Como costureiras do sertão baiano triplicaram renda em 2020 com a pandemia

Conheça a história das mulheres do Ateliê Forte Severina, de Canudos, e veja dicas para empreender no ramo da costura

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  • Hilza Cordeiro

Publicado em 31 de janeiro de 2021 às 11:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Fotos: Divulgação/Ateliê Forte Severina

Da casa de tijolos de barro feita pelas próprias mãos direto para um lar de alvenaria. A vida da costureira Valdinês Mendes, 52, moradora do povoado do Raso, no sertão de Canudos, deu um salto econômico no último ano. Se 2020 foi um ano perdido para muitos, para as 12 mulheres que, como ela, trabalham no Ateliê Forte Severina foi uma grande oportunidade de aumentar a renda e ainda ajudar a combater a covid-19. Em pouco tempo, elas saíram da condição de alunas do curso de costura para serem requisitadas empreendedoras, fornecendo máscaras e aventais para as unidades de saúde de prefeituras da região.

A expansão do negócio começou despretensiosa. Com o vírus se alastrando pelo interior da Bahia, as mulheres passaram a confeccionar máscaras e doar para os vizinhos. Na época, os insumos estavam esgotados no estado e a propaganda boca a boca fez a Prefeitura de Canudos saber que tinha potencial de produção ali mesmo, na sua zona rural. Depois, as administrações de Uauá e Euclides da Cunha, a 62 Km e 83 Km do povoado, respectivamente, também passaram a fazer encomendas, inicialmente de 10 mil peças. 

Essa renda proveniente dos produtos para enfrentamento da doença tem mudado para melhor a vida de mulheres como Valdinês, Eva, Rita e demais profissionais do ateliê, que seguem produzindo para as prefeituras e, assim, têm ganhado, em média, um salário mínimo. 

“Foi um ano difícil, mas pelo menos a gente estava trabalhando, tive um dinheiro que me ajudou muito no meu sonho de construir minha casa porque a que eu tenho é sem reboco, uma parede podia cair a qualquer momento”, conta Valdinês, que antes do Forte Severina tinha trabalhos esporádicos com enxada em fazendas ou de serviços gerais em ‘casas de família’. Com apenas um ano trabalhando como costureira, a sertaneja diz ter triplicado a renda mensal em relação ao que ganhava antes.

Mais velha do grupo, a colega Rita Pereira Santos, de 53 anos, tem uma história parecida. Com o avanço da idade, ela já vinha cansada de viver pegando carona em motos para trabalhar em fazendas, cuidando das criações de bode alheias. Seu sonho era mesmo ser costureira e encontrou um terreno fértil para aprender e empreender. “A doença se espalhou e atrapalhou todo mundo, mas a gente pode ajudar e fomos ajudadas. Com o dinheiro, eu pude comprar móveis para minha casa e ainda quero construir um banheiro. A gente nunca teve dinheiro suficiente para isso e agora estou vendo que dá para juntar e fazer”, conta ela. 

Rendimento

Em média, cada mulher produz 40 máscaras, o que resulta em cerca de 500 peças por dia de trabalho no empreendimento. Feito em tecido TNT, considerado um dos mais acessíveis e eficientes do mercado, o produto de proteção é vendido às secretarias municipais de saúde a R$ 0,98 a unidade. As costureiras ganham conforme a produção individual. Se vende 10 mil peças, por exemplo, o ateliê inteiro consegue, então, R$ 9,8 mil, desconsiderando os custos de confecção.

Mãe de duas crianças, Eva Maria Guimarães, 26, tinha como ofício único o cuidado da roça e dos meninos. A renda para botar as coisas em casa vinha basicamente do Bolsa Família, que, hoje, varia de R$ 41 a no máximo R$ 205. O complemento vinha a partir do marido dela, que faz serviços eventuais de conserto de cercas e corte de mato com foice. “Eu vivia dentro de casa com os meus filhos e, de repente, um curso mudou minha vida. É muito ruim essa situação de vidas perdidas, mas, para mim, sinto que estou vivendo outros tempos, tempos melhores porque comprei televisão e pude colocar internet para meus filhos estudarem em casa”, diz ela.

O projeto do ateliê é chancelado pelo Instituto Brasileiro de Expedições Sociais (Ibes), que as assessora e dá suporte na prospecção de clientes. Com o currículo de prefeituras como clientes, o Forte Severina já fechou uma nova parceria pra produção de parte das camisetas criativas, shorts, vestidos, maiôs e outros produtos da marca Relaxiaê, sediada em Feira de Santana, a 290 Km de Canudos. O ateliê também fornece insumos para uma empresa de home care de Petrolina, em Pernambuco. 

Presidente do Ibes, Victor Bigoli explica que, com a cartela atual, a renda das mulheres tem ficado em torno de um salário mínimo, mas varia para mais ou para menos. O repasse está atrelado ao volume de compra dos materiais. Bigoli conta que 2020 estava desenhado para ser um ano de aprendizado de corte e costura, mas o projeto foi surpreendido com o surgimento da oportunidade de contribuir com as prefeituras. “Elas tiveram renda um ano antes do previsto e isso as ajudou bastante porque calhou de ser um ano atípico. Muitas delas não teriam renda para passar esse ano difícil”, observa ele.

Como empreender na costura?

Para repetir o sucesso destas costureiras, é preciso entender um elemento fundamental: se você quiser trabalhar para grandes clientes, é necessário atuar em rede, adianta a empreendedora social Karine Oliveira, chefe da Wakanda Educação, empresa que traduz conteúdos de negócios para a linguagem informal. A atuação em rede permitirá que seu pequeno negócio atenda encomendas volumosas.

Se você só consegue produzir 100 máscaras por dia e o cliente precisa de 5 mil peças num prazo curto, levará quase dois meses para que o pedido fique pronto. Então, fica difícil fazer sozinha. Busque ao seu redor outros pequenos empreendedores que trabalham no mesmo ramo e firme parceria para te dar força de trabalho para atender esse tipo de cliente.  

Feita a rede, saiba que vocês vão precisar trabalhar em equipe. Se alguém não fizer a parte que lhe cabe, todo mundo perde dinheiro e pode se indispor com o contratante. "Não existe trabalho individual", reforça a empresária. 

Grandes clientes como prefeituras e empresas privadas precisam de apresentação de nota fiscal, já que eles têm que prestar contas de seus gastos, então será importante que o negócio esteja formalizado com CNPJ. É possível abrir um MEI ou Simples Nacional. Se tiver dúvidas sobre esses procedimentos, busque instituições como o Sebrae. Por fim, para que encomendas volumosas não sejam apenas algo pontual na história do seu negócio, mantenha alguém do grupo responsável pela captação de novos cliente.