Cartilha anti-cringe: adolescente cria guia para familiares se comunicarem nas redes

Em manual bem humorado, Malu Braga, de 13 anos, atualiza parentes sobre internetês

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  • Da Redação

Publicado em 29 de janeiro de 2022 às 11:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Paula Fróes/CORREIO

Que jogue o primeiro emoji quem nunca pagou mico alguma vez nas redes sociais ou no WhatsApp por não entender direito a linguagem virtual criada pelas gerações X (nascidos da segunda metade dos anos 1990 até 2010) e Alpha (de 2010 pra cá). A família de Malu Abreu Vianna Braga não tem assim uma Tia do Zap entre eles, aquela figura que envia corrente de oração e fake news política descontroladamente, mas, a garota de 13 anos, completados neste sábado (29), achou por bem atualizar os parentes sobre as novas formas de se comunicar. 

Para isso, criou a cartilha 'O básico do português hoje em dia', com orientações aos povos originários da internet discada de como se portar nas redes sociais e nos grupos de Zap, sem ser cringe. Traduzindo: sem passar vergonha com a galera mais jovem. A palavra ‘Zap’, aliás, é um atestado que você é das antigas.

Com a iniciativa, Malu garante que não quis impor nada, e sim otimizar a interlocução entre seus familiares. “A ideia original do projeto nunca foi ofender, mas descontrair um pouco. Então, não existia algo entre meus parentes que me incomodava”, esclarece, sem querer se indispor com ninguém. Fontes seguras, no entanto, garantem que ela não gostava muito de receber emojis com carinha de bebê enviados pela tia e pelo irmão mais velho, bem como figurinhas do tipo ‘bom dia’, ‘durma com os anjos’ e afins. E, na verdade, ninguém gosta dessas figurinhas. Só mesmo quem envia. 

Para apresentar o guia, a menina convocou, com ares de mistério, os mais chegados para uma reunião “muito importante”. Reunião virtual, claro, como pedem os dias atuais. “Observamos Malu concentrada por duas tardes. Ninguém sabia da pauta. Ela mandou uma foto da capa da apresentação, mas não deu detalhes. Achávamos que era algum trabalho para a escola”, conta, aos risos, a mãe, Tais Navarro Britto de Abreu Braga, 43. 

O conteúdo do guia é focado especialmente no uso de abreviações, pontuação e emojis. A adolescente também desenvolveu e executou o projeto gráfico. Durante a reunião virtual, ela apresentou os slides, explicando tópico por tópico, e ainda abriu para perguntas. Tudo de forma bem-humorada. “Malu nasceu desinibida, engraçada e criativa, com muita habilidade em montar apresentações e fazer artes”, destaca a mãe, que impõe limite de tempo para o uso da internet. 

Orientações  Entre as orientações da cartilha, estão: ‘Como sorrir corretamente’. Segundo a estudante, rir no ambiente virtual com ‘kkk’ em minúsculo e com poucas letras pode dar a entender que a pessoa que respondeu à mensagem não viu graça na piada ou no comentário e está apenas sendo gentil. O ideal é sorrir com vários ‘KKKK’ ou ‘KAKAKA’, em letras maiúsculas.  Foto: Paula Fróes/CORREIO Escrever ou responder com apenas um ‘rs’, então, pode criar um problema ainda maior: “No mundo de hoje, isso é considerado flertar. E eles mandavam ‘rs’ para os outros. Eu ficava tipo: ‘vocês estão flertando’?”, diverte-se Malu. “Ensinei e agora todo mundo ri parecendo que está rindo mesmo”, garante a aluna do 7º ano, fazendo as vezes de professora.  

As abreviações também têm sido um um ponto crítico na comunicação entre os mais velhos e os adolescentes, por isso, elas tiveram um tópico especial no guia. “Muitos usavam abreviações que ninguém entendia, e aí eu fui mostrando pra eles algumas que se referem à linguagem atual”, ressalta Malu. Realmente, para compreender coisas como ‘Tqr’ (tem que respeitar), ‘Tlg’ (tá ligado?), ‘Sv’ (suave), ‘Vdb’ (vai dar bom) só mesmo com um dicionário ao lado.

O TBT não estava na pauta da reunião, mas os avós quiseram saber sobre o que se tratava. A neta explicou ser uma legenda que significa Throwback Thursday, gíria popular em inglês, que, traduzida, significa algo como ‘Quinta-feira da nostalgia’, quando o pessoal publica fotos mais antigas no Instagram. 

A avó, aliás, teve menção honrosa na cartilha. Segundo a estudante, o destaque não foi por nenhum erro grave, mas porque, entre outras coisas, ela coloca a pontuação “trinta e sete anos depois de ter escrito a frase”, brinca Malu. “Acredito que ganhei um tópico pra mim, provavelmente, porque sou mais convencional”, afirma Fátima Abreu, de 67 anos, que não pensa em mudar muito o seu modo de se comunicar: “Procuro me atualizar, mas, algumas vezes, deixo pra lá. É muita informação! De qualquer forma, permaneço com meu jeitinho de escrever, até porque, com quem mais me comunico, além da família, são minhas amigas, que também falam como eu”. 

Bastante ponderada, Malu acredita que, assim como o pessoal de sua geração, qualquer um consegue compreender a linguagem virtual. “Eu não acho que as pessoas mais velhas tenham dificuldade. Acho que eles podem se adaptar igual a gente se adaptou. O bloqueio vem mais de nós adolescentes mesmo”, avalia. 

Sarcasmo e ironia Por ora, Malu, que é usuária do Instagram, TikTok, Whatsapp, YouTube e, de vez em quando, Twitter, não pensa em produzir uma segunda edição da cartilha. Se o fizesse, porém, seria com enfoque na ironia e no sarcasmo, muito utilizados entre os adolescentes. Seguidora de personalidades da moda e do humor no Instagram, para ela, o grande problema é justamente a falta de senso de humor dos mais velhos para entender essas figuras de linguagem: “Isso acaba bloqueando a gente de falar com eles do mesmo modo que falamos com nossos amigos”, ressalta. 

Pesquisadora em Interação, Tecnologias Digitais e Sociedade pela Universidade Federal da Bahia (Ufba), a psicóloga Bianca Becker afirma que a ironia faz parte desta nova forma de se comunicar e, por isso, os códigos não-verbais, como emojis e até mesmo o ‘KKK’, são importantes para que não haja ruídos de comunicação. “Quando a interação é face a face, existe a piscada de olho, o tocar no ombro, o sorriso, o tom da voz, que são pistas fundamentais para o entendimento entre as pessoas. No ambiente virtual, não. Então, novos códigos foram criados como substitutos destas pistas não-verbais”, explica. 

De acordo com Bianca Becker, para além de ensinar os familiares mais velhos, que possuem referenciais sócio-culturais analógicos, o que Malu fez foi criar uma espécie de acordo de paz intergeracional. “A cartilha confirma que somos hoje uma cultura eminentemente conectada, em que coabitam gerações com vários referenciais culturais ao mesmo tempo. Ela está mostrando a cultura destas novas gerações, que já nascem em um mundo totalmente digitalizado, não apenas com uma lógica linguística, mas com uma lógica de construção de pensamento pautada pelas regras dos ambientes digitais. Nesse sentido, o mais bacana é colocar essas culturas para conversar”.

Glossário de termos usados na reportagemCringe - O termo tem origem inglesa e é utilizado como uma gíria para se referir aos momentos em que as pessoas passam por situações desconfortáveis e constrangedoras. Nas redes sociais, inclusive, a palavra é bastante usada, significando algo como “vergonhoso”, em tradução livre. Geração Z - Definição sociológica para a geração de pessoas nascidas, em média, entre a segunda metade dos anos 1990 até o início do ano 2010. Geração Alfa - Após a Geração Z, nascidos de 2010 até 2025. Batizada com o nome da primeira letra do alfabeto grego, é a primeira a ter nascido totalmente no século XXI. TBT - Abreviação para Throwback Thursday, que significa ‘Quinta-feira do retorno’ ou ‘Quinta-feira da nostalgia’. Costuma ser incluída em legendas para fotos antigas que os usuários publicam às quintas-feiras. Orientações gerais da cartilhaDiga NÃO às figurinhas e aos emojis de bebê.  Importante entender de abreviações para conseguir se comunicar. Não se ri com ‘kkk’ e ‘rs’, mas com ‘KKKKKKKKK’ e ‘KAKAKAKA’.  Não é necessário usar pontuação, mas, se usar, coloque ao fim da frase e não na outra linha. Tenha senso de humor para compreender as ironias e sarcasmos nas frases.