'Ele chegou a cursar Direito para entender processo', diz viúva de Carlos Terra

Pai de Lucas Terra morreu nesta quinta-feira (21), após sofrer uma parada cardiorrespiratória

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  • Bruno Wendel

Publicado em 22 de fevereiro de 2019 às 18:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Arquivo CORREIO

(Alberto Coutinho/Arquivo Correio)) Conhecido pela luta para a condenação dos acusados de terem matado brutalmente seu filho, Lucas Terra, de 14 anos, em 2001, Carlos Terra chegou a estudar Direito, para compreender melhor os trâmites judiciais. Para isso, abandonou a profissão de administrador. Mas o curso, numa faculdade particular, o frustrou.“Ele chegou a cursar Direito para entender os meandros do processo. Acabou abandonando no último semestre quando descobriu, de fato, as brechas que beneficiam os bandidos. Ele enxergava a inversão de valores, como se os bandidos fossem nós”, declarou a Marion Terra, 60, viúva de Carlos e mãe de Lucas, momentos antes de seguir para o sepultamento do marido.Carlos, que morreu nesta quinta-feira (21), após sofrer uma parada cardiorrespiratória, provocada pelo agravamento de uma cirrose hepática. Ele foi enterrado nesta sexta (22), no Cemitério Bosque da Paz, ao lado do corpo de Lucas. Após 18 anos de luta, não viu a justiça ser feita.

“O sonho dele era vê-los no banco dos réus. Mas esqueceram que estou aqui. Quem foi vencido foi Carlos, mas darei continuidade à nossa luta”, emendou Marion, ao lado do filho mais velho, Carlos Terra Júnior, 43. Marion e Carlos têm outro filho, Carlos Felipe Terra, 38.

Medicina Se Lucas Terra estivesse vivo hoje, estaria com 31 anos e, provavelmente, seria médico. “Ele gostava de ajudar as pessoas. Não podia ver pessoas nas marquises e dizia: ‘mãe, serei médico para ajudar todas essas pessoas’”, contou Marion. 

A compaixão para com o próximo era o que Carlos mais admirava em Lucas. Na comunidade da Santa Cruz, onde costumava pregar e evangelizar, Lucas passou a ser conhecido como o “Anjo de Santa Cruz”.

“Isso porque ele resgatava outros jovens da criminalidade e a comunidade local aprovava. Quando ele morreu, os pastores dizam que os traficantes da Santa Cruz o teriam matado, mas os próprios traficantes falaram para a gente: ‘Ninguém aqui seria capaz de tocar em seu filho, ‘Anjo de Santa Cruz’”. 

De acordo com a mãe de Lucas, Marion Terra, o quadro do marido se agravou no final do ano passado, após saber da decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, de anular a sentença do TJ-BA que indicava o envolvimento dos ex-bispos Fernando Aparecido da Silva e Joel Miranda Macedo de Souza.

O promotor do Ministério Público da Bahia (MP-BA), Davi Gallo, que ficou à frente do caso no estado, afirmou ao CORREIO que "Carlos era um guerreiro"."Somente a morte para calar a voz dele. Mesmo assim, a voz dele ainda repercutirá durante o processo", disse Gallo.Decisão de Lewandowski Após recurso apresentado ao STF por César de Faria Júnior, advogado de defesa dos ex-bispos Fernando Aparecido da Silva e Joel Miranda Macedo de Souza, apontados como co-autores do assassinato de Lucas Terra, o ministro Ricardo Lewandowski afirmou que o Tribunal de Justiça da Bahia manteve de forma não individualizada a participação de cada réu no crime. Por isso, pediu a reformulação da sentença.

O advogado pede que o acórdão que estabeleceu a ida dos três réus, incluindo o já condenado pastor Sílvio dos Santos Galiza, a júri popular, seja anulado ou reformulado, especificando a participação de cada um no crime, o que garantiria o direito de defesa e contraditório aos clientes dele.

“A decisão de pronúncia deverá forçosamente apontar, de forma circunstanciada, a exata conduta que pesa contra o acusado, ou seja, se agiu como autor ou partícipe, bem como todas demais circunstâncias do crime, de maneira concreta e específica”, escreveu o ministro do STF. Ainda segundo ele, a decisão final deve ser reformulada de modo a não “influenciar indevidamente os jurados” nem “deixar lacunas capazes de gerar dúvida sobre o exato alcance da imputação”, continuou Lewandowski na decisão. Pastor Silvio Galiza, acusado de cometer o crime, foi condenado a 18 anos de prisão, mas foi para o regime aberto em 2012 (Foto: Antônio Queirós/Arquivo CORREIO) Equívoco O Ministério Público Federal (MPF) afirmou que o ministro Ricardo Lewandowski cometeu um equívoco ao anular a sentença do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), que determinou a ida dos acusados pelo assassinato do adolescente Lucas Terra a júri popular.

O documento foi assinado pela Subprocuradora-Geral da República, Cláudia Sampaio Marques, em resposta à manifestação do ministro, em novembro do ano passado. Para ela, Lewandowski não poderia ter revogado o acórdão, uma vez que, em se tratando de crime cuja prova da existência é inequívoca, a regra é que o caso seja submetido à decisão dos jurados.

A Procuradoria Geral da República também argumentou que a decisão do STF levaria à extinção do processo e a consequente inimputabilidade dos ex-bispos acusados Fernando Aparecido da Silva e Joel Miranda Macedo de Souza. “A anulação da pronúncia para que outra decisão seja proferida (com a inevitável delonga que resultará da nova interposição de recursos especial e extraordinário), conduzirá o crime inevitavelmente à prescrição”, afirmou.

Ainda segundo a PGR, quando o bispo Fernando Aparecido da Silva, um dos acusados como co-autor da morte de Lucas Terra, em 2001, recorreu ao Supremo, em momento algum questionou a existência do crime e a participação no assassinato, apenas solicitando a individualização das condutas.

O que Lewandowski fez, segundo Cláudia Sampaio Marques, foi decidir por conta própria algo que nem os réus estavam solicitando: a reformulação da sentença que determinou a ida dos acusados a júri popular. Para ela, isso fere o devido processo legal e desrespeita jurisprudência do próprio STF.

O ministro argumentou que a sentença deveria ser refeita, uma vez que não levou em conta três qualificadoras (motivo torpe, emprego de fogo e utilização de recurso que impossibilitou defesa da vítima), o que dificultaria a individualização da pena dos acusados.

A PGR, no entanto, rebateu que “o afastamento ou reconhecimento da existência de qualificadoras situa-se no âmbito da competência funcional do Tribunal do Júri, cabendo a ele decidir se o crime foi, de fato, cometido nas circunstâncias especialmente gravosas descritas na denúncia”.

O Ministério Público Federal pediu que o STF reveja a decisão e volte atrás quanto à necessidade de individualização da pena, já que todas as provas anexadas ao processo não deixam dúvidas quanto à participação dos acusados no crime.

O processo, por enquanto, está dependendo de nova manifestação do Supremo para ser concluído, apesar de o MPF ter pedido preferência no julgamento do caso da morte de Lucas Terra, já que o processo se arrasta há quase 18 anos. Bispo Fernando Aparecido da Silva e pastor Joel Miranda Macedo de Souza, acusados de participação no crime (Foto: Arquivo CORREIO) Relembre o caso Lucas Vargas Terra tinha 14 anos quando foi abusado sexualmente e queimado ainda vivo por ex-bispos da Igreja Universal do Reino de Deus, no Rio Vermelho, na noite de 21 de março de 2001. O garoto havia saído de casa para um culto religioso realizado pelo bispo Silvio Roberto Galiza quando desapareceu. Os restos de Lucas foram encontrados dentro de um caixote na Avenida Vasco da Gama e ficaram 43 dias no Instituto Médico Legal enquanto aguardavam a realização de exames de DNA. 

Em novembro de 2013, a juíza Gelzi Almeida havia inocentado os ex-bispos Fernando Aparecido da Silva e Joel Miranda Macedo de Souza, mas a família de Lucas recorreu e, em setembro de 2015, tendo o Recurso de Apelação julgado pelo Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA).

Os desembargadores decidiram, por unanimidade, que os dois religiosos, além do já condenado Sílvio Galiza, fossem a júri popular. Foi então a vez da defesa dos ex-bispos recorrerem ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que reiterou decisão do TJ-BA. O caso foi para no STF, que se manifestou pela reformulação da decisão do tribunal baiano.

O corpo do adolescente Lucas Terra, de 14 anos, foi encontrado carbonizado em um terreno baldio na Avenida Vasco da Gama, em março de 2001. Os exames comprovaram que o jovem foi abusado sexualmente e queimado vivo.

O ex-pastor Silvio Roberto Galiza foi preso e condenado a 18 anos em regime fechado por ter estuprado e assassinado o garoto. No entanto, segundo o TJ-BA, atualmente, ele está em liberdade condicional, com término da pena previsto para 22 de novembro de 2019.

O motivo do crime, segundo contou Galiza em depoimento, foi porque Lucas Terra flagrou os ex-bispos Fernando e Joel fazendo sexo dentro da igreja. O CORREIO tentou contato com a Igreja Universal do Reino de Deus para saber se Fernando e Joel ainda estão atuando como bispos, mas, até o fechamento da matéria, não recebeu retorno.