Caso Lucas Terra: Defesa diz que vai recorrer da sentença de júri popular

Fernando Aparecido da Silva e Joel Miranda foram condenados a cumprir 21 anos de prisão pelo assassinato de Lucas Terra

Publicado em 28 de abril de 2023 às 05:00

- Atualizado há 9 meses

. Crédito: Marina Silva/CORREIO

A defesa dos pastores Fernando Aparecido da Silva e Joel Miranda vai recorrer à sentença que condena a dupla a cumprir a pena de 21 de prisão pelo assassinato de Lucas Terra. O júri popular do caso Terra terminou às 21h46 desta quinta-feira (27). Por voto da maioria, os sete jurados, sendo cinco homens e duas mulheres, entenderam que os réus acusados são culpados pelo homicídio triplamente qualificado de Lucas Terra. As qualificadoras dizem respeito ao motivo torpe incitado por vingança, posta a negativa do jovem às investidas sexuais dos condenados, emprego de meio cruel por uso do fogo e impossibilidade de defesa da vítima.

A sentença foi proferida pela juíza Andréa Teixeira Lima Sarmento Netto, após votação dos jurados, que durou cerca de uma hora na sala secreta do Tribunal do Júri do Fórum Ruy Barbosa. O resultado põe fim ao julgamento que durou três dias consecutivos, sendo os dois primeiros dedicados à oitiva de 15 testemunhas e o último à apresentação de provas técnicas e debates entre as equipes de acusação e defesa.

A acusação de ocultação de cadáver por parte dos condenados foi reconhecida pela juíza, mas prescreveu. Por não haver trânsito em julgado, Fernando Aparecido da Silva e Joel Miranda vão cumprir a pena inicialmente em liberdade. Segundo o entendimento do Tribunal, não motivo que demande a prisão imediata de ambos. 

Repercussão

Assim que a sentença foi proferida, familiares e amigos de Marion Terra, mãe de Lucas Terra, quebraram o decoro e ecoaram gritos de "assassinos" para os condenados, que rapidamente foram retirados do tribunal. Muito emocionada, Marion chorou e afirmou que a justiça foi feita pelo seu filho e marido.

"É pelo Carlos, pelo Lucas. Estou feliz que esses homens saíram daqui julgados e condenados. Estou muito emocionada, sem palavras. Quero agradecer o apoio de toda a sociedade baiana, aos jornalistas que nunca nos abandonaram. Essa vitória não é só minha, é de todas as mães e pais. Agora vou fechar meu luto e continuar apoiando as famílias que muitas vezes perdem a esperança de lutar", declarou. 

Do outro lado do tribunal, as esposas e filhos de Fernando e Joel choraram e se recusaram a ser contatadas. Uma das filhas de Fernando entrou em desespero e precisou ser consolada pela esposa de Joel. Todos saíram sem falar com a imprensa.

Promotor do caso, Davi Gallo considerou a pena aplicada aos pastores adequada aos crimes cometidos. "A pena é adequada. Dificilmente haverá recurso, mas eles vão apelar. Pela tendência das provas e pelo que foi apresentado no plenário de julgamento, com certeza essa sentença permanece", analisou.

Ele também explicou o motivo para o crime de ocultação de cadáver ter prescrito. "Pelo decurso do tempo, em face do artigo 109 do Código Penal, ele estava prescrito e a juíza reconheceu, o que denota o senso de justiça e a sede de justiça que tinha o povo baiano em relação a esse fato criminoso", afirmou.

Advogado de defesa de Fernando e Joel, Nestor Távora falou com a imprensa pela primeira vez desde o início do júri e garantiu que a defesa não vai se conformar. "O julgamento aconteceu, o júri popular analisou o que foi trazido, mas a defesa pretende recorrer e levar a matéria ao tribunal. Cabe à defesa analisar a decisão e apontar os pontos de desacordo", afirmou.

Acusação

Por volta das 14h55, o promotor Davi Gallo iniciou o período de apresentação das provas técnicas aos jurados com a exibição do vídeo em que Silvio Galiza, pastor condenado pela morte de Lucas Terra - que atualmente cumpre a pena em liberdade após três anos de reclusão -, aponta o envolvimento de Fernando Aparecido da Silva e Joel Miranda no assassinato do jovem, ocorrido em março de 2001. Sustentando a tese de que Silvio não seria o único autor do crime, ele relembrou que o papel inicial dele no caso foi o de atrair Lucas para o local de sua morte.

"Silvio Galiza levou ele para a morte dizendo 'vamos para o Rio Vermelho fazer um propósito de oração. O que ele não sabia era que estava indo para o matadouro, onde juntamente com Galiza, esses dois algozes [Fernando e Joel] esperavam para satisfazer a lascívia", alegou o promotor, referindo-se a um suposto estupro seguido de morte do qual Lucas teria sido vítima. 

Apesar da menção ao estupro, o promotor lembrou que abandonou a tese por falta de provas, uma vez que o corpo de Lucas foi carbonizado e não houve condições de realizar laudo que pudesse indicar o crime. Ainda com base no depoimento de Silvio, ele reforçou que Lucas estava com a voz de 'quem chorou muito' antes mesmo de falar com seu pai pela última vez às 22h09 da noite do crime. 

Ao reconstituir o dia seguinte ao desaparecimento de Lucas, Davi Gallo afirmou que Carlos Terra, pai da vítima, teria ido inicialmente à igreja da Santa Cruz à procura do filho logo no início da manhã. A versão foi contraditória, posto que na noite anterior Lucas havia ligado para seu pai avisando que dormiria na Igreja Universal do Rio Vermelho, sendo este, então, o primeiro local onde poderia verificar o paradeiro do jovem.

Ainda na apresentação das provas técnicas aos jurados, a acusação leu trechos do laudo da perícia técnica do possível local do crime e trechos de depoimentos de Martoni e Tatiana Santos, obreiros que eram amigos de Lucas e o viram no dia em que o caso ocorreu. Nesses relatos, Davi enfatizou que Fernando proibiu Martoni de andar com Carlos Terra logo após o pai do menino pressionar Galiza por informações do filho. Para ele, esse era o indicativo de que, na época, Fernando queria inocentar Silvio Galiza porque era seu cúmplice.

Defesa

Por quase duas horas, a equipe de defesa de Fernando Aparecido da Silva e Joel Miranda negou que seus clientes tenham sido autores do crime que resultou na morte de Lucas. Segundo os advogados Nestor Nerton Fernandes Tavora Neto e Nelson da Costa Barreto Neto, Silvio Galiza havia sido o mentor e responsável pelo assassinato, e estava acusando seus clientes tão somente para diminuir sua pena. A defesa alegou que, inclusive, na noite em que o caso ocorreu, Lucas não se encontrou com Fernando ou Joel.

"Luciano [obreiro da Igreja Universal da Santa Cruz na época] disse 'não vá para a igreja da Pituba, essa hora Fernando pode não estar mais lá'. Maurício disse que mudou de plano quanto a ir para a igreja. Mudou de plano porque Silvio Galiza demoveu Lucas para a igreja do Rio Vermelho, porque já era 21h30, ele conhecia a rotina e tinha as chaves porque era pastor auxiliar", argumentou Nestor.

A defesa ainda analisou trechos do vídeo em que Silvio Galiza aponta o envolvimento de Fernando e Joel. De acordo com eles, havia inconsistências  e induções no relato de Galiza. Em um desses trechos analisados, Silvio diz que recebia dinheiro da Igreja Universal para sustento da família e é indagado pelo Ministério Público se aquele não seria um dinheiro para também mantê-lo em silêncio. Ele diz que sim e muda a versão. 

Em outro momento, o advogado Nelson da Costa Barreto também questionou a ausência de Silvio no júri popular, uma vez que a tese da acusação era majoritariamente baseada no depoimento dele. "O único elemento de prova é esse vídeo, porque Galiza não foi trazido aqui. Se tivesse sido trazido, vocês seriam apresentados a esses homens e suas diversas versões", disse. 

Conforme Nelson, as diversas versões dizem respeito aos depoimentos contraditórios de Silvio Galiza, que trouxe diferentes depoimentos ao longo do período que corresponde até o segundo júri popular ao qual foi submetido. Para a defesa, esse era o indicativo de que ele era culpado e poderia ter tido cúmplices. No entanto, em momento foi admitida a participação de Joel e Fernando como sendo esses comparsas de Galiza.

Igreja Universal

Após a condenação dos pastores, a Igreja Universal não se pronunciou sobre a sentença. Anteontem, no segundo dia do júri iniciado na terça (25),  a entidade emitiu  nota após os depoimentos das testemunhas da defesa, afirmando estar  ‘completamente convicta quanto à inocência de Fernando Aparecido da Silva e Joel Miranda’. "Em relação aos dois — ambos com quase 32 anos de ministério —, jamais foi encontrado comportamentos, provas ou indícios que os coloquem na cena deste crime tão brutal e lamentável", diz o texto.

*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro