As origens dos sobrenomes mais comuns do Brasil e o que revelam sobre seu salário

Apenas dois presidentes brasileiros assinavam com o sobrenome mais comum do Brasil

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Publicado em 2 de julho de 2020 às 12:19

- Atualizado há um ano

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Quando nasceu em 12 de outubro de 1798, o primeiro chefe de Estado do Brasil independente, dom Pedro I, recebeu 15 sobrenomes. Seu filho e herdeiro da Coroa, Pedro II, 14. Apesar da profusão de substantivos próprios legados pelos antepassados, nenhum dos dois monarcas assinava um sobrenome antigo e, hoje, convertido no mais comum do Brasil e de Portugal: Silva.

A despeito dos antigos líderes, a quantidade de brasileiros cuja assinatura carrega “Silva” é tamanha que deixou o nome escrito no mapa The Most Commom Last Nome in Every Country (O sobrenome mais comum em cada país), produzido pela empresa de crédito NetCredit, divulgado em 24 de novembro. A semelhança é partilhada entre colonizador e colonizado - o sobrenome também é o mais comum em Portugal; a diferença entre os dois países está no acréscimo do artigo definido mais preposição adotado pelos brasileiros, que costumam ser “da Silva”.

A presença europeia é evidente na maioria dos países sul-americanos. O sobrenome espanhol Gonzalez é o mais comum no Chile, Argentina, Venezuela e Paraguai. Já Rodriguez tem predominância na Colômbia e no Uruguai. Garcia, o mais popular no Equador, também é o mais comum na Espanha e no principado de Andorra, um microestado cravado entre o território espanhol e o francês. Por outro lado, Bolívia e Peru têm sobrenomes de origem indígena como mais recorrentes.

Em outra vertente, ainda na América do Sul, a imigração mostra força ao tornar o sobrenome de origem sínica, Lin, com o mais assinado do Suriname. O mesmo acontece no país ao lado, a Guiana, que se diferencia pelo volume de cidadãos com último nome Persuad, uma derivação do indiano Prasad. A pesquisa não traz dados sobre a Guiana Francesa, um departamento francês fronteiriço com o Brasil, mas na França é Martin o sobrenome mais repetido.

Confira nos mapas abaixo os sobrenomes mais comuns do mundo, divididos por países de cada continente: (Foto: Divulgação) Origem dos sobrenomes No português antigo e no galego, língua falada na comunidade autônoma da Galícia - fronteira entre Portugal e Espanha -, silva, assim minúsculo, significava selva, bosques. O termo foi difundido pela Península Ibérica e passou a ser usado para se referir a quem vivia com os recursos das florestas. Ao nome próprio dado no batismo, a labuta acabou por aglutinar o hábito ou a ocupação do indivíduo, dando origem, na Europa medieval, aos sobrenomes.

O portal Forebears, utilizado como base de dados do mapa da NetCredit, reúne informações sobre 11 milhões de sobrenomes por todo o mundo, como a sua concentração geográfica, sua origem etimológica e um dicionário de significados. O buscador compila dados de registros civis, empresas, paróquias, censos, hemerotecas, obituários e até listas telefônicas.

Os sobrenomes são divididos em cinco origens. Os patronímicos ou matronímicos, derivados de um ancestral masculino ou feminino, como o Gonzalez comum aos países sul-americanos. Os ocupacionais, relativos à função laboral, como Smith, mais comum nos Estados Unidos, Canadá, Austrália, Reino Unido e Nova Zelândia. A palavra significa ferreiro, e encontra até variações como o Smithson (son: filho; Smithson, filho do ferreiro).

Os característicos são provenientes de algum aspecto ou atributo do indivíduo, como é o caso do popular sobrenome árabe Ali, ou seja, sublime, nobre. Há também aqueles derivados de recursos geográficos, em que se encaixa o Silva, isto é, a selva, o bosque. Por fim, aqueles relacionados a um lugar, os toponímicos, como é o sobrenome do primeiro presidente da ditadura militar brasileira, Castelo Branco.

O fenômeno do sobrenome tem origens difusas. Na Europa, ganhou força no boom populacional do Velho Continente após a devastação da Peste Negra. Anteriormente, com uma sociedade estratificada e isolada em propriedades feudais, não havia necessidade de distinguir por um último nome os indivíduos que tendiam a permanecer sob a tutela dos seus senhores. Porém, entre a nobreza, regida pela Lei Sálica de sucessão, era elementar traçar paralelos entre a descendência. Muitos passaram a adotar, como sobrenome, o nome da propriedade que administravam ou de algum ancestral famoso.

“É um grande museu para pesquisa essa falta de regras”, aponta o professor de História da Universidade Federal do Ceará (UFC) Francisco Pinheiro, especialista em período colonial. “Acontece muito que alguns nomes que são estrangeiros terminam sendo aportuguesados quando chegam no Brasil. Outros, alguns nomes de origem judaica, as pessoas acabam adotando outros sobrenomes. Os escravos que vieram da África passam a adotar os sobrenomes dos próprios senhores”, explica.

Há especulações de que na China, em 2852 a.C, já haviam sobrenomes. Isso porque o então Império Fushi teria obrigado aqueles sob seu domínio a adotarem um nome que os diferenciasse. Cada indivíduo teria até dois sobrenomes, derivados de poemas. No Império Romano, os cidadãos apenas possuíam até três nomes próprios, referentes a si mesmos e sua família, mas nenhum sobrenome. O poderoso Júlio César era, na verdade, Caio Júlio César, tal como seu pai.

Com o tempo, os nomes dos distintos passaram a fazer as vezes de cognome, como uma alcunha. De fato, posteriormente, o nome de César passou a ser atribuído aos líderes romanos, ainda que não fossem descendentes do destacado Júlio. A influência é tamanha que o título César foi incorporado a outros idiomas e nomeou, por exemplo, os chefes do Império Alemão, chamados Kaiser, e os chefes do Império Russo, titulados Czar, ambos transliterações de ‘César’ para seus respectivos idiomas. (Foto: Wiklicommons) Sobrenomes: ancestralidade, salário e escolaridade No Brasil, cerca de 18% da população tem um sobrenome de origem germânica, italiana, japonesa ou do leste europeu. Já os sobrenomes mais comuns, além de Silva, são Santos, Oliveira, Souza e Pereira, de origem ibérica (essencialmente português ou espanhol). E esta assinatura, segundo pesquisa de 2017 do economista Leonardo Monastério do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), pode definir seu salário.

Em média, uma pessoa com sobrenome japonês recebe mais que o dobro do salário de um indivíduo com sobrenome ibérico. A média salarial por hora para o primeiro era de R$ 73, enquanto para o segundo, mal alcançava R$ 34. Os dados são baseados na análise da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) de 2013, um conjunto de informações sobre o mercado de trabalho captadas, atualmente, pelo Ministério da Economia.

Ao todo, foram analisados os sobrenomes de mais de 46 milhões de brasileiros, entre 23 e 60 anos, que atuavam no setor privado. O estudo utiliza o termo ancestralidade para se referir à raiz dos sobrenomes, contudo, como explica Monastério, a questão é mais complexa. Isso porque, estatisticamente, quase não existem no País sobrenomes de origem africana ou indígena, ainda que os descendentes destes sejam a maioria da população. Isso porque estes grupos adotaram, por força ou conveniência, sobrenomes ibéricos.

Se adicionados recortes de cor e gênero, o abismo se aprofunda. Mas os dados não são conclusivos. A Rais é composta por dados fornecidos por empregadores e, geralmente, no quesito raça, vêm incompletos. Os japoneses, por exemplo, são identificados no censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), como amarelos, uma das cinco etnias que constam na pesquisa. Ainda assim, na Rais, entre os trabalhadores com sobrenomes de ancestralidade japonesa, apenas 23% aparecem como amarelos.

Cerca de 88% dos trabalhadores em questão têm o sobrenome ibérico. Japoneses acumulam salários, em média, 16% acima de todos os outros grupos, enquanto germânicos, 8%. Ainda assim, estes números se referem a indivíduos brancos com sobrenomes ibéricos. Apesar de dividir a mesma raiz no sobrenome, pardos, negros e indígenas ganham menos: -3,3%, -5,5% e -10,3%, respectivamente, que os brancos.

Trabalhadores de sobrenome advindo da Península Ibérica têm uma média de estudo de 11 anos, enquanto os de ancestralidade japonesa se aproximam dos 15. Os de origem italiana, em torno de 14. Germânicos e do leste europeu estudam pouco mais de 13 anos. Mas, quando analisados os 100 maiores salários entre os trabalhadores, são os de ancestralidade germânica que vão para o topo. Jorge Paulo Lemann, mais rico do Brasil (Foto: ARQUIVO O POVO) Segundo a lista de 2019 da revista norte-americana Forbes, o brasileiro mais rico é Jorge Paulo Lemann, com sobrenome de origem germânica, bem como seu sócio e terceiro mais rico, Marcel Herrmann Telles, e o co-fundador do Facebook Eduardo Saverin; já o segundo do ranking é o banqueiro Joseph Safra, de origem libanesa. Entre os dez mais ricos, não há nenhum Silva.

Geograficamente, a maior parte dos brasileiros com sobrenome japonês, germânico, italiano, sírio-libanês ou do leste europeu está concentrado no centro-sul do Brasil. A densidade é maior na região Sul, no Oeste Paulista em São Paulo e no Espírito Santo. A seguir, estão os estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, que experimentaram, no século passado, uma grande migração vinda justamente destes estados brasileiros.

“A escolaridade do Brasil era tão baixa na virada do século XIX para o século XX, para você ter uma ideia, que só 15% da população sabia ler e escrever. Em 1910, apenas 12% das crianças estavam na escola. Esses imigrantes chegaram e apesar de eles não serem especialmente bem educados, com a escolaridade maior, ainda eram superiores aos brasileiros médios”, explicou Leonardo Monastério, em entrevista à Revista Pesquisa, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Mas, com base nesta fase do estudo, ainda não é possível determinar, com precisão, as causas da desigualdade, ainda que o panorama histórico brasileiro ofereça pistas. “Pode ser transmissão entre gerações de uma maior escolaridade, mas pode ser discriminação também, a favor de pessoas, de nomes associados a pele mais clara”, pontua.

O poder dos sobrenomes Desde o fim do Império, há 130 anos, o Brasil teve 38 presidentes da República. Ainda que Silva já fosse um nome popular à época, somente em 1964, após o golpe militar, um chefe de Estado brasileiro levava na assinatura o sobrenome mais popular do País, o gaúcho filho de portugueses Arthur da Costa e Silva. Quase quatro décadas um depois, o segundo e último presidente com o mesmo sobrenome, Luís Inácio Lula da Silva, era eleito para o chefiar o Executivo brasileiro. O senador cearense Tasso Jereissati faz parte da parcela de população brasileira com sobrenome árabe, bastante representada na política (Foto: AURELIO ALVES) Ainda que a maior parte dos mandatários do Brasil tenham sobrenomes de origem ibérica, a presença de outras matrizes europeias e árabes é notória. Roussef e Kubitschek, por exemplo, são eslavos; já Collor e Geisel têm origem germânica. Bolsonaro e Médici possuem raízes italianas, enquanto Sarney é anglo-saxão e Temer é libanês.

Segundo levantamento da BBC Brasil, descendentes de árabes têm se destacado, há décadas, na política brasileira. Paulo Maluf (Progressistas) e Gabriel Chalita (PDT) também levam o DNA dessa parcela que representa, segundo estimativas, 3,5% dos brasileiros. É o mesmo caso de Fernando Haddad, ex-prefeito de São Paulo e candidato derrotado do Partido dos Trabalhadores à Presidência do Brasil em 2018, e do senador cearense Tasso Jereissati (PSDB). Se procurar, a lista vai longe: o ex-prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab; o ex-senador pelo Rio Grande do Sul, Pedro Simon; a deputada federal Jandira Feghali; entre outros. 

Matéria originalmente publicada em O Povo