Cajuína absoluta

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  • Kátia Borges

Publicado em 6 de outubro de 2019 às 05:00

- Atualizado há um ano

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Você escreve do jeito que gosto, palavra que espreme sumo. Morango na mistura, atravessando domingo de outubro. Desenho de giz na calçada para chamar o Sol. Pétalas de Boa-Noite, florzinha lilás na língua, delícia de azedume. Pingos de mercúrio, luminosos e minúsculos, saltando no chão vermelho da sala.

Risco da beleza, quando existiam pai e mãe. Desejo sem nome. Insone, escondendo livros sob lençóis. A moça aparvalhada diante da gata parida. Você escreve desse jeito, outra delícia. Fosse ter um quintal só nosso – raros animais são tão tímidos. Esse riso incontido de quem dá importância demais às coisas.

Fosse só ver o dia escurecer dentro da água, até que os dedos criem rugas nas pontas. Do jeito que eu gosto, sim, ajuntamento de folhas. Outono-inverno serpenteando Primavera-Verão. As estações pondo interrogações nas pessoas. Os planos que o Destino desfaz por distração, como se apertasse plástico-bolha.

Longo caminho sinuoso até a porta. Como se fala na falha da escarpa, a cidade alta, a cidade baixa, a cidade portuária, a cidade nossa. Meninos dançando na chuva, enquanto toca Belchior. Como se fala? Você. Você indica livros, pede resguardo: não abra esse, e eu vou abrindo esse que não, esse que não, justo esse.

E deixo que conte as mesmas histórias como se fosse novidade. E peço que ouça pela enésima vez sobre aquele osso invisível na mão esquerda, aquele pequeno osso que ninguém percebe. A necessidade de esquecer os mortos. Indivisíveis, vivos, amigos dispersos pelo país. Algumas aventuras pela velha capital.

O centro deserto, madrugada alta. Um anjo guiando o roteiro etílico. Você. Você lendo meus versos com impaciência. Escreva do jeito que eu gosto, diz. Põe na página a palavra que não. Vem ver como são bonitos, esses versos que sinto. Não pôr em risco, não pôr nas folhas. O verde onde se escondem, poesia e música, floresta equatorial selvagem, várias espécies de árvores. O amor em suas copas.

Frases sincopadas incorporando o ritmo da máquina de escrever. Teclas golpeando letras com força. Tudo que a ditadura da leveza pede para não ser. Peso de papel, peso de porta. Ventania devassando a casa no cimo da montanha. Você. Contemplação absoluta, cajuína absoluta. Tão bom saber.