Brasil, mostra a sua cara (de pau): o ataque ao podcast que abriu vaga exclusiva para minorias

Contratação direcionada para candidatas negras e indígenas gerou revolta

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  • Vinicius Nascimento

Publicado em 16 de janeiro de 2022 às 11:01

- Atualizado há um ano

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Na mesma semana em que o resultado de uma pesquisa inédita, encomendada pelo Observatório Febraban ao Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe), apontou que os brasileiros consideram a Abolição da Escravatura como o fato mais importante da história do país, vimos o chilique generalizado de pessoas brancas após a podcaster Déia Freitas, do Não Inviabilize, abrir uma vaga para assistente de roteiro pagando um valor justo (algo que é exceção no precário mercado de comunicação brasileiro) e com candidatura exclusiva para mulheres negras e indígenas, acima de 25 anos.

Esses dois fatos acontecerem de forma quase simultânea mostra bem a hipocrisia deste país, onde se aplaude pessoas negras após conquistarem, a duras penas, a tão sonhada vida melhor – mas há vaias, ou, como no caso de Déia, até ameaças de processo completamente infundadas e ignorando a existência de documentos como Estatuto da Igualdade.

É engraçado como pessoas brancas reagem ao fato de não serem privilegiadas. Ou de viverem situações que pessoas negras sofrem diariamente, mas sem a sinceridade de dizer: nós vamos contratar um branco. Diariamente, homens e mulheres negras recebem portadas na cara enquanto buscam emprego e passam por processos seletivos que possuem filtro racial explícito – só não é avisado.

Isso sem contar os filtros sociais do racismo. Dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio) Contínua Educação 2019, divulgada nesta semana pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) deram conta que a taxa de analfabetismo entre pretos ou pardos no Brasil é quase três vezes maior do que o percentual observado entre brancos. E isso porque o Censo de 2010, também do IBGE, dá conta de que pretos e pardos representam quase 50% da população brasileira.

Colocando os dois fatos da mesma semana lado a lado, a gente consegue ilustrar bem como o Brasil gosta de ver histórias de superação, jornadas de heroísmo protagonizadas por pessoas negras (e temos várias): “olha só como ele conseguiu, mesmo com tudo soprando contra”; “olha como ela não se rendeu à vagabundagem e virou uma vencedora mesmo com essa história de vida”.

Mas simplesmente odeia quando alguma iniciativa ajuda essas histórias a se tornarem reais. Foi exatamente essa a reação das pessoas que se sentiram ofendidas por Déia oportunizar que mulheres negras e/ou indígenas tivessem preferência num processo seletivo. “Ah, essa galera vai tirar a minha chance de concorrer? Absurdo!”.

Atestados do racismo recorrente e nada velado de um país hipócrita, que não tem o menor pudor em mostrar a sua cara.