DONA CABELUDA

Cachoeira se despede de Cabeluda, dona do brega mais famoso da cidade

Dona Cabeluda, como era conhecida, morreu na segunda-feira (6)

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  • Raquel Brito

Publicado em 7 de maio de 2024 às 22:21

Sepultamento aconteceu na tarde desta terça (7)
Sepultamento aconteceu na tarde desta terça (7) Crédito: Ana Lucia Albuquerque

A letra de Pagu, canção de Rita Lee dedicada à poetisa modernista Patrícia Galvão, uma das mulheres mais polêmicas e à frente do tempo, ecoou repetidas vezes pelas ruas de Cachoeira na tarde desta terça-feira (7). A cidade do recôncavo baiano parou para acompanhar o cortejo de despedida de Renildes Alcântara dos Santos, conhecida como Dona Cabeluda, cafetina mais famosa da região. Ela faleceu nesta segunda-feira, aos 80 anos, vítima de um infarto.

Cabeluda foi enterrada no Cemitério Municipal de Cachoeira, após seu corpo ser velado na Câmara Municipal da cidade. Ela deixa três filhas biológicas e oito filhos adotivos. Natalice, filha biológica com quem mais tem contato, herdará o brega após a morte da mãe.

Devota de Santa Bárbara, ela é natural de Itabuna, mas viveu pelos últimos 40 anos em Cachoeira. Durante a infância, sofria agressões dos pais e, aos 12 anos, se casou com um homem mais velho. O marido também era abusivo e a maltratava, o que fez a jovem fugir após quatro anos de casamento. Dessa união vieram as duas primeiras filhas, que deixou com a mãe ao sair de casa.

No velório, o cantor preferido de Renildes, Danton do Acordeon, cantou algumas das músicas que ela mais gostava. “Cinco letras que choram”, de Francisco Alves, ao mesmo tempo em que homenageava a preferência da cafetina, descrevia o sentimento dos amigos e parentes.

Para Gleysa Teixeira, autora do livro Uma História de "Cabeluda": Mulher, Mãe e Cafetina, a sensação de perder a amiga é de vazio. "Meu maior prêmio era ter ela viva, então eu estou muito triste, mas vou ter que seguir sem ela. Dona Cabeluda foi uma mulher forte, guerreira, batalhadora e uma história de vida potente. Todo mundo aqui conhece a história dela, mulher caridosa, que ajudou muita gente, criou vários filhos e várias mulheres, sejam mulheres da vida ou que não eram da vida. Todo mundo que batia na porta dela, ela ajudava, buscava dar consolo", relatou.

Na região, ela era conhecida também pela bondade. “Uma parte de Cachoeira morre também com ela”, vociferou um morador no momento em que se despedia do corpo de Cabeluda.

O administrador Edvaldo de Jesus, 45, foi secretário de Reparação Racial no município. Ele contou que Cabeluda era uma visita frequente nessa época. “Ela me pedia cestas básicas para dar para as pessoas que estavam precisando, principalmente as pessoas que viviam dentro da casa dela, as meninas que trabalhavam. Ela era uma mãe para todos”, relembrou.

Prova do carinho da região por ela, o enterro da cafetina uniu todas as classes de Cachoeira. No local estavam autoridades religiosas, políticas, intelectuais, artistas e, sobretudo, o povo, que cresceu com relatos sobre a famosa Dona Cabeluda, que acolhia a todos sem julgamentos.

“Eu estava há mais de dez anos aqui e, mesmo assim, não tinha escutado falar de Cachoeira pela boca e cabeça de dona Cabeluda”, relatou a museóloga Joana Flores, após contar que conhecia a cafetina de nome há muitos anos, mas só teve a oportunidade de conversar com a senhora recentemente, enquanto ela estava sentada na frente de casa.

“Mais cedo, passei por uma senhora, de família bem tradicional mesmo, lamentando a morte dela. Dizia: ‘meu Deus, o brega vai acabar. Ninguém vai saber comandar como ela, com o pulso firme que ela tinha’”, disse Elvira Pereira, professora e vice-diretora do Centro de Artes, Humanidades e Letras (CAHL) da Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB).

*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro.