Dos presídios às escolas: concessões públicas de serviços que são sucesso pelo mundo

Muito antes do Brasil: especialistas destacam experiências em diversos segmentos e serviços públicos

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  • Priscila Natividade

Publicado em 23 de outubro de 2021 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Brian Baer/Divulgação

Um contrato com um terceiro, geralmente uma empresa privada, que concede o direito de desenvolver e explorar economicamente um serviço ou ativo público. O conceito não é novo, porém, não faz tanto tempo assim, que os modelos de concessão ganharam espaço no Brasil, se a gente parar para pensar que o país só começou a abrir as fronteiras para esses investimentos, a partir dos anos 90. Foi assim, que empresas internacionais, como a italiana Enel, a espanhola Iberdrola (controladora da Neoenergia), a portuguesa EDP Energia e a chinesa State Grid (controladora da CPFL Energia), que chegaram por aqui e conquistaram contratos em setores estratégicos.  

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E se for falar das Parcerias Público Privadas (PPPs), elas começam a ganhar espaço, efetivamente só em 2004, com a criação da Lei das PPPs, que regulamentou o modelo. Enquanto o Brasil caminhava no aprimoramento do seu próprio processo, muitos países já haviam estruturado propostas inovadoras, principalmente, com destaque para Europa e América Latina. A Espanha, para se ter uma ideia, lá na década de 60 já começava a permitir a entrada do capital privado, sobretudo, nas rodovias.  Ao longo do tempo, foram criando mecanismos avançados para atrair cada vez mais novos investimentos. 

Ouvimos especialistas no assunto que destacaram a experiência de seis desses países – Chile, Inglaterra, Espanha, Austrália, Estados Unidos e França – que vão mostrar o quanto esse instrumento é importante para impulsionar a exploração de recursos e desenvolver a infraestrutura e prestação de serviços públicos, frente às crescentes limitações fiscais dos estados. Veja abaixo. 

1. Chile  O especialista em Políticas e Indústria da diretoria de Relações Institucionais da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Matheus Braga de Castro destaca a experiência do Chile como um exemplo inovador devido à experiência na concessão de rodovias.

Os chilenos adotam um processo de pré-qualificação de projetos, o que leva a um incremento no número de participantes nas licitações, ao apostar no aprimoramento dos editais, trazendo soluções que vão colaborar o aumento da confiança do investidor, minimizando os riscos.

Outro ponto que chama atenção está na forma de financiamento, já a fonte desses recursos pode ter origem desde nos capitais de investidores até empréstimos em bancos comerciais, inclusive, estrangeiros.“O modelo chileno é inovador pelo desenho dos contratos, em que o prazo de concessão varia de acordo com a realização da receita pelo concessionário, podendo se estender caso a arrecadação e o tráfego sejam abaixo do esperado ou reduzir, caso contrário. Quando a concessão é bem feita, estruturada e bem regulada, os efeitos são sempre positivos”, ressalta.   *

2. Inglaterra  Nas concessões de presídios na Inglaterra, a concessionária não é responsável somente pela estrutura, mas também precisa garantir a ressocialização do detendo se quiser receber do governo o percentual pago na concessão. Quem detalha essa experiência é o Líder de Government & Public Services da Deloitte, Elias de Souza:“O valor só é pago ao concessionário se ele conseguir atingir um percentual que reduza a reincidência. E aí, o que essa empresa vai fazer? Investir em educação, formação profissional para esse detento. Toda a preocupação passa a ser do concessionário e essa responsabilidade com a ressocialização, também”. *

3. Espanha  No caso da Espanha, Matheus Braga de Castro, da CNI traz mais um modelo de concessão rodoviária. Na legislação do país, o governo fica impedido de assumir riscos que aumentem os gastos públicos além do previsto em orçamento.  “No modelo espanhol, a legislação impede o governo de assumir riscos que impliquem o aumento do déficit público. O país também utiliza o modelo de subsídios cruzados, onde os trechos com tráfego suficiente para a cobrança de pedágios financiam os investimentos em rodovias secundárias dentro de um sistema administrado pelo mesmo concessionário”, esclarece.   *

4. Austrália  Aqui, Elias de Souza, da Deloitte, cita o que a Austrália vem fazendo em termos de concessão no segmento de educação – área que no Brasil ainda não tem nenhum modelo que dê acesso à iniciativa privada para prestar esse serviço.

Os contratos tanto na Educação Básica quanto no Ensino Fundamental precisam garantir que o estudante esteja mais preparado para lidar com as transformações tecnológicas e o mercado de trabalho, diferente de uma formação mais genérica, como acontece na escola pública comum.“É um modelo que já começa a ser replicado, inclusive, em países europeus como França e Finlândia. A remuneração está condicionada ao índice de reprovação escolar. Se a concessionaria consegue que aquela unidade tenha um nível de score alto e uma assimilação desse conteúdo por parte do aluno, ela vai garantir o valor pago pelo contrato”. *

5. Estados Unidos  Nos Estados Unidos, o país tem tentado equacionar as restrições orçamentárias e, ao mesmo tempo, manter em funcionamento os parques estaduais por meio das PPPs, conhecidas como whole park, como exemplifica a professora de Direito Administrativo e Gestão Pública Centro Universitário Jorge Amado (Unijorge) e doutoranda em Relações Internacionais pela Universidade Federal da Bahia (Ufba), Katiani Zape.“O whole park não demanda investimento de recursos públicos, havendo na maioria das vezes um pagamento, por parte do agente privado ao agente público, uma espécie de aluguel advindo de parte das receitas”.Neste formato o parceiro privado assume a responsabilidade de operacionalizar e manter o parque, garantindo a viabilidade econômica da unidade, assegurando a preservação das espécies do local. “O parceiro privado, por sua vez, tem sua receita auferida mediante cobrança de ingressos de acesso ao parque. O whole park foi utilizado com êxito pelo estado da Califórnia, em parques do Central Valley”, reforça Katiani Zape.   

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6. França  O desenho das concessões de distribuição de eletricidade em países europeus, entre eles a França, é mais um caso de sucesso no modelo de concessões em outros países do mundo. O pesquisador do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da Fundação Getúlio Vargas (FGV/CERI), Diogo Lisbona, ressalta que na França e também em países como a Itália e Espanha, os contratos induzem a modernização e digitalização das redes.“São concessões que permitem que todos os consumidores se beneficiem das novas funcionalidades e modalidades tarifárias. A digitalização ainda estimula a interligação de dispositivos através da internet das coisas e incentiva a eficiência energética, otimizando recursos e infraestruturas”.  

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