Entenda o impacto das mudanças com a adesão automática ao Cadastro Positivo

Avaliação de crédito por lojas e instituições financeiras com base em pontuação ou score ainda precisa passar pelo Senado

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  • Priscila Natividade

Publicado em 4 de junho de 2018 às 05:29

- Atualizado há um ano

. Crédito: Ilustração: Morgana Miranda/ CORREIO

Se aprovação é apenas sinônimo de passar de ano na escola ou de receber estrelas por bom comportamento, é bom rever conceitos. A palavra agora também fará parte de um boletim da vida adulta, para atestar que o consumidor é um bom pagador e por isso merece uma taxa de juros menor que o colega que tirou nota baixa. É isso que prevê o novo modelo do cadastro positivo, cujo projeto de lei tramita no Senado e, se aprovado, condicionará a contratação de crédito à capacidade pagamento do consumidor.  

O cadastro positivo existe desde 2011, só que o seu ingresso é, até aqui, voluntário. Fator que teria feito com que a ferramenta não tenha sido eficaz na prometida redução dos juros. O que a mudança prevista no projeto de lei é que a adesão passará a ser automática, ou seja, caso a lei seja aprovada, os dados do histórico de crédito como pagamentos de contas e empréstimos ficam abertos a todas as lojas, empresas de serviço público, bancos e outras instituições financeiras. 

“A nota de crédito já existe, só que ela é feita com dados negativos. O cadastro positivo deve estimular uma maior competição entre todos os consulentes”, afirma o presidente Associação Nacional dos Bureaus de Crédito (ANBC), Elias Sfeir. As instituições financeiras vão poder incluir informações no sistema sem autorização específica dos clientes, que terão até 30 dias para pedir a exclusão do banco de dados. “A inclusão de mais pessoas e a ampliação do crédito têm potencial de baixar os juros dos empréstimos e financiamentos. O consumidor que tiver uma nota menor  vai poder negociar e melhorar isso”, acrescenta.  

Score

 A pontuação de crédito será composta por dados relativos a empréstimos, financiamentos, crediários e até mesmo contas de água, luz, gás e telefone. A lei também permite que cada instituição financeira defina a metodologia que irá aplicar na definição do score. 

Para o superintendente de Serviços ao Consumidor da Boa Vista SCPC, Pablo Nemirovsky, o número de dívidas não pagas deve cair em 45%. “Para aumentar o score é importante pagar as contas em dia. São estes pagamentos que contarão a seu favor”. O selo de bom pagador deve separar quem tem as contas no azul de quem acumula dívidas, inclusive para aqueles que não possuem comprovação de renda. É o que destaca o vice-presidente de Informações sobre o Consumidor da Serasa Experian, Vander Nagata. “Com um histórico mais completo do comportamento de crédito, os credores podem oferecer melhores condições mesmo aos consumidores que não possuem um emprego formal”, reforça.

Outro ponto defendido pelo setor é a adequação de uma política de crédito de acordo com cada cliente, como explica a gerente jurídica do SPC Brasil, Vivian Moraes. “Com o cadastro positivo, quanto melhor for o score, mais interessante será para a instituição e mais individualizada será a operação junto ao consumidor”.

O Nubank é uma destas empresas que começaram a notificar os clientes e estimular a adesão ao cadastro. Atualmente, a fintech tem uma média de 500 mil pessoas na lista de espera por aprovação. “Poderíamos ter aprovado uma parcela dos mais de 12 milhões de pessoas que tivemos que dizer ‘não’ até hoje caso tivéssemos mais informações além dos cadastros negativos disponíveis”, ressalta o líder da área de relações governamentais do Nubank, Bruno Magrani. 

O outro lado

Ainda que as empresas defendam uma maior oferta de crédito, redução da inadimplência e a possibilidade na redução de juros, órgãos de defesa do consumidor questionam diversos pontos do projeto de lei. “Não há nenhuma garantia de que os juros serão reduzidos e nem quanto a legalização do score de crédito. Há casos em que a situação do grau de parentesco pode também entrar nesse score e se houver débito de um parente de primeiro grau, por exemplo, isso baixar a nota”, afirma o advogado líder de Direitos Digitais do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Rafael Zanatta. 

Outra crítica está na possibilidade de recebimento evasivo das propostas de crédito e na precarização dos direitos do consumidor: “Vai virar uma espécie de paranoia coletiva essa coisa de aumentar o score. Muita gente vai deixar de reclamar de determinada empresa, ainda que se sinta lesado, para não comprometer a nota”. 

A Proteste Associação de Consumidores também tem críticas ao cadastro positivo. Para Lívia Coelho, advogada da entidade, o direito a privacidade fica comprometido. "A questão principal está no direito a privacidade. Não sabemos como esses dados serão utilizados e não há uma lei que garanta a proteção destas informações", considera. 

TIRA-DÚVIDAS SOBRE O CADASTRO POSITIVO

O que é o score de crédito? Cada empresa terá liberdade para definir a metodologia que será utilizada para pontuar o consumidor. O  score de crédito é a pontuação que mede a confiança que o mercado tem na sua capacidade de honrar seus compromissos nos próximos 12 meses. Ele servirá de referência para os bancos aprovarem, por exemplo, empréstimos e  financiamentos. 

Que contas entram no cadastro positivo? Contas pagas, compras com cartões de crédito, financiamentos e empréstimos entram no cadastro positivo. No entanto, o projeto veta que o gestor dos dados possa utilizar informações relacionadas à origem social, étnica, à saúde, à informação genética, ao sexo, à orientação seuxal e às convicções políticas ou religiosas para compor o score. 

O que eu devo fazer se não quiser aderir ao Cadastro Positivo? Quando a adesão for obrigaória, o cancelamento  do cadastro somente poderá ser feita com um pedido do próprio consumidor junto ao gestor da lista de bom pagadores. Essa comunicação tem de ser feita em até 30 dias após a abertura. Ao receber a solicitação, o gestor do cadastro terá prazo de dois dias úteis para atender ao pedido. 

A adesão ao Cadastro positivo realmente vai permitir que o consumidor tenha acesso a taxas de juros mais reduzidas?  Instituições financeiras e órgãos de proteção ao crédito defendem que sim. Porém, a lei  não dá nenhuma garantia de que a queda de juros para o bom pagador será de fato uma realidade. O que o Banco Central argumenta é que a disputa por este bom pagador vai estimular a competitividade dos bancos, que assim tendem a ofertar  juros menores. Por outro lado, os consumidores com scores mais baixos podem ter que arcar com juros mais altos. Cada instituição terá liberdade para definir suas próprias regras de pontuação. 

Que pontos do projeto estão sendo questionados pelos órgão de Proteção ao Direito do Consumidor? Organizações como o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) e o Proteste Associação de Consumidores questionam diversos pontos do projeto de lei. Entre eles a segurança dos dados dos consumidores que decidirem não aderir ao cadastro positivo. Outra crítica é com relação à falta de uma metodologia geral para a pontuação dos scores - o que pode gerar distorções de uma empresa para outra. Também é questionada a discriminação dos juros para uma população superendividada.