'É mais fácil ganhar um Brasileiro que 7 estaduais', diz Douglas

Maestro tricolor, camisa 8 foi salvo pelo Bahia e retribuiu na bola

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  • Gabriel Rodrigues

Publicado em 29 de setembro de 2019 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Marina Silva/Arquivo CORREIO

O Bahia salvou a vida de Douglas e afirmar isso não é exagero. Cria do Santos, o meia precisava tomar uma decisão em 1972. Tinha nas mãos duas propostas, uma do América-RJ, onde havia passado por um período de treinamentos, e outra do Bahia. A opção pelo tricolor mudou muito mais que o rumo do meia no futebol.

Nascido em Santos e de família santista, Douglas Franklin deu os primeiros pontapés na bola no principal clube da cidade. Mostrou seu talento nas categorias de base e não demorou muito para estrear no time profissional aos 17 anos, em 1967, contra a Seleção do Distrito Federal. O garoto deixou a marca dele na goleada por 5x1, que teve ainda gols de Coutinho, Wilson, Guerreiro e Pelé.

Entre 1967 e 1972, Douglas fez 77 gols com a camisa do Santos, o que o coloca como 30º maior artilheiro da história do clube. Mas convivia com um problema sem solução enquanto estivesse na Vila Belmiro: jogava na mesma posição de Pelé. E, após cinco anos no clube, o banco de reservas já incomodava. Em busca de protagonismo, Douglas decidiu deixar a Vila. O destino seria o América-RJ. Douglas optou pelo Bahia e fez história com a camisa tricolor (Foto: Arquivo/CORREIO) Depois de passar por um período de treinos, Douglas estava fechado com o clube carioca. Faltava apenas assinar o contrato quando o Bahia entrou em ação. A proposta do tricolor agradou o jogador, que decidiu mudar de rumo: veio para Salvador.

Naquele momento, Douglas nasceu de novo. O avião “Samurai”, modelo NAMC YS-11, da Vasp, que o levaria para o Rio de Janeiro colidiu com a serra de Maria Comprida, em Petrópolis, no dia 12 de abril de 1972. Todos os 25 ocupantes morreram. “O Bahia salvou a minha vida”, repete sempre o ex-jogador. A retribuição veio no campo.

“A minha história no Bahia é muito rica, mas a grande importância que eu acho em tudo isso é que eu sempre fui bem assessorado. Ninguém faz nada sozinho. Futebol é um conjunto”, responde Douglas ao ser questionado sobre o que construiu com a camisa do Bahia. A simplicidade não reflete os seus feitos.

A icônica fita amarrada na cabeça prendia a vasta cabeleira e se tornou marcante entre a torcida tricolor. Segundo maior artilheiro da história do Bahia, com 211 gols – atrás apenas de Carlito, que soma 253 -, Douglas pode se orgulhar de ser um dos quatro jogadores que participaram de toda a sequência do heptacampeonato baiano do Esquadrão (1973 – 1979). Além dele, só Sapatão, Baiaco e Fito gozam do mesmo prestígio.O craque não titubeia ao enaltecer o hepta: “Eu vou te falar uma coisa que muitos podem pensar que é besteira, mas é muito mais fácil conquistar um Campeonato Brasileiro do que sete campeonatos seguidos. Ainda mais na nossa época, com a rivalidade que existia, com a qualidade das equipes”, conta, por telefone, de Barretos (SP), onde mora aos 70 anos.Entre as histórias da campanha, Douglas conta que o Bahia era uma democracia em meio à ditadura militar que imperava no país. Depois de perder o título de 1972 para o Vitória, a diretoria reforçou a equipe para os anos seguintes e as contratações passavam pelo crivo dos atletas. Mais: eram eles que indicavam algumas das peças para os dirigentes.

“Quando foram contratar lá no Santos eu falei do Fito, do Picolé, com quem já tinha jogado. Eliseu (Godoy) veio primeiro do que eu, indicou alguns atletas, depois esses dois. Altivo foi indicação nossa, teve Romero, Ricardo Longhi... Foi mais ou menos assim. Existia a liberdade para a gente opinar”, revela.

Quem viu Douglas jogar garante que o meia foi um dos melhores (talvez o melhor) jogadores que passaram por terras baianas. Além de desfilar um bom futebol, o meia era decisivo. Logo em 1973, ano em que inicia a sequência do hepta, o eterno camisa 8 marcou o primeiro gol no triunfo por 2x0 sobre o Atlético de Alagoinhas na decisão que deu ao Bahia o seu 24º título e terminou como artilheiro do estadual, com 17. Peri marcou o outro gol da final.

No ano seguinte, Douglas voltaria a mostrar sua veia artilheira ao marcar 13 gols e terminar o Baiano como vice-artilheiro, atrás de Osni, do Vitória, que balançou as redes 17 vezes.

A raça que Douglas entregava em campo também era evidente. Em um Ba-Vi do Baiano de 1975, o meia desmaiou após ser atingido por uma bolada do zagueiro rubro-negro Valter e precisou ser reanimado. Mesmo desnorteado, o camisa 8 voltou para o jogo e marcou o gol que empatou o clássico para o Esquadrão. Só depois ele foi substituído.   Douglas em ação pelo Bahia. Meia ganhou sete campeonatos baiano seguidos (Foto: Arquivo CORREIO) Mas nem tudo foram flores nos sete anos de glória. Douglas lembra que em muitos momentos os jogadores tiveram que superar dificuldades. “A gente viajava de ônibus. Tinha viagem que durava 16 horas, comia no meio da estradam não era fácil. A gente tinha grandes adversários. Por isso que é mais fácil ser campeão brasileiro do que ser hepta. Campeão Brasileiro é um ano só. Pode ter tropeços, jogos bons, jogos ruins, e você chegar ao título. Heptacampeonato não. Tanto é que você pode ver que é comum o time ser campeão três vezes, quatro vezes, mas sete não”, reforça, justificando sua opinião.

Além das viagens, ele conta que em alguns momentos a situação financeira também apertava, principalmente no final daquela década, quando o clube deixou o antigo centro de treinamento, no Costa Azul, para o atual, inaugurado em 1979, em Itinga, Lauro de Freitas. Jogadores mais rodados e que possuíam melhores condições, como Picolé, emprestavam dinheiro para atletas e funcionários. “A gente treinava na Fazendinha, depois o Bahia inventou de ir para o Fazendão, onde está até hoje. Nós ficamos com os salários atrasados quatro meses e sem 24 bichos. Mesmo assim fomos campeões. Imagina se isso é hoje? A história do Bahia é muito bonita, o hepta é muito forte”.

O maestro tricolor só derrapa diante de um assunto: o medo de avião. Talvez seja mais fácil vê-lo fazer um gol novamente do que convencê-lo a entrar em uma aeronave, o que não faz desde o acidente com o voo do América-RJ em 1972. Por essa razão, antecipa que acha difícil estar em Salvador para a comemoração dos 40 anos do heptacampeonato que está sendo planejada pelo clube. Se mudar de ideia, terá pela frente uma viagem de 26 horas entre Barretos e a capital baiana. De carro.