Armandinho, Marco Lobo e Yacoce Simões celebram Gil e Caetano

Trio se junta para gravar álbum instrumental em homenagem aos dois tropicalistas

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  • Roberto Midlej

Publicado em 7 de outubro de 2021 às 09:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Felipe Oliveira/divulgação

Armandinho não se esquece do dia em que Caetano Veloso se apresentou no Festival da Record de 1967, cantando Alegria, Alegria. "Eu vi a energia sonora que fazia a minha cabeça. Se abriu ali uma porta, com várias tendências da MPB", lembra o guitarrista.

O percussionista Marco Lobo lembra-se da emoção que sentiu ao ouvir a canção Palco pela primeira vez na Concha Acústica, que era, segundo Marco, também, a primeira vez que Gilberto Gil, seu compositor, a apresentava ao público, no comecinho dos anos 1980. "Era só ele, voz e violão. Um tempo depois, ouvi no Teatro Castro Alves, com a banda completa", lembra.

Aquela mesma música tornou-se praticamente uma oração para o pianista Yacoce Simões: "Palco diz muito para todos nós, músicos, porque Gil conseguiu de forma brilhante traduzir e sintetizar o nosso sentimento quando estamos no palco. A gente sempre tem no palco um altar e Gil conseguiu fazer dessa canção uma referência para nós".

Com lembranças tão afetuosas sobre a obra de Gil e Caetano, sobram motivos - e desejo - para esses três fãs prestarem uma homenagem à dupla de ídolos conterrâneos deles. Por isso, Armandinho, Yacoce e Marco se juntaram para gravar o álbum Retocando Gil e Caetano (Biscoito Fino), em homenagem antecipada aos 80 anos dos dois compositores, que serão celebrados no ano que vem.

O registro, já disponível nas plataformas de streaming, tem versões instrumentais de 11 músicas compostas por um dos dois tropicalistas, incluindo desde a já citada Palco até Tropicália (Caetano) e Eu Vim Da Bahia (Gil). Sábado, no canal da Biscoito Fino no YouTube, estreia a versão em vídeo do álbum, que os músicos gravaram na Sala do Coro do TCA.

Repertório

A escolha do repertório foi coletiva: cada um dos três músicos fez sua lista pessoal e, em seguida, observaram aquelas que apareciam com mais frequência. Praticamente dois terços das músicas estavam nas três relações. Essas unanimidades, claro, ficaram. Depois, por consenso, escolheram as que completariam.

“Levamos em consideração as relações afetivas e emocionais que nós três temos com cada uma delas. Adotamos uma perspectiva que preserva a melodia das canções, mesmo em formato instrumental. Nesse projeto, a voz das canções é substituída pelo bandolim, a guitarra baiana, o piano e a percussão, que trazem novos arranjos e sonoridades a essas pérolas”, diz Yacoce, que é também produtor do disco.

Pela primeira vez, Armandinho gravou a música que leva seu nome, composta por Caetano em sua homenagem. "Durante uma época, Caetano lançava, todo ano, a pedido da [gravadora] Philips um compacto com músicas de Carnaval. E nos anos 80, ele gravou Armandinho. A letra é linda, fala de mim [Ele é o filho lindo do som de Dodô e Osmar/Ele é o filho de Oxalá]", diz o próprio homenageado, sem esconder uma explicável pontinha de orgulho. Mas Armandinho nunca quis cantá-la porque achava que seria um certo cabotinismo, já que a letra fazia elogios a ele. Como, desta vez, seria uma versão apenas instrumental, ficou mais à vontade.

A capacidade de Gil e Caetano emocionarem por seus versos é facilmente perceptível por qualquer ouvinte. E, embora o título de "poeta" às vezes seja aplicado com certo banalismo a alguns músicos, no caso desses dois, é merecidíssimo. Mas e qualidade musical deles justifica um álbum instrumental? "A palavra é muito forte nas canções deles. Mas Caetano tem uma coisa muito melódica, enquanto Gil tem uma harmonia que se destaca e um trabalho riquíssimo de violão. E eles constroem a música de uma maneira que sempre chega muito perto do ouvinte, sem nenhuma frieza. São ambos atemporais e originais", defende Marco Lobo.

Para Yacoce, "os dois encontraram com maestria uma forma de atrelar uma música sofisticada a um texto repleto de significados. É muito difícil você encontrar dois talentos literários dessa qualidade que consigam atingir uma estrutura e uma forma que soem tão musicais".

Armandinho elogio o dom de Gil como instrumentista e observa que ele entende de harmonia. Ele viaja nos caminhos harmônicos e tem esse lado visceral. Caetano é muito sofisticado, mas ele mesmo já disse que Gil toca muito bem. Quando Gil leva as músicas pros músicos dele, leva tudo pronto. Caetano tem uma outra forma, mais aberta", diferencia.

Yacoce diz que o trio de músicos tentou imprimir sua personalidade às versões e esse foi um desafio extra, já que se trata de músicas já bastante conhecidas pelo público. "O ouvinte vai ver a nossa forma de ler a obra deles. É como contar para as pessoas o que a gente entendeu de um livro que a gente leu", resume. "Trouxemos obras conhecidas e queríamos mostrar um outro ponto de vista sobre elas. E acho que as pessoas vão se identificar com essas versões, acho que elas vão cantar enquanto ouvem", acredita o produtor e pianista.