De quando deus mandou uma pandemia pra cancelar o Carnaval

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  • Flavia Azevedo

Publicado em 20 de fevereiro de 2021 às 11:00

- Atualizado há um ano

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O ano é 2021, estamos no Brasil e fui informada de que deus ficou muito chateado com um determinado desfile de uma determinada escola de samba, no ano passado. Não gostou, não achou legal. Foi por isso que, pra se vingar, decidiu meter um vírus mortal lá na China para que esse vírus se espalhasse pelo mundo inteiro, matasse milhões de pessoas e, por fim, cumprisse sua missão: cancelar o Carnaval do Rio de Janeiro.

Sempre criado à nossa imagem e semelhança, claro. No singular ou no plural. Deuses, deusas, entidades ou a ausência disso, tudo é traço cultural e não tô aqui questionando a fé no invisível porque o que foi criado existe e atua, em minha opinião. Por outro lado, também acho inquestionável que o lado de lá seja povoado por nossas criações. Se não fosse assim, seria tudo igual na Índia, na Bahia, na Dinamarca, em Cuba, em Brotas e na Suécia, onde quase nem tem deus e tá tudo muito bem, obrigada. O mundo é vasto e a fé, acaso histórico e construção.

Deus é uma ideia e o divino derivado da nossa subjetividade, neste momento, é esse aí. Posso fazer nada. Como se não bastassem todos os outros problemas, chegamos ao dia em que deus mandou uma pandemia pra cancelar o Carnaval do Rio. É esse deus, assim, que existe por aqui. Creia. Isso dito ironicamente, mas também chamando a sua atenção para o fato de que ele existe e se manifesta em boa parte das pessoas com quem você cruza, todos os dias. É esse deus que habita muitos corações, é ele que anda nas bocas e rezas. É ele que julga e atua. Um deus sem esquinas, incapaz de entender metáforas e alegorias. Deus infeliz. Deus pequeno. Deus violentíssimo.

("A voz de deus é a voz do povo", gosto mais assim.)

É preciso admitir que o ministro foi lúcido, que o que ele disse faz todo o sentido. E se é assim, criamos um deus do qual precisamos nos proteger. Um deus contra o qual temos que nos imunizar, mas ele vem e incorpora nas pessoas que botam ar dentro das seringas, assim como na enfermeira que prefere não injetar a vacina. Um deus que nos faz achar desnecessárias as máscaras de proteção e normal entregar idosos em sacrifício, porque sim. Ele mesmo, pessoalmente, faz com que jovens ignorem o perigo e dancem alegremente, mas agora são esses jovens que a praga dele também vem matar. Um deus que nos induz a negar a peste e que faz com que a horda de contaminados por deus chame cientistas de loucos, cuidadosos de neuróticos e de covardes os que são minimamente responsáveis, no meio do caos.

Esse é o pai nosso que está no céu, pelo que disse o ministro, e eu acho que ele tá certinho. Contra esse deus é que precisamos pedir proteção. Nossa dor coletiva, há muito tempo, tem sido deus armado, incorporado por cada humano que se embrutece, neste país. São milhões de zumbis, quase como no jogo que meu filho queria baixar e eu não deixei. Me deu agonia, é realista demais. Basta olhar ao redor: nada se parece mais com The Last of Us do que o agora, aqui.