Empresários ofereciam 'pacote completo' para importações subfaturadas; dois foram presos

Chega a 38 o número de mandados cumpridos pela Polícia Federal no Ceará nesta quarta-feira (17)

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  • Da Redação

Publicado em 17 de junho de 2020 às 17:55

- Atualizado há um ano

. Crédito: Divulgação/Polícia Federal
Coletiva de imprensa na sede da Polícia Federal contou com a presença dos delegados investigadores e com o superintendente da Receita Federal. Foto: Ascom Receita Federal por Ascom Receita Federal

A Polícia Federal e a Receita Federal deflagaram duas operações no Ceará nesta quarta-feira (17). As Operações Ásia 1 e 2 investigam suposta prática de crimes de lavagem de dinheiro, evasão de divisas, sonegação fiscal, associação criminosa, falsidade ideológica e descaminho praticados por empresários, consultores e despachantes aduaneiros no Ceará. A apuração policial aponta que vários grupos empresariais participaram das ações criminosas, o que resultou na abertura de dois Inquéritos Policiais. Conforme a PF, 36 mandados de busca e apreensão e mais dois de prisão temporária foram cumpridos nesta manhã. 

A PF chegou a divulgar que foram 35 mandados cumpridos anteriormente, mas a informação foi corrigida pelo delegado federal Paulo Henrique Oliveira, que chefia a Delegacia de Combate ao Crime Organizado da PF, em coletiva de imprensa. De acordo com a PF, as operações contam com mais de 130 policiais federais e 40 auditores fiscais. 

Conforme a Receita Federal, o prejuízo aos cofres públicos é superior a meio bilhão. Já o volume de recursos enviado de forma ilícita ao exterior supera R$ 5 bilhões.

Mandados de busca e apreensão foram cumpridos em Fortaleza, Eusébio e São Gonçalo do Amarante, como parte da Operação Ásia 1. Desse total, oito são em residências das pessoas físicas investigadas. Os outros sete mandados são nos endereços das empresas. A empresa JM Aduaneira, no bairro Parque Manibura, foi alvo de busca e apreensão.

Já na Operação Ásia 2, estão sendo cumpridos dois mandados de prisão temporária na Capital contra sócios-administradores das empresas importadoras. Também são cumpridos 20 mandados de busca e apreensão nos endereços das pessoas jurídicas e nas residências de despachantes, incluindo em São Gonçalo do Amarante.

A PF constatou complô entre empresas importadoras com despachantes alfandegários e consultores em comércio exterior. O conluio era um esquema de subfaturamento de mercadorias que vinham em sua maioria de países asiáticos, principalmente da China. "As importações são declaradas às autoridades aduaneiras sempre em valores menores do que realmente são pagas e as diferenças de pagamento são direcionadas ao exterior por meio de doleiros, deixando de ser recolhidos milhares de reais em tributos todos os anos", diz a PF em nota.

O POVO, jornal parceiro do CORREIO pela Rede Nordeste, apurou que o grupo executa esse tipo de fraude desde 2010 e já vinha sendo investigado pela Receita Federal, que compartilhou as informações com a PF para que fosse dado seguimento à investigação, culminando nos mandados expedidos pela 11ª Vara Federal de Fortaleza. Os segmentos investigados são dos ramos têxtil (Ásia 1) de motopeças (Ásia 2) e as fraudes envolvem diversos produtos. De acordo com a Receita Federal, auditores-fiscais da Receita Federal identificaram grupos de alfandegários que registravam Declarações de Importação fraudulentas contendo valores menores aos que haviam sido pagos. A prática configura crime de descaminho. Também foi detectado "interposição fraudulenta de terceiros, com o uso de tradings no exterior e no Brasil utilizadas para figurar nas Declarações de Importação em substituição aos reais exportadores ou importadores".

Em nota, a Receita Federal ainda destacou que houve atuação de consultores em comércio exterior (com escritórios em países como China e EUA). Essas pessoas seriam responsáveis por promover contato entre importadores brasileiros e exportadores que já estavam integrados no esquema de subfaturamento. Era oferecido o que a Receita chama de "pacote completo de serviços", incluindo "identificação dos produtos na origem, a emissão da documentação com valores subfaturados, a execução dos procedimentos de exportação no exterior e de importação no Brasil e até a remessa irregular ao exterior do quantum omitido".

Em nota, os advogados da JM Aduaneira afirmam que ainda não tiveram acesso aos autos do processo. "Ressaltam que é fato público e notório que a empresa é uma referência no ramo de comércio exterior há 25 anos, e que seus negócios e relações comerciais sempre foram norteados pela transparência, honestidade e cumprimento das leis e dos bons costumes. A JM estácolaborando com as investigações para esclarecer os fatos e no final, ficará comprovada a lisura da empresa. Informamos ainda que a JM está operando normalmente".

Passo a passo do crime, de acordo com a Receita Federal:

1. O responsável pelo esquema oferece o registro de operação de importação sonegando até 70% dos tributos, com promessa de adotar todos os procedimentos necessários para impedir que os auditores-fiscais detectem fraude;

2. A documentação que ampara a transação é falsificada em conluio com os exportadores ou é utilizado o artifício de incluir uma trading no exterior para intermediar a operação e emitir a fatura com valores subfaturados. A importação é informada à Receita Federal de acordo com a documentação falsa;

3. O pagamento ao exportador da parcela não declarada é feito com a remessa ilegal de recursos ao exterior através de doleiros. Com a sonegação de tributos, o importador vende as mercadorias no mercado interno a preços inferiores ao custo prejudicando outras empresas.

Pacote completo Nas transações subfaturadas de materiais importados da China e dos Estados Unidos para a venda no Ceará, os empresários ofereciam o que a Polícia Federal classifica como “pacote completo”. Com o auxílio de alguns despachantes aduaneiros, o esquema de sonegação de impostos e evasão de divisas oferecia todo o aporte necessário para receber o produto de forma ilegal: indicação de um fornecedor, uma empresa no exterior para fazer a negociação de exportação já com a documentação subfaturada; outra empresa para receber a importação e validar o produto. No fim, o custo do material saía por um valor até 70% abaixo do mercado, em média. Dois empresários foram presos na operação. Os nomes não foram divulgados. 

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“Os outros 70%, a empresa que exportou quer receber. E isso acontecia numa segunda etapa, por meio de doleiros, em que o dinheiro saía do País com o envolvimento muitas vezes de pessoas físicas”, informou o superintendente da Receita Federal, João Batista Barros da Silva Filho. O anúncio foi feito em coletiva de imprensa, na sede da Polícia Federal, no Bairro de Fátima, no fim da manhã desta quarta-feira, 17. Batizadas de Ásia 1 e Ásia 2, as operações da Polícia Federal, em parceria com a Receita Federal, começaram a ser investigadas em inquérito formalizado em 2013 sobre o subfaturamento de mercadorias. Na Receita, o trabalho havia começado desde 2010. Com o decorrer das averiguações, foram identificadas duas fontes diferentes de irregularidades. A de empresas do setor têxtil, cuja operação foi nomeada Ásia 1, e a de peças de motocicletas e eletrodomésticos, a Ásia 2.

O início das operações se deu quando auditores fiscais da Receita Federal identificaram uma sonegação fiscal da ordem de meio bilhão de reais - que pode chegar a R$ 700 milhões desde 2013. Com o decorrer das averiguações, foram estimados quase R$ 5 bilhões em evasão de divisas. “Na medida que esse tipo de crime contra a ordem tributária acontece, ele tem vários efeitos e um deles é a concorrência desleal. As empresas conseguem trazer e praticar preços muito inferiores à concorrência”, explica o superintendente da Receita.

Além da evasão de divisas e do não pagamento dos tributos, há também um forte prejuízo ao comércio local. A PF e a Receita Federal descobriram que despachantes aduaneiros comandavam esquemas, tanto no Brasil como no exterior. “O despachante oferecia para aquela comunidade de importadores aqui no Brasil a possibilidade de identificar de quem comprar o produto, de que forma o produto viria para o Brasil e já com documentação fraudulenta, material ou ideologicamente falsa”, descreve.

De acordo com o delegado da PF Madson Henrique Tenorio Vieira, responsável pela operação Ásia 1, dois anos após o início dos trabalhos, em 2015, houve uma representação perante a Justiça para que o inquérito de 2013 fosse desmembrado em dois. Verificou-se que existiam duas organizações criminosas distintas que estavam realizando as mesmas práticas. O delegado da PF Cláudio Carvalho foi o responsável por investigar o esquema envolvendo a compra de peças de motocicletas e de eletrodomésticos com o mesmo esquema de subfaturamento, e a operação foi nomeada de Ásia 2.

“Trata-se da mesma prática de subfaturamento de importações, mas praticados por outros empresários, em conluio com despachantes aduaneiros. Faziam importações de diversos equipamentos e de peças de motocicletas. Eles foram comparados com valores de outros países e eram muito aquém do que poderia se considerar idôneo”, ressalta Carvalho. Nesta operação, foram cumpridos dois mandados de prisão temporária contra dois empresários e 36 mandados de busca e apreensão nos endereços de pessoas jurídicas e nas residências de despachantes em Fortaleza e em São Gonçalo do Amarante.