Em Feira, Pirelli entra na era 4.0 e recebe parte de investimento de R$ 1 bi

Fábrica anunciou montante e apresentou sistema digitalizado na Bahia

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  • Alexandre Lyrio

Publicado em 23 de março de 2018 às 03:00

- Atualizado há um ano

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Foto: Divulgação Vamos supor que o pneu do seu carro está desgastado. Antes que haja um acidente, quem primeiro vai saber disso? Você? O borracheiro? Não. O próprio pneu. Através de sensores instalados nas rodas, eles já são capazes de avisar ao motorista sobre suas condições. Mas os pneus inteligentes são apenas a ponta mais avançada de um processo de produção digitalizado que promete transformar a indústria mundial e, nesta quinta-feira (22), foi apresentado na fábrica da Pirelli em Feira de Santana, Centro Norte baiano.

Primeiro polo tecnológico 4.0 da Pirelli na América Latina, a fábrica de Feira vai receber parte dos 250 milhões de euros (mais de R$ 1 bilhão) que serão investidos na modernização das cinco fábricas do subcontinente (três no Brasil, uma na Argentina e outra na Venezuela). O montante faz parte do plano industrial da empresa para o período 2017-2020 e foi anunciado pelo CEO mundial e vice-presidente executivo da Pirelli, Marco Tronchetti Provera, durante a apresentação da fábrica de Feira.

Desde o final de 2017, a Pirelli de Feira se enquadra no conceito de Indústria 4.0 (conhecida como 4ª Revolução Industrial), que utiliza tecnologias avançadas com processos virtuais de informações em rede, computação em nuvem e inteligência artificial. A fábrica 4.0 de Feira usa a ideia de Smart Manufacturing (Fabricação Inteligente)."É como se tivéssemos criado uma grande fábrica virtual", disse Francesco Sala, vice-presidente da área Industrial da Pirelli.Rede Dentro do processo de produção, ao qual fizemos uma visita guiada, percebemos na prática pouca mão de obra pesada e o monitoramento digitalizado do processo. Na prática, milhões de dados referentes à produção são integrados em rede e disponibilizados em uma plataforma online, como celulares e tablets dos funcionários. São armazenadas coletadas, catalogadas e registradas milhões de linhas de dados com milhares de variáveis.“Eu tenho a fábrica na minha mão”, afirmou Davide Meda, diretor industrial para a América Latina.Todas as etapas são monitoradas e controladas pelo o que eles chamam de 'cockpit capitano', uma espécie de grande cérebro a serviço da agilidade e segurança. Esse cérebro é ligado aos diversos aplicativos que coletam as informações. O sistema é inspirado na Fórmula 1. “Esse cockpit é o que temos de mais avançado na gestação e captação de dados das produções da Pirelli. Ele está ligado às nossas 50 máquinas controladas pelos nossos 900 pilotos”, diz Eduardo Bonato, gerente de confecção. “Todos os processos são conectados”, complementa. Cockpit é uma espécie de grande cérebro a serviço da agilidade e segurança (Foto: Divulgação) O 'cérebro' monitora máquinas, materiais e pessoas. No caso das máquinas e materiais, os sistemas de aplicativos em rede os tornam quase que seres inteligentes. É o chamado Machine Learning.“Uma falha em uma máquina não acontece de uma hora para a outra. Ela emite sinais. Nossos aplicativos identificam esses sinais e podemos fazer um trabalho preventivo, como na Medicina”, diz Valter Cremonesi, um dos engenheiros de manutenção.Tudo vai parar no tablet do chefe da manutenção e no cockpit capitano. “Hoje eu consigo me antecipar aos problemas. Eu tenho alertas que me dizem: ‘aqui você vai ter problema’. Assim posso evitar que uma máquina quebre, que um material falte ou que uma produção se perca”, diz Eduardo Bonato.

No caso das pessoas, os aplicativos indicam em que os funcionários precisam melhorar. “No que ele está falhando? Qual sua performance nos aspectos da qualidade, segurança e produção?”

Demissões? O princípio fundamental da Pirelli 4.0 é que as pessoas estejam conectadas. Depois, é preciso garantir a segurança dos dados. Por fim, a empresa diz valorizar metodologias que amplifiquem os padrões da mão de obra. Onde entra os funcionários nisso tudo. O que muda nos treinamentos? Atualmente, a Pirelli de Feira emprega 1,2 mil funcionários. Os novos processos de automatização despertam o receio de que hajam demissões.

Mas, segundo Davide Meda, não só não há previsão de demissões como o objetivo é valorizar a mão de obra e fazê-la entender a nova realidade. "Tem que mudar a competência das pessoas e não retirar elas do processo. Eles estão no centro disso tudo. Vamos despertar a garra e a paixão do funcionário para obter resultados". "É preciso coragem para se transformar. O mundo está em constante transformação", completou Francesco.

A própria tecnologia seria um facilitador dessa transformação interna. Os treinamentos, diz Davide, se tornam mais fáceis e atraentes. "A tecnologia é uma oportunidade de capacitar as pessoas". O receio das demissões vem não só da modernização, mas também da crise econômica. O próprio crescimento da Pirelli é uma incógnita. Se no ano passado a empresa faturou 916 milhões de euros, este ano o faturamento é incerto. "Digamos que esperamos um crescimento relativo. Porque o mercado está se recuperando", afirma Davide."Espero que se crie as condições políticas e sociais. Confiamos que o quadro estará mais estável em breve. O Brasil é um país jovem e cheio de energia", disse o vice-presidente sênior para América Latina, Paul Hembery.A Pirelli tem 90 anos de Brasil e 19 fábricas no mundo. Além dos pneus de carros comuns e de luxo (Porsche, Lamborghini, Ferrari e Maserato), produz pneus para categorias do automobilismo como Fórmula 1 e Stock Car.

A fábrica de Feira de Santana foi construída no início da década de 1970 e começou a produzir pneus em 1976, sendo adquirida pela Pirelli em 1986. Atualmente, emprega mais de 1.200 funcionários, que produzem mais de 10.000 pneus Car por dia, destinados aos mercados sulamericanos dos canais de equipamento original e de reposição, além do mercado de reposição do Nafta. Unidade da Pirelli em Feira de Santana (Foto: Divulgação) Conesso: o pneu que fala com o motorista Durante a apresentação da fábrica 4.0, a Pirelli demonstrou também três dos seus mais novos produtos. Um deles é o Conesso, pneu inteligente que possui sensores capazes avisar ao motorista (por meio de um aplicativo de celular), através de bluetooth, se ele está com algum problema, como no caso de temperatura alta, pressão baixa ou desgaste. A tecnologia, que teve a primeira demonstração da América Latina realizada em Feira de Santana, foi lançada no Salão de Genebra, há duas semanas.

"Quando um pneu está desgastado, o primeiro a saber disso é o próprio pneu. Com o sistema que desenvolvemos, o pneu é capaz de avisar isso para você. A gente diz aqui que o nosso pneu fala", explica Renê Fé, gerente de desenvolvimento de mercado e operações ciber. O Conesso já está nas ruas dos EUA e, em breve, na Europa. Uma pesquisa é realizada no Brasil antes de ser lançado aqui.

Além do Conesso, a Pirelli lançou também dois pneus com foco na segurança. Um deles, o Seal Insite, resiste a todo o tipo de furo e se auto-reconstrói sem expelir o ar. “É uma espécie de mousse de borracha que tapa o buraco do furo”, explica o diretor de marketing da Pirelli, Fábio.

O outro pneu, o Run Flat, resiste a diversos tipos de avarias a ponto de circular por mais de 80 Km após um acidente ou furo. Foram expostos também pneus coloridos e uma coleção de pneus retrôs feitos sob medida para colecionadores. “Eles apenas aparentam ser iguais aos pneus de antigamente, mas com a tecnologia atual”, afirma Fábio.

Produção foca pneus ‘high value’ e abastecerá mercados externos O investimento de mais de R$ 1 bi busca o desenvolvimento dos produtos “high value” (alta performance) da Pirelli. Inclusive, parte da produção “standard” será convertida a produção desses pneus. Esta conversão representará cerca de 20% da capacidade high value da região até o final de 2020.

O objetivo é satisfazer a demanda por pneus tanto dos mercados locais quanto do Nafta, área de livre comércio que reúne Canadá, Estados Unidos e México. Nos últimos anos, a Pirelli já havia investido cerca de 250 milhões de euros na América Latina, que hoje responde por 17% da receita total do grupo, que foi de 916 milhões de euros em 2017.

“A América Latina sempre foi uma área chave para a Pirelli. No Brasil, temos uma presença quase centenária, uma notoriedade extraordinária da marca e um conhecimento do mercado que nos permite captar as tendências dos consumidores e oferecer os produtos mais adequados às suas exigências em todos os segmentos do mercado”, disse Tronchetti Provera. Foto: Divulgação Mas o que é, afinal, a indústria 4.0? Se já faz alguns anos a vida é impensável em o uso da tecnologia, a Indústria 4.0 é o exemplo máximo da interação entre as máquinas. A mudança proposta por essa nova forma de produção é tão intensa que o processo está sendo chamado de 4ª Revolução Industrial.

Segundo o professor do Senai Cimatec, Herman Lepikson, a principal ferramenta desse processo produtivo é a troca de informação feita entre as máquinas, que é possibilitada através da digitalização e produção de dados, além do uso de tecnologias como computadores, sistemas de rádio, e localizadores, entre outros.

Na prática, uma empresa de manutenção, por exemplo, não precisará aguardar que o gerente da fábrica entre em contato e faça o pedido para consertar uma máquina com defeito. A própria máquina, ao perceber incoerências no funcionamento, fará o pedido de manutenção."As máquinas poderão se ajustar sem a interferência humana. Por exemplo, quando a tinta de uma impressora estiver terminando a própria máquina avisará ao repositor, ou seja, não será preciso esperar que um funcionário identifique o problema. Isso evita a burocracia, facilita o processo e gera grande economia para a empresa", afirmou.O professor destacou que para funcionar bem todos os setores do negócio precisam estar integrados, tanto as fábricas como os fornecedores. A economia gerada por essa atividade alterna de acordo com o nível de tecnologia empregado e o tamanho da fábrica.

Realidade O especialista contou que a Indústria 4.0 vai mudar os modelos de negócio da indústria e que está alterando as formas de produção pelo mundo. Países como EUA, Alemanha e China já implantaram planos de desenvolvimento desta tecnologia. No Brasil, o governo ainda está em fase de discussão sobre o tema, mas os empresários estão mais adiantados.

“A Fieb (Federação das Indústrias do Estado da Bahia), através do Senai Cimatec tem desenvolvido projetos para impulsionar a Indústria 4.0 no estado, é mais do que discutir o assunto, é fazer acontecer. O setor do agronegócio é um dos mais avançados nesse aspecto. Em Barreiras, por exemplo, já existem indústrias operando dez empilhadeiras com apenas um operador. Isso é possível graças ao nível de interação e tecnologia”, contou.

O professor não soube precisar quantas empresas na Bahia já aderiram a era dos sistemas cibernéticos e de digitalização de informações, como a Indústria 4.0 é definida, mas disse que diversas empresas do Polo Petroquímico de Camaçari estão implementando ou experimentando a tecnologia.

Há 20 anos, a internet era uma novidade no Brasil e parecia uma mudança impensável na sociedade. Hoje, quando ela já faz parte da família e tornou-se quase que indispensável, a tecnologia apresenta outra inovação, desafia as certezas e dá mais um passo em direção ao futuro.