Quem vai herdar o brega de Dona Cabeluda?

Estabelecimento é um dos mais tradicionais de Cachoeira; destino das 'cabeludetes', como são chamadas as trabalhadoras do local, ainda é incerto

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  • Raquel Brito

Publicado em 8 de maio de 2024 às 05:30

Cabeluda comandou por décadas o brega de mesmo nome
Cabeluda comandou por décadas o brega de mesmo nome Crédito: Ana Lucia Albuquerque/CORREIO

Para quem passa pela discreta casa azul de número 12 próximo à orla de Cachoeira, aquele parece só mais um dos domicílios da região. No espaço, porém, funciona há décadas um dos bregas mais tradicionais da cidade, criado por Renildes Alcântara dos Santos, popularmente conhecida como Dona Cabeluda.

A cafetina, considerada a mais famosa e antiga da região, morreu nesta segunda-feira (6), vítima de um infarto. Com a morte dela, surge a dúvida: quem irá assumir o estabelecimento?

Reinildes deixou três filhas biológicas e oito filhos adotivos. Segundo a família, o brega irá agora para a filha biológica mais próxima, Natalice Alcântara. “Tem dívidas, coisas para acertar. Então, eu tenho que tomar a frente e resolver isso”, conta Natalice.

A herdeira, que não mora na cidade, diz ainda estar resolvendo a logística envolvida no comando do brega. Com dois filhos para cuidar, ela precisará ir e voltar de um município para outro com frequência.

Segundo ela, após a morte da mãe, as “meninas” ou “cabeludetes”, como são chamadas as trabalhadoras do local, tiveram a opção de ir embora, mas escolheram continuar na casa. “Era um carinho muito grande. Ela ajudava a todos”. 

O imóvel, que funciona como brega, bar e também era o lar de Dona Cabeluda, tem três quartos para aluguel além do que pertencia à matriarca. Em média, nove meninas passam por lá semanalmente.

A porta de entrada é aberta para quem quiser entrar. Após um corredor, o átrio da casa reúne mesas, cadeiras e uma máquina de música jukebox, de uso democrático: "Você chega e escolhe a música que quer ouvir. Só tem que respeitar a ordem de chegada", diz Aguinaldo de Souza, também filho da cafetina.

Aguinaldo deixa evidente o apoio à ideia da irmã assumir. “Ela é nossa matriarca agora, a mais velha das mulheres”, afirma.

Enterro parou Cachoeira

A letra de Pagu, canção de Rita Lee dedicada à poetisa modernista Patrícia Galvão, uma das mulheres mais polêmicas e à frente do tempo, ecoou repetidas vezes pelas ruas de Cachoeira na tarde desta terça-feira (7).  A cidade do recôncavo baiano parou para acompanhar o cortejo de despedida de Renildes Alcântara dos Santos, conhecida como Dona Cabeluda, cafetina mais famosa da região. Ela faleceu nesta segunda-feira, aos 80 anos, vítima de um infarto.

Cabeluda foi enterrada no Cemitério Municipal de Cachoeira, após seu corpo ser velado na Câmara Municipal da cidade. Ela deixa três filhas biológicas e oito filhos adotivos. Natalice, filha biológica com quem mais tem contato, herdará o brega após a morte da mãe.

Devota de Santa Bárbara, ela é natural de Itabuna, mas viveu pelos últimos 40 anos em Cachoeira. Saiu de casa aos 12 anos, após ser agredida pela família. Depois disso, se casou com um homem de 30 anos, que também a agredia. Desse casamento, teve as duas primeiras filhas.

No velório, o cantor preferido de Renildes, Danton do Acordeon, cantou algumas das músicas que ela mais gostava. “Cinco letras que choram”, de Francisco Alves, ao mesmo tempo em que homenageava a preferência da cafetina, descrevia o sentimento dos amigos e parentes.

Para Gleysa Teixeira, autora do livro Uma História de "Cabeluda": Mulher, Mãe e Cafetina, a sensação de perder a amiga é de vazio. "Meu maior prêmio era ter ela viva, então eu estou muito triste, mas vou ter que seguir sem ela. Dona Cabeluda foi uma mulher forte, guerreira, batalhadora e uma história de vida potente. Todo mundo aqui conhece a história dela, mulher caridosa, que ajudou muita gente, criou vários filhos e várias mulheres, sejam mulheres da vida ou que não eram da vida. Todo mundo que batia na porta dela, ela ajudava, buscava dar consolo", relatou.

Na região, ela era conhecida também pela bondade. “Uma parte de Cachoeira morre também com ela”, vociferou um morador no momento em que se despedia do corpo de Cabeluda.

O administrador Edvaldo de Jesus, 45, foi secretário de Reparação Racial no município. Ele contou que Cabeluda era uma visita frequente nessa época. “Ela me pedia cestas básicas para dar para as pessoas que estavam precisando, principalmente as pessoas que viviam dentro da casa dela, as meninas que trabalhavam. Ela era uma mãe para todos”, relembrou.

*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro.