Bahia Farm mostra sucesso do agronegócio mesmo com falta de ação do Estado

Feira movimenta mais de R$ 1 bilhão e mostra força do agronegócio no Oeste, mas parte do lucro é consumido por logística ineficiente

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  • Georgina Maynart

Publicado em 11 de junho de 2018 às 06:00

- Atualizado há um ano

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O fechamento da última edição da Bahia Farm Show - o maior evento de tecnologia agropecuária do Norte e do Nordeste do País, ocorrido no município baiano de Luís Eduardo Magalhães - voltou a deixar claro as contradições do campo brasileiro: dentro das fazendas, o agronegócio é o setor mais dinâmico  da nossa economia; fora delas, uma série de velhos gargalos sem solução consome boa parte dos ganhos e tira a competitividade da produção.

O resultado dentro das cercas aponta para a possibilidade de mais um recorde. Até a sexta-feira - penúltimo dia da feira - a Bahia Farm Show já havia movimentado R$ 1 bilhão e a perspectiva era a de que esse montante chegasse a R$ 1,5 bi. Em contrapartida, produtores votaram a reclamar de ações do governo para ampliar a BR 242 - principal via de escoamento dos grãos produzidos no  Oeste baiano -, ampliação e maior qualidade dos serviços de fornecimento de energia elétrica e de telefonia para a região. Estas queixas não são novas e, diante da inação das várias esferas governamentais, muitas soluções são tocadas pelos próprios empresários.

stands

O sucesso da feira ocorreu mesmo com o adiamento em uma semana provocado pela greve dos caminhoneiros. Ainda assim, quase todos os expositores permaneceram e a organização conseguiu manter a expansão em 20% do número de stands em relação a edição do ano passado. De acordo com Rose Cerrato, coordenadora geral da feira, “o adiamento acabou solidificando a Bahia Farm, já que nunca houve mudança de data anteriormente e a maioria dos expositores não desistiu. Ficamos surpresos com o volume de negócios”, destacou.   A Bahia Farm Show atrai produtores rurais de todos os estados do nordeste, principalmente do Matopiba, a área que abrange parte do Maranhão, Tocantins, Piauí e 30 municípios do Oeste baiano, entre eles, Luís Eduardo Magalhães, onde a feira é realizada. E o expositor que apostou no evento não pode reclamar. Uma revendedora de transporte de carga comercializou pelo menos 35 caminhões, com valores médios de R$ 430 mil cada. “Vendemos 30% a mais do que em 2017. Mesmo avisando aos clientes que a previsão de entrega é 2019 por causa da grande procura”, informou o consultor de negócios, Vivaldo Salustiano. 

Os principais agentes de financiamento ao crédito agrícola no Brasil estiveram presentes na feira. (Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banco do Nordeste, Santander e Bradesco ).  O gerente geral da Agência do Banco do Nordeste em Luís Eduardo Magalhães, Romildo Oliveira do Nascimento, avaliou de forma positiva os resultados obtidos. Até a sexta, a agência havia liberado R$ 70 milhões para custeio ou financiamento de máquinas. “Mas temos pelo menos mais R$ 30 milhões. Muitos clientes devem também voltar na agência ao longo da semana para trazer a documentação solicitada e concretizar os negócios”, acrescentou.   Outro destaque foi o crescimento das vendas dos produtos de energia renovável. Fornecedor de placas solares, o empresário Antônio lves Bezerra, atingiu a marca dos 2 milhões vendidos em três dias de comercialização. “A gente dobrou a nossa meta inicial", disse o comerciante que participou pela primeira vez da feira.   A maior oferta de produtos com matrizes em fontes renováveis não foi por acaso. Nesta edição a Bahia Farm consolidou os conceitos de produção agropecuária sustentável e preservação ambiental. Ademais, esta é uma das saídas apontadas pelos especialistas para os frequentes problemas de fornecimento de energia elétrica da região.   Obstáculos 

Para além dos negócios fechados, a feira mantém acesas as discussões sobre os desafios dos agricultores do Oeste da Bahia não apenas para a próxima safra, mas para os próximos anos. Durante cinco dias foram realizadas dezenas de palestras e seminários sobre temas variados: do papel do agricultor na preservação do cerrado à polêmica do Funrural; do combate às pragas ao panorama do mercado internacional das commodities; o que contribui para que a Bahia Farm Show se firme como espaço aberto para a busca de soluções dos principais dilemas que atingem a última fronteira agrícola do Brasil. 

Contudo, tão importante quanto discutir estes assuntos, se faz urgente encontrar soluções para os obstáculos recorrentes que ainda existem na região e que  atrasam o seu desenvolvimento. Os agricultores reivindicam dos poderes públicos mais eficiência e iniciativas para resolver estes antigos entraves. 

O Presidente da Associação de Agricultores e Irrigantes do Oeste da Bahia (Aiba), Celestino Zanella, cobra mais ações dos governos federal, estadual e municipal.“Já avançaram, mas um ponto que nós precisamos conversar, e nós estamos trabalhando em conjunto, é a questão dos portos e logística. Os governos têm que se ajustar quando o assunto é eficiência de custos. É uma questão lógica”.  Zanella defende que ações pontuais podem fazer grandes efeitos. Um dos pontos seria a criação de uma terceira pista na BR-242 na altura de Barreiras. “Não tem cabimento na altura de Barreiras, os caminhões serem forçados a trafegar a quase 10 km por hora. Este tipo de coisa que é dureza. A outra é convencer o Porto de Salvador a colocar mais um píer de atracação, e ao mesmo tempo melhorar o Porto de Sergipe, para que possamos fazer parte do escoamento lá ou aqui. É só uma questão de planejamento e de ajuste”. 

Já o vice-presidente da mesma entidade, Luiz Pradella, aponta as dificuldades com o fornecimento de energia elétrica, estradas e comunicações. “Nós temos um tripé de necessidades e de melhoria. Sem estradas a gente não chega, sem comunicação a gente não fala com os clientes, e sem energia nós não temos agroindústrias produtivas”.  Segundo Pradella, “o setor produtivo tem pago muito caro por conta das fiscalizações abusivas, porque tem muita coisa correta sendo feita e que não está sendo levada em consideração. Assim como tem muita coisa sendo cobrada pela União sem dar o mínimo de condição do empreendedor executar”.     Ele cita o exemplo da exigência da nota fiscal eletrônica. “Eles estão exigindo a nota fiscal eletrônica através de um sistema que depende de internet. Mas nós não temos esta internet nesta velocidade. Como também não temos energia de qualidade para suportar esta internet. Então está meio descompassado isso”, desabafa Pradella. 

Desafios para o desenvolvimento

 ESTRADAS: A infraestrutura pública não conseguiu andar na velocidade que o setor privado avançou. A região ainda tem mais de 7 mil quilômetros de estradas sem asfalto. São estradas vicinais que interligam as propriedades rurais as principais rodovias de escoamento da produção agrícola. Nos últimos anos, os próprios produtores rurais, integrantes da AIBA, asfaltaram as estradas. “Temos que manter as estradas trafegáveis e algumas ainda vamos asfaltar. Muitas foram pavimentadas através do sistema de parceria entre produtores, prefeituras ou através de programas públicos de desenvolvimento, como o Prodeagro”, diz Júlio Busato, presidente da Abapa.

ENERGIA:  Mais de 40 anos depois do iniciados os projetos de intensificação do povoamento do cerrado, as linhas de transmissão de energia elétrica continuam insuficientes para atender à demanda crescente. As oscilações frequentes de tensão prejudicam os moradores e a produção agroindustrial. Atualmente as linhas de transmissão que abastecem a região passam por Bom Jesus da Lapa e estão sobrecarregadas. A obra da outra linha que estava sendo construída está parada. É a Linha de Transmissão Belo Monte - Nordeste, que está com a construção paralisada desde que a empresa que venceu a licitação, a Abengoa, teve a concessão revogada por motivo de falência. Por isto não causa surpresa o aumento da procura pelos sistemas de energia renovável, principalmente o solar.

TRANSPORTE DE CARGA: Com as obras ferroviárias também paradas, o principal sistema de escoamento da produção ainda é o rodoviário, mais caro e mais demorado, devido às longas distâncias até os portos. 55% da soja produzida no oeste da Bahia são exportadas e escoadas pelo Porto de Cotegipe, em Salvador, que fica a mais de 950 quilômetros de distância de Luís Eduardo Magalhães. Os outros 45% da produção da oleaginosa fica no mercado interno, e também são escoadas através das estradas. O mesmo ocorre com o algodão: mais de 98% da fibra ainda são escoadas através do Porto de Santos, distante mais de 1600 quilômetros. São fatores que encarem o frete e tornam a produção baiana menos competitiva do mercado internacional.   

 Associações fazem o que governos não realizam

A realização da décima quarta edição da Bahia Farm Show fortaleceu uma estratégia que vem sendo implantada há mais de 30 anos no Oeste da Bahia e que continua rendendo frutos: o poder das associações locais na resolução de problemas coletivos. 

Consideradas exemplo de associativismo e cooperativismo eficiente, a Aiba e a Abapa evidenciam o fortalecimento das ações conjuntas para combater problemas e das parcerias com o poder público na busca por soluções possíveis. O presidente da Abapa, Júlio Cézar Busato, diz que a estratégia é o fortalecimento das associações.“Vamos tentar juntos resolver os problemas. É preciso união. Nós aqui no Oeste trabalhamos com 9 prefeituras de todos os partidos. Não nos interessa a política. O que a gente quer é resolver nossas questões”.

Juntos, os agricultores do Oeste tentam provar que nos últimos anos desenvolveram ações de preservação ambiental e que cumprem a legislação de proteção de áreas nativas e recursos hídricos. “Hoje o Matopiba está no olho do furacão daquilo que se trata de preservação ambiental. Somos acusados de não preservar. Mas nós temos a verdade colocada em fatos, mapas e números. Nós demonstramos que no Oeste da Bahia 53% da área está preservada. Os agricultores gastaram R$ 11 bilhões do patrimônio para proteger os remanescentes, os dados são comprovados por pesquisas de órgãos oficiais. E nós estamos realizando novas pesquisas neste sentido, como o estudo do potencial do Aquífero do Urucúia”, diz.Atualmente, 7% das plantações do Oeste são irrigadas, as outras são cultivadas em regime de sequeiro. Para Busato, os agricultores precisam preservar os recursos naturais, mas continuar produzindo alimentos. “Fomos forjados na dificuldade, por isso que nós conseguimos nos adaptar e superar os desafios. O que nos preocupa hoje é a segurança jurídica das nossas propriedades e temos avançado neste sentido. Este é o lado positivo da região que luta e sofre interferências externas, mas consegue avançar, superar e crescer. Vivemos olhando para o futuro, com otimismo, com crescimento, com trabalho. Isso vence qualquer problema”.