Carlos Pronzato: cineasta, nômade, anarquista

O argentino tem cerca de 80 documentários sociopolíticos

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  • Roberto Midlej

Publicado em 21 de outubro de 2020 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Acervo Pessoal

Nômade, revolucionário, anarquista e até um pouco romântico. Todos esses adjetivos cabem ao documentarista Carlos Pronzato, nascido na Argentina há 61 anos e há 30 vivendo no Brasil. Com aproximadamente 80 filmes no currículo - ele é tão prolífico que até fica difícil dar o número com precisão - já realizou produções sobre Carlos Marighella, Che Guevara, Salvador Allende e já tratou de temas como Canudos, greves e a terceirização do trabalho.

E a carreira não é tão longa assim: começou em 1999, quando Pronzato, aos 40 anos, filmou Canudos - Uma Longa Curva, sobre o movimento liderado por Antônio Conselheiro. Pelos temas citados até aqui, já deu pra notar que há algo em comum nas produções do argentino: elas têm um tom sociopolítico muito marcante. 

E não é diferente com seu mais novo filme, A Lagoa Escura - Em Defesa do Abaeté, que será lançado nesta quinta-feira (22), às 19h, no Espaço Cultural Rumo do Vento, em Itapuã, com respeito ao protocolo sanitário: uso obrigatório de máscaras e distanciamento de dois metros. O filme registra a manifestação daquela comunidade contra a construção de uma estação de esgoto às margens da mítica lagoa.  A Lagoa Escura - Em Defesa do Abaeté (divulgação) Pronzato não conhecia muito bem a história do local, mas, sempre sensível a questões sociais, viu as notícias e não hesitou: pegou a câmera, hospedou-se na casa de um conhecido no bairro, o editor de imagens, e, em 18 dias, finalizou o filme.  “Eu havia chegado a Salvador em março, já no começo da pandemia e estava sem planos de filmar. Mas vi as matérias sobre Itapuã e decidi entrar em contato com esse editor. Aí, fiquei na casa dele, percorremos umas dunas... Foi um período de imersão no tema”, conta Pronzato.

E é assim, sem orçamento nem equipe técnica, mas sempre com muito comprometimento, que o diretor realiza a maioria de seus filmes. Não tem assistente de direção, não tem operador de câmera, muito menos alguém para auxiliar na fotografia. A única parceira de que ele não abre mão é a sua câmera, uma Sony Full HD, que, segundo ele, não deve custar mais de R$ 3 mil.

Apesar do começo tardio, o interesse dele pelo audiovisual é antigo e tem um toque de hereditariedade: seu pai, Victor Pronzato - que, como artista, assinava Victor Proncet - era roteirista. Entre os filmes de Victor, está Los Traidores, de 1973, que nunca estreou comercialmente porque a ditadura argentina não permitiu. Na história, sindicalistas apareciam como traidores que haviam se aliado ao empresariado e aos militares.

Cnema político Victor, que era roteirista e ator do filme, sofreu consequências e precisou se exilar com a família no Uruguai por cerca de um ano. De volta à Argentina, Carlos começou a trabalhar com audiovisual, mas era com o “cinemão”, como observa ele mesmo. Nem lhe passava pela cabeça a ideia de trabalhar com cinema político.

Mas em 1982 ele foi para o México, onde planejava estudar cinema. Os estudos acabaram não vingando e ele decidiu viver como um nômade pela América Latina. Passou por países como Guatemala, Honduras, El Salvador, Colômbia... “Não fiz nenhum documentário naquele período, mas aquelas viagens foram um grande aprendizado”, diz o cineasta.

 Ele só voltaria a trabalhar com cinema em 1986, quando retornou ao país de origem, onde atuou como assistente de direção. Em 1989, surgiu a possibilidade de vir estudar teatro no Brasil, como bolsista. Deveria escolher entre João Pessoa, Uberlândia e Salvador. Da primeira, pouco ouvira falar. Da segunda, menos ainda. Sobre a capital baiana, tinha algumas informações, graças, entre outras coisas, aos livros de Jorge Amado.

Escolheu então a Bahia e estudou teatro na Ufba, entre 1989 e 1993. E foi aqui, em 1999, quando filmou Canudos - Numa Longa Curva, que despertou para o cinema político. O movimento liderado por Antônio Conselheiro ainda renderia outro três filmes. “Aquela história de resistência me atraiu, afinal eu tenho discordância das políticas  de Estado, sou meio anarquista”, diz Pronzato, com uma ponta de orgulho.