As polêmicas de Janot: Procurador-geral deixa hoje o cargo e a Operação Lava-Jato

Mandato de quatro anos é marcado por disputas, protagonismo, 'flechadas' e polêmicas, tanto na esfera política quanto jurídica

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  • Da Redação

Publicado em 17 de setembro de 2017 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Um dia, centro dos holofotes, no outro alvo de bombardeios. O mandato do procurador-geral da República Rodrigo Janot, que termina hoje (17), coleciona inimigos e história de traição, polêmicas, delações mais que premiadas que resultaram em denúncias de corrupção e uma atuação muitas vezes considerada mais política que jurídica.

No cargo onde está desde agosto de 2013, Janot chefiou a Operação Lava Jato e foi responsável pelos pedidos de prisão do todo poderoso deputado Eduardo Cunha (PMDB), em 2016, de um dos homens mais ricos do país, o empresário Joesley Batista, da JBS e do líder da oposição ao PT, o senador Aécio Neves (PSDB). As acusações de corrupção pesaram ainda contra o ex-presidentes  Lula e Dilma e em dois pedidos de abertura de processo contra o presidente Temer.

Como se não bastasse as disputas com o mundo político, o protagonismo de Janot o levou a enfrentamentos no mundo jurídico – o principal deles é com o ministro do STF Gilmar Mendes – e com órgãos governamentais como o Tribunal de Contas da União e o Banco Central. Nestes embates, recebeu tantas críticas e pedradas que termina o mandato sob desconfiança, em nada lembrando a figura do herói infalível e inabalável contra a corrupção lhe atribuído pela opinião pública nos primeiros momentos da Lava Jato.

Atuação

Segundo o cientista político e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Rodrigo Prando, a trajetória de Janot contempla duas dimensões: a política e a jurídica. “Ele acabou se tornando uma pessoa com uma posição central em um momento como este, em que a corrupção é endêmica. Ele ganha maior notoriedade, sobretudo, quando mira o presidente Michel Temer. Foi a grande jogada de Janot, principalmente porque quando os áudios de Joesley Batista surgem, a crise política começava a tomar um rumo mais tranquilo, após o impeachment”, analisa.

Mas foi justamente essa grande jogada que transformou Janot de estilingue em vidraça. A mudança, ainda segundo Prando, ocorreu porque o procurador-geral tropeçou tanto na fragilidade jurídica da denúncia quanto nos privilégios concedidos a Joesley, entre elas a imunidade a um criminoso confesso. “O áudio de Joesley comprando o silêncio de Cunha com o aval de Temer em troca de um acordo premiado esbarrou nos privilégios. Rodrigo Janot foi precipitado. Ele tinha ali uma fragilidade jurídica muito grande nessa denúncia por conta desse acordo 'mega premiado', de total imunidade aos irmãos, quando eles estavam totalmente envolvidos em todo processo de corrupção”, destaca o analista político.

Como se não bastasse a polêmica gerada pelos privilégios, o ex-procurador da República Marcello Miller, que foi considerado braço direito de Janot, é acusado de ter atuado como "agente duplo" em favor da JBS na negociação o acordo de leniência. “Ele tinha uma sociedade toda favorável a ele, mas acabou tentando atuar bem menos juridicamente e bem mais politicamente ao entrar em um contexto que juízes e advogados não estão acostumados a tratar. De uma posição privilegiada, Janot acaba colocando tudo isso a perder por ter agido mais no calor das emoções, o que acabou fortalecendo o presidente Temer”, diz Prando. “No entanto, é inegável que Janot deu protagonismo a Procuradoria Geral da República pela primeira vez na história, ao denunciar por corrupção passiva um presidente em exercício. Isso ele vai levar no currículo dele”, completa.

Reviravolta

"Enquanto houver bambu, vai ter flecha”: Janot cumpriu a promessa feita três meses antes do fim do mandato em uma palestra no 12.º Congresso da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), em São Paulo. A última flechada de Janot contra Temer foi na quinta-feira (14/9), quando denunciou ao STF o presidente, Joesley, Eliseu Padilha, Moreira Franco, Geddel, Henrique Alves, Eduardo Cunha, Rocha Loures e Ricardo Saud ao STF.

Ele também pediu a anulação do acordo de delação premiada com os irmãos Joesley e Wesley Batista e Ricardo Saud, que comandavam a JBS. Michel Temer é acusado de organização criminosa e obstrução de Justiça. Esta é a segunda denúncia do procurador-geral contra ele. A primeira foi por corrupção passiva, mas a Câmara rejeitou, em agosto, a abertura de processo contra o presidente.

De acordo com o procurador, os políticos denunciados arrecadaram mais de R$ 587 milhões em propina. “A crise dentro do núcleo político da organização criminosa aumentava à medida que a Operação Lava Jato avançava, desvendando novos nichos de atuação do grupo criminoso”, escreveu Janot em sua última denúncia à frente da Procuradoria Geral.

Temer tem duas estratégias de defesa. A primeira é a de negar o crime e desta forma defendem que as acusações de Janot são feitas sem provas que envolvam diretamente o presidente (ninguém comprovou que a mala com R$ 500 mil carregada por Rocha Loures era destinada ao presidente, dizem). A segunda é desacreditar os acusadores. Na guerra retórica, Joesley é chamado de bandido, réu confesso e grampeador; Janot, além de apontado como parcial, incompetente e 'usurpador da verdade', é questionado sobre a atuação de Marcelo Miller.

Os advogados de Temer dizem que o procurador-geral tinha conhecimento do jogo duplo de Miller, insinuando que ele também obteve ganhos com o acordo. Janot abriu um processo contra o ex-auxiliar, que, ao contrário dos irmãos Batista, não teve prisão decretada pelo ministro do STF Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo. Sobre essas críticas, Janot disse, em entrevista, que "tantos são os fatos e tão escancaradamente comprovados, que a estratégia de defesa não pode ser outra senão tentar desconstituir, desacreditar a figura das pessoas encarregadas do combate à corrupção. Queria passar ao largo disso, mas tenho que cumprir minha missão".

A luta pelo protagonismo

Como chefe do Ministério Público Federal, Janot encabeçou disputas com outros órgãos e poderes pelo protagonismo em acordos de delação premiada e de leniência. Esta busca incessante para dar protagonismo ao MPF criou atritos com a Polícia Federal, instituição parceira das investigações. Os policiais defendem que, pela lei, só quem pode fechar acordos de delação são eles, únicos com a permissão constitucional de investigar. Uma ação a este respeito corre no STF. Janot defende o contrário, que as delações só podem ser feitas pelo Ministério Público, que é o 'dono da ação' na Justiça e assim, só o MPF pode negociar ou pedir redução de pena em caso de colaboração dos réus.

Mais um vez, no centro da disputa está a delação fechada com Joesley Batista. Um ponto de crítica da Polícia Federal é que o acordo foi feito sem que as provas – as gravações – fossem periciadas. A ausência da perícia deu força para a defesa de Temer. Há ainda conflitos abertos pelo MPF com o Tribunal de Contas da União (TCU), Controladoria Geral da União (CGU, órgão do Executivo Federal), com o Banco Central e com a Comissão de valores Mobiliários (CVM, espécie de xerife da bolsa de valores).

A disputa aqui se dá sobre quem tem o direito de fechar acordos de leniência e estabelecer o valor das multas. A leniência é uma espécie de delação premiada de empresas (pessoas jurídicas), que assumiriam suas responsabilidades por crimes, pagariam uma multa e assim manteriam seu direito de participar de licitações com governos e órgãos públicos, de vender ações e lançar títulos no mercado financeiro.

Delação premiada e leniência são legislações novas no país e é natural que cause certo estranhamento. O próprio Ministério Púbico Federal (Procuradoria da República), que ganhou sua configuração na Constituição de 1988, é um ator novo nos campos jurídico e político do país. Mais novo ainda é um combate à corrupção nos moldes da Operação Lava Jato. Um momento histórico inédito na história do país e que tem em Janot um de sues principais personagens.

Também é um terreno novo a colaboração internacional entre o MPF e órgãos similares nos EUA e na Suíça, por exemplo. Muitas das denúncias contra políticos e empresários na Lava Jato se basearam em documentação enviadas por estes países. No caso dos EUA, o MPF compartilhou documentos da Lava Jato, que estão na base de processos milionários movidos contra a Petrobras por investidores que compraram títulos da estatal na Bolsa de Nova York. Os documentos também ajudaram a definir as multas que empresas com Braskem (que negocia ações na bolsa de Nova York) tiveram de pagar aos órgãos fiscalizadores do EUA. Advogados também questionam a falta de transparência e publicidade destes acordos.

Futuro 

Ao terminar seu mandato, Janot vai seguir no MPF, mas vai deixar os holofotes e voltar a atuar como subprocurador da República. No entanto, ele já anunciou, que ao se aposentar vai para a iniciativa privada, trabalhar como consultor na área de complience. Outra palavra nova introduzida no Brasil com a Lava Jato. Ela quer dizer, em tradução livre, conformidade, indicando o setor da empresa responsável por garantir uma atuação corporativa conforme prega as leis financeiras, criminais, concorrenciais e ambientais entre outras.

 Segundo pessoas próximas, a erudição de Janot, no entanto, convive com um palavreado rude. Ele costuma falar muito palavrão e fazer brincadeiras ouvidas tipicamente em essas de bar. Aliás, outro comportamento que chama atenção em procurador-geral é seu gosto por bares. No final de semana passado, uma nova polêmica, ele foi fotografado em um barzinho de Brasília na mesma mesa com um advogado que defende os irmãos Batista. Questionado, afirmou que foi um encontro casual e que só falaram amenidades, sem tratar de qualquer assunto da Lava Jato. O advogado confirmou. Repórteres de Brasília reconhecem que Janot é um habitué daquele bar, inclusive.

No meio jurídico, o procurador-geral também é conhecido pelas mensagens subliminares que costuma deixar em discursos ao se apoiar em frases celebres de figuras como Mahatma Gandhi, Millôr Fernandes, Fernando Pessoa e Henry Ford. Desta vez, Janot terminou o mandato citando o ex-deputado, Ulysses Guimarães. “O poder não corrompe o homem; é o homem que corrompe o poder. Entrego o cargo com a convicção serena que militei até o último instante”.