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Bombardeio em Salvador levou ao poder J.J. Seabra, o homem por trás da Avenida

Projeto grandioso da construção da Avenida provocou inúmeras reclamações de moradores da época

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  • Alexandre Lyrio

Publicado em 6 de setembro de 2015 às 08:16

 - Atualizado há um ano

Às 13h30 do dia 10 de janeiro de 1912, três tiros de pólvora seca quebraram o silêncio de uma cidade que aos poucos voltava do almoço. Era só um aviso. Uma hora depois, os fortes de São Marcelo, São Pedro e Barbalho voltaram-se contra o próprio patrimônio e iniciaram descargas com munição verdadeira. Inacreditável. Salvador era bombardeada pelas fortificações construídas para lhe proteger.Foram cinco horas de pânico, 78 tiros de canhão, prédios públicos e privados destruídos, dezenas de feridos. Assim, após o episódio sangrento, fruto de uma briga política entre o então governador da Bahia Aurélio Viana e o governo federal, se deu a subida ao poder de José Joaquim Seabra. Tentando impedir as eleições para o governo, Viana havia ordenado a invasão da Assembleia Legislativa pela Polícia Militar. Alinhado com o presidente Hermes da Fonseca, Seabra teria apoiado a ação violenta.  Confira o especial sobre os 100 anos da Avenida Sete produzido pelo CORREIORetomado o prédio, dois meses depois da cidade estremecer, era eleito chefe do executivo baiano o homem que abriria a Avenida Sete de Setembro. Por isso, não dá para falar da Avenida Sete sem lembrar de J.J Seabra e do bombardeio. Dos tiros de canhão até a inauguração da nova via passaram-se dois anos e meio. “Uma obra monumental para a época”, afirma o jornalista e pesquisador Nelson Cadena, curador de uma exposição sobre os cem anos da avenida, em cartaz de 1º a 31 de setembro, na Caixa Cultural.Avenida Sete de Setembro (Foto: Museu Tempostal)“O mais impressionante é que, cem anos depois, a Avenida Sete ainda é uma das nossas mais importantes artérias, o eixo que liga o Centro Histórico ao restante da cidade”, afirma Adélia Marelin, do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, prima terceira de Seabra. “Independente de como subiu ao poder, o fato é que Seabra transformou a vida urbana da cidade”.   De fato. Com respaldo nacional, mesmo depois do bombardeio, Seabra assumiu com apoio popular e colocou em prática ideias reformadoras. É justamente da vontade de transformar a capital em uma cidade mais arejada, de vias largas e mais saudável que surge a avenida de 4,6 mil metros que começa em São Bento e termina no Farol da Barra. O modelo era francês. Antes de se tornar governador, como ministro da Justiça e Negócios Interiores, promoveu uma reforma estrutural nas ruas do Rio de Janeiro, investindo em grandes obras de saneamento e abrindo avenidas como a Rio Branco. Fez isso depois de visitar Paris. De lá, trouxe para o Brasil conceitos sanitaristas que também transformariam o Centro de Salvador. Assim, J.J. faz com que a cidade “se abra” para o futuro. “Uma cidade colonial tinha a circulação de pessoas e mercadorias dificultada pelo intricado de suas ruas (...) A reforma urbana do período introduz a modernidade e inaugura largas avenidas na tentativa de romper com o passado”, escreve a professora de arquitetura da Ufba, Eloísa Petti, no livro Europa, França e Bahia, Difusão e Adaptação de Modelos Urbanos.    PoderMas era preciso tirar a modernidade do papel. A primeira polêmica envolveu o nome que batizaria a via. Como ex-ministro, Seabra pensou na data de Independência do Brasil para ser homenageada. “Mas havia outro projeto do engenheiro Gerônimo Alencar de Lima que previa a criação de duas avenidas: a Avenida Sete e a Avenida Dois de Julho. A segunda ficaria onde hoje é a Carlos Gomes. Como o projeto não foi pra frente, as pessoas passaram a questionar porque não poderia homenagear a Independência da Bahia”, revela Cadena. O governador insistiu no Sete de Setembro. E mostrou que realmente tinha poder. Só para se ter uma idéia, desapropriou mais de 300 imóveis para construir a nova avenida. Um terço do custo da obra - 3 mil dos 8,7 mil contos de réis - foi destinado para desapropriar sobrados e casarões do século 19. “Eram pessoas da classe alta. Imagine o poder político de Seabra. Esse pessoal não vendeu barato suas casas”, aposta Cadena.Inscrição de pedra do ano de inauguração da Avenida é um dos poucos vestígios históricos (Foto: Marina Silva/Correio)O projeto do engenheiro Arlindo Fragoso passou por cima até de prédios históricos. A Igreja de São Pedro caiu ante o progresso. É aí que surge o Relógio de São Pedro, inaugurado em 1916, instalado no lugar onde ficava o templo. As fachadas frontais das igrejas das Mercês e do Rosário foram derrubadas. O Mosteiro de São Bento, por sua vez, resistiu graças a protestos de intelectuais e religiosos da época. “Por isso que a pista que tem 18 metros de largura no restante da avenida tem apenas 15 em São Bento”, revela Cadena.   No final das contas, a obra foi entregue com tudo pronto. Para que isso ocorresse, foi preciso trazer o mundo para cá. “O asfalto veio de São Valentino, na Itália. As vigas de ferro, 52 toneladas, da Alemanha. O calçamento de pedra portuguesa. A iluminação da General Eletric, de Nova York”, observa o pesquisador. Até a arborização veio de fora. Os oitizeiros foram trazidos do Rio. Seu sombreamento tornou a avenida uma das mais agradáveis da cidade até hoje. A inaguração da obra lotou as ruas. Mas nada impediu as críticas dos jornais de oposição. “Desperdício de 8,7 mil contos de réis”, estampou o A Tarde. Sim, porque o governador que modernizou Salvador colecionou oposicionistas. E eles acreditavam que Seabra tinha ligação direta e até poderia ter ordenado o bombardeio. Sobre isso há dúvidas. O certo é que, se os canhões não tivessem disparado sua munição naquela tarde, a Avenida Sete hoje não existiria.