Empresário que levou coronavírus para Trancoso vira alvo de inquérito policial

Homem ignorou quarentena e infectou três pessoas

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  • Mario Bitencourt

Publicado em 19 de março de 2020 às 20:11

- Atualizado há um ano

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O empresário cearense Cláudio Henrique do Vale Vieira, apontado pelo Governo da Bahia como transmissor do novo coronavírus em Trancoso, distrito de Porto Seguro, extremo sul do estado, virou alvo de um inquérito policial. O documento foi aberto nesta quinta-feira (19), na Delegacia Especial de Proteção ao Turista (Deltur).

A investigação foi aberta a pedido do Ministério Público da Bahia (MP). O órgão entende que Vale ignorou recomendações de quarentena quando estava em São Paulo e viajou para Trancoso, mesmo sob suspeita de estar com a Covid-19. A viagem ocorreu no dia 12 de março e o teste com resultado positivo foi divulgado no sábado passado, dia 14.

Ao partir para Trancoso, o empresário espalhou o vírus para três pessoas: sua esposa, uma amiga e o cozinheiro que trabalha para ele no distrito baiano. Por conta disso, ele será processado criminalmente pela Procuradoria Geral do Estado, que provocou o MP sobre o assunto.

O delegado responsável pelo caso, Wendel Ferreira, titular da Deltur de Porto Seguro, disse ao CORREIO que Cláudio Henrique Vale está sendo investigado pelos crimes dos Artigos 131, 132, 267 (epidemia) e 268 do Código Penal.

Os artigos em questão são aplicados e casos de "praticar, com o fim de transmitir a outrem moléstia grave de que está contaminado, ato capaz de produzir o contágio"; "expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente"; "causar epidemia, mediante a propagação de germes patogênicos"; e "infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa", respectivamente.

Wendel acrescentou ainda que, caso o contágio gere mortes, o empresário pode ainda responder por homicídio. “Caso haja morte por algum infectado que tenha tido contado com ele, ele poderá responder ao final até pelo Art. 121 do Código Penal (homicídio), em razão da forma dolosa que expôs essas pessoas, contrariando recomendação médica. Ao final das oitivas, serão analisadas as circunstâncias e a culpabilidade do autor”, disse o delegado.

Cláudio Henrique está em isolamento em sua casa na praia de Itapororoca, em Trancoso, junto com outras 16 pessoas, entre familiares, amigos e funcionários. Ele ainda não foi notificado pra prestar depoimento no inquérito. Antes disto, porém, o delegado buscará orientações com a Vigilância Epidemiológica de Porto Seguro. 

“O fato de ele estar em isolamento exige cuidado maior sobre como será feito esse depoimento, e para isso precisamos ter orientações das autoridades de saúde, já que ele e outras pessoas, as quais também vão prestar depoimento, estão isoladas. Estudamos também ver se é possível fazer depoimento virtual”, declarou Ferreira.

O MP, por meio da promotora Michelle Souto, pediu que sejam identificados e ouvidos funcionários que trabalharam na residência, médicos que atenderam Cláudio Henrique, agentes de vigilância epidemiológica do município, piloto e co-piloto da aeronave particular que ele usou para ir a Trancoso e demais pessoas que tiveram contato direto com o empresário, como atendentes que trabalha na praia.

Em comunicado ao CORREIO, a defesa do empresário Cláudio Vale informou que “entende que o inquérito é o meio adequado para a isenta apuração dos fatos, o que certamente vai demonstrar a falta de fundamento das acusações”.

“O empresário reitera que é totalmente falsa a informação de que teria ignorado orientações médicas quanto ao coronavírus e, como já noticiado, vem seguindo rigorosamente as recomendações das autoridades de saúde”, afirma a nota.

Além dos três casos relacionados ao empresário, Porto Seguro tem mais um caso confirmado de Covid-19. Nesta quinta (19), a Prefeitura informou que há 20 casos suspeitos e outros 10 testaram negativos – ao menos 4 destes são de pessoas que estão na casa em Trancoso.

Outra investigação Antes de viajar para a Bahia, o empresário Cláudio Vale esteve num casamento em Itacaré, no sul do estado, dia 7 de março. Na cerimônia, realizada no Txai Hotel Resort, havia entre os 500 convidados um homem de 26 anos de São Paulo que estava com Covid-19. Dias após a cerimônia, outros convidados do casamento também testaram positivo para o vírus, como a blogueira Gabriela Pugliesi, a cantora Preta Gil e a atriz Fernanda Paes Leme.

Nesta quinta-feira, o Txai foi oficiado pelo MP para que informe, em cinco dias, o nome e o local de residência de todos os funcionários que trabalharam no casamento.

Segundo o promotor de Justiça Thomás Raimundo Brito, hóspedes que estiveram no evento contraíram coronavírus, conforme exames realizados e cujos resultados foram divulgados posteriormente. No ofício, o MP solicita ainda que o hotel informe se os trabalhadores foram submetidos a exames.

O promotor também encaminhou ofício à Secretaria de Saúde da Bahia (Sesab) para que informe, em cinco dias, se existe alguma medida prevista para controle de temperatura e verificação dos sintomas, nas rodoviárias e rodovias dos municípios de Itacaré e Maraú, em relação às pessoas provenientes de áreas onde já houve a disseminação comunitária da Covid-19.

Thomás Brito lembra que os dois municípios são destinos turísticos de “intenso movimento”. Já à Secretaria Municipal de Saúde de Itacaré, o promotor solicitou que informe em 72 horas se algum dos presentes no evento do Txai Resort reside na cidade e, caso seja residente, se foi testado, como também seus familiares.

O promotor também solicitou à Secretaria, à Prefeitura de Maraú e ao Núcleo Regional de Saúde Sul, ligado à Sesab, que enviem em 72 horas os respectivos Planos de Contingência para enfrentamento do coronavírus.

Em atenção aos ofícios do MP, a Prefeitura de Itacaré decretou que, a partir das 17h desta quinta-feira, está suspensa por 30 dias a entrada de ônibus, micro-ônibus, vans, barcos e outros tipos de veículos turísticos no município. Foi decretada também a suspensão, a partir desta sexta, da entrada de ônibus de transporte intermunicipal e interestadual.

A Prefeitura suspendeu ainda todos os eventos festivos agendados até maio, inclusive o “4º Festival de Forró de Itacaré”, adiado para o período de 4 a 6 de setembro, e as aulas escolares.

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