, em Salvador, com metástase que já atingiu o pulmão.

A médica mexicana Bertha Aguilar, ativista da fundação Salvati México, que tem atuação em diversos países da América Latina, inclusive o Brasil, recebeu o diagnóstico de câncer de mama há 30 anos. Ela ressalta que os tratamentos evoluíram bastante, mas o medo da mulher ao receber o diagnóstico é algo que não sofre alteração.

“Toda mulher, mesmo aquela que já tenha sido considerada curada pelo câncer de mama, acaba passando todo ano pelas consultas de controle. Nesse caso o medo da reincidência é uma constante. Isso se soma às dificuldades que muitas mulheres têm de fazer as mamografias. Faltam equipamentos e acesso dessas mulheres aos que existem”, opina a especialista.

Pesquisadores da Sociedade Brasileira de Mastologia em parceria com a Rede Brasileira de Pesquisa em Mastologia, divulgada este ano, indicam que o percentual de cobertura mamográfica de 2017 nas mulheres da faixa etária entre 50 e 69 anos, atendidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), é o menor dos últimos cinco anos.

Eram esperadas que, em 2017, fossem realizadas 11,5 milhões de mamografias no Brasil. Porém, só foram feitas 2,7 milhões, uma cobertura de 24,1%, bem abaixo dos 70% recomendados pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

De acordo com o coordenador da pesquisa, Ruffo de Freitas Junior, as regiões Norte e Centro-Oeste continuam apresentando as menores coberturas quando comparadas às demais.

“A dificuldade para agendar e realizar a mamografia ainda é o principal motivo para o baixo número de exames, além da triste realidade encontrada nos hospitais com equipamentos quebrados e falta de técnicos qualificados para operá-los”, afirma o mastologista.

A mastologista do Cican e do HAM, Tais Argolo, ressalta que o acesso e as quantidades de mamógrafos são insuficientes. “É um problema geral que há em todo mundo. O acesso das mulheres ainda não é o ideal para que tenha uma rede completa de cuidado”, defende Tais.

A Secretaria Estadual da Saúde (Sesab) informou, através da assessoria de comunicação,  que entre 2015 e 2018 foram feitas 1,2 milhões de exames de mamografia no estado. A secretaria não informou a quantidade de mamógrafos que há no estado pois, segundo eles, é atendimento municipal.

Há, segundo a Sesab, atendimento nas policlínicas, no Hospital da Mulher (Salvador) e no Cican (Salvador). Nestes casos o atendimento é referenciado, ou seja, tem que ser encaminhado pela rede básica de saúde.

*O jornalista acompanhou o Seminário Educacional sobre Câncer de Mama Metastático, em Bogotá (Colômbia), a convite da Pfizer.