Conheça mais sobre a demência que matou Robin Williams

Corpúsculos de Lewy provoca a perda das funções cognitivas, dificuldade para realizar tarefas diárias e mudança no comportamento

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  • Laura Fernades

Publicado em 8 de novembro de 2020 às 07:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Divulgação

Alucinações, mudanças de humor, problemas motores e de memória... O ator Robin Williams não entendia o que estava acontecendo com sua mente. “Já não sou eu”, disse ao diretor Shawn Levy, durante as gravações de seu último filme, Uma Noite no Museu 3: O Segredo da Tumba. Admirado pelo público por sua leveza e seu humor, Robin morreu aos 63 anos sem saber o que estava tirando seu brilho.

Só depois da autópsia é que o mistério foi desvendado: ele tinha demência por corpos ou corpúsculos de Lewy. A doença degenerativa e sem cura é o quarto tipo de demência que mais afeta as pessoas no mundo. Ao descobrir a causa real que fez Robin se suicidar em outubro de 2014, sua mulher Susan resolveu contar a verdade no documentário Robin’s Wish, lançado em setembro nos Estados Unidos.

 Ainda sem previsão de ser exibido no Brasil, o filme mostra os últimos dias do ator e tenta conscientizar o público sobre a doença estudada há pouco mais de 30 anos pela comunidade científica. Sem saber o que estava enfrentando, Robin morreu apenas seis meses após apresentar os primeiros sintomas, seis anos atrás.“Quando trabalhei com a família dele, há 20 anos, não havia o menor sinal da doença”, lembra a jornalista baiana Ariane Matos, 45, que foi babá dos filhos da sobrinha de Robin e por vezes visitou a casa do ator.Quando soube da morte dele, Ariane já estava morando no Brasil e foi pega de surpresa. “Senti muito. Você vê que é uma coisa de gênio, sabe? E de repente a pessoa se vê doente”, contou ao CORREIO.

A imagem do Robin desorientado não condiz com o que ficou guardado na memória da jornalista: um homem simples, gentil e bem-humorado que muitos nem saberiam ser ator de Hollywood, não fosse a estatueta do Oscar que viu de perto em sua casa. “É aquela coisa de gente iluminada”, resume Ariane, que lembrou de uma viagem em que acompanhou a família e testemunhou quando Robin saiu do hotel para andar sozinho no meio das ruas de Nova York.

Louco A jornalista até se arrepende de não ter aproveitado mais as poucas oportunidades ao lado da estrela que, ao saber que ela era brasileira, foi para a cozinha puxar assunto “falando tudo o que sabia do Brasil”, ri Ariane. “Mas eu, toda profissional e bem besta que era, não dei brecha. Na época estudava cinema e tinha muito assunto pra falar, mas não queria sair do lugar de babá e incomodar ele”, justifica.

Observando mais e falando menos concluiu seu trabalho e guardou a experiência na memória. “Robin era muito esperto, muito inteligente. Acho que saiu da curva, né? Não dava para imaginar um fim como esse. Não tem como imaginar. Não vi nenhum sinal, só genialidade mesmo. Tendo a pensar que a genialidade e a loucura ficam bem perto, de algum jeito elas se encontram”, reflete.

Em vida, o ator não conversou sobre o problema. Por isso, o documentário reúne depoimentos de amigos e parentes sobre o tema. Apesar disso, o filme traz falas de Robin sobre os mistérios que envolvem o funcionamento da mente. “O cérebro é uma glândula extraordinária. Quando você acha que conseguiu entendê-lo, ele surge com algo novo”, diz o protagonista, em uma das cenas.

Responsável pela produção do documentário, a viúva do ator, Susan Schneider-Williams, disse que o que ele mais queria em vida era “nos ajudar a ter menos medo”. “Este era o desejo de Robin [em inglês, Robin’s Wish]. Nós discutimos muitas vezes sobre qual queríamos que fosse o nosso legado; quando fôssemos embora, como gostaríamos que as pessoas se sentissem? Robin sempre disse, sem pestanejar: ‘Quero que as pessoas tenham menos medo’”.

Estranhamento Daí a necessidade de falar sobre a doença, que não é fácil de lidar nem pelo paciente, nem pelos parentes. Acompanhar a mudança de personalidade é uma das dificuldades relatadas por quem enfrenta a demência na família. Um dia está tudo bem, no outro a pessoa esquece o caminho do trabalho, uma conta a pagar, um fato recente e pode até se tornar mais agressiva com quem nunca tinha alterado a voz. Nos casos mais avançados, pais não reconhecem os próprios filhos.“É muito difícil para a família lidar com qualquer demência, porque seu ente querido está relativamente bem no início, mas só piora com o tempo. No caso da doença por corpúsculos de Lewy, a evolução é mais rápida. O paciente pode estar normal e mudar completamente de uma hora para outra. A pessoa até pensa que ‘ficou maluco’”, explica o neurologista Pedro Antônio Pereira, 53.Professor da Ufba e chefe do serviço de neurologia do Hospital Santa Izabel, Pedro afirma que o desgaste familiar é grande, já que a doença faz o paciente perder funções diárias comuns como deglutir, tomar banho e trocar de roupa. “Vai ser necessário um suporte, porque a pessoa vai precisar de alguém para fazer sua higiene pessoal e isso evolui muito rápido. Para a família é bem difícil”, reforça.

Sem cura Uma pessoa desenvolve demência a cada 3 segundos no mundo, alerta o psiquiatra Cássio Silveira, 33, especialista em psicogeriatria pela USP. Cássio acredita que o caso de Robin Williams chama a atenção e deixa o convite para o debate em torno do tema. Para dar uma dimensão da doença que tem forte componente genético, o psiquiatra cita alguns números.

O envelhecimento é o fator de risco mais forte, com mais de 90% das demências apresentando-se após os 65 anos, afirma. “Cerca de 46,8 milhões de pessoas no mundo sofriam com a demência em 2015. Acredita-se que esse número atingirá 75 milhões em 2030 e 131,5 milhões em 2050”, alerta o psiquiatra.

A forma mais comum, e por isso mais conhecida, é o Alzheimer, seguida pela demência vascular, a fronto-temporal e a por corpúsculos de Lewy. Seja de qual tipo for, a demência é um processo cognitivo com perda das funções mentais, esclarece o neurologista do Hospital Português, Daniel Farias, 41.

Além do comprometimento cognitivo presente em todos os tipos, o caso por corpúsculos de Lewy apresenta alteração comportamental expressiva. Isso acontece por conta do depósito de uma proteína no cérebro que provoca lesão progressiva. Cada vez que os corpúsculos são depositados, o cérebro vai perdendo sua função e há uma morte rápida dos neurônios.

“Alguns fatores de risco favorecem as demências, então é importante evitar o tabagismo, controlar a pressão alta, a diabetes e fazer atividades físicas regulares. Fundamental também ter atividades intelectuais e laborais”, explica o neurologista.

Identificada a partir de diagnóstico clínico e confirmada só após a autópsia, a demência por corpúsculos de Lewy precisa de acompanhamento multidisciplinar. “Infelizmente ainda não há cura para a demência, mas há estratégias para que a progressão ocorra de maneira mais lenta e o paciente tenha qualidade de vida”, afirma o psiquiatra Cássio Silveira, sobre artifícios cognitivos que estimulam o cérebro (veja a lista abaixo).

Durante a pandemia, o profissional percebeu um agravamento da demência em seus pacientes. “Com o isolamento social, os idosos – grupos de risco – estão em casa. O estímulo cognitivo cessou. Alguns pioraram a irritabilidade, porque se viram privados do contato com o outro”, alerta. Por isso, reforça, é essencial ter uma rede de apoio e fortalecer o debate sobre o tema.

Confira 10 dicas para retardar a perda da função cerebralFaça atividades manuais diferentes das que está acostumado Aprenda um instrumento musical Aprenda uma nova língua Faça exercício físico regularmente Beba água (média de 2 litros por dia) Tenha uma dieta adequada, consumindo menos gordura Não fume Leia livros, jornais, revistas e outros textos Busque se manter na ativa depois da aposentadoria Controle outras doenças como hipertensão e diabetes Cinco sintomas para identificar a demênciaPerda da memória recente Desorientação Dificuldade para realizar tarefas diárias habituais Dificuldade para encontrar palavras usadas com frequência Irritabilidade, agressividade e outras mudanças no comportamento