Escritor Rogério Menezes lança romance 2 + 1 nesta segunda (14)

Evento acontece no Solar Gastronomia, às 19h, no Rio Vermelho

  • Foto do(a) author(a) Kátia Borges
  • Kátia Borges

Publicado em 14 de outubro de 2019 às 15:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: Marcelo France/Divulgação

Aos 65 anos, morando na cidade de Jequié, o escritor Rogério Menezes retorna ao mercado literário com o lançamento do inquietante 2+1, que marca a estreia da Bissau Livros, editora criada pelo jornalista Saymon Nascimento, baiano que mora e trabalha em África há mais de uma década (com quem também conversamos). 

O lançamento acontece nesta segunda-feira (14), a partir das 19h, no Solar Gatronomia, que fica no Rio Vermelho (R. Fonte do Boi). Nessa entrevista, o autor fala sobre a relação nem sempre feliz entre jornalismo e literatura, as andanças que o levaram a viver nas cidades de Brasília e São Paulo, os desafios de escrever e, claro, o processo de criação de seu mais novo romance.

O primeiro livro de Menezes, Meu nome é Gal (Codecri), foi publicado em 1984, quando ele estava com 26 anos. O segundo, Três elefantes na Ópera (Record), quinze anos depois, em 2001. O terceiro, Um náufrago que ri (Record), chegou às livrarias em 2009.

Entre os dois, o  escritor e jornalista publicou a coletânea de crônicas A solidão vai acabar com ela (Versal), em 2003, e uma série de biografias de grandes artistas brasileiros – Ary Fontoura, Walderez de Barros e Bete Mendes, entre eles – na coleção Aplauso, editada pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, além de ser autor do essencial Um povo a mais de mil - Os frenéticos carnavais de baianos e caetanos (Scritta Editorial, 1994).

Veja crítica do romance, escrita pelo diretor de teatro Luiz Marfuz

Confira o bate-papo que o CORREIO teve com o autor 

Além de jornalista experiente, com passagens por algumas das principais redações brasileiras, você é considerado um dos melhores cronistas do país, e detentor de uma marca surpreendente – mais de 800 crônicas, publicadas no Correio Braziliense entre 2000 e 2002. Como vê a evolução deste gênero? 

Você até pode estar certa quando diz que eu sou considerado um dos melhores cronistas brasileiros.  Aos 65 anos, não tenho mais tempo para ser modesto. Mas de que adianta ser cronista-escritor bem avaliado neste país em plena desconstrução, onde somos cerca de 14 milhões de desempregadas e outros tantos milhões moram nas ruas? A crônica brasileira vai bem, obrigado; os cronistas, nem tanto. Não sei se posso falar de evolução do gênero no Brasil, e sim de perenidade. Sempre houve e sempre haverá cronistas que se disponham a olhar a vida além do próprio umbigo, mas sempre a partir de ponto de um vista pessoal e intransferível. 

Parte de sua produção como cronista foi reunida, em 2003, no livro A solidão vai acabar com ela – 60 crônicas de uma Brasília desconhecida (Versal). Na época, você afirmou que aquela cidade era propícia à grande literatura. Ainda pensa deste modo? O que a torna estimulante para escritores?

Foi Brasília que me propiciou esse ‘recorde’ ao qual você se refere na primeira pergunta. Escrevi uma crônica por dia, de domingo a domingo, durante 2 anos e 5 meses no jornal Correio Braziliense. Gosto de Brasília. Fora da zona pantanosa ocupada pelos podres poderes, viceja cidade aprazível, habitada por gentes vindas de todos os cantos do país, o que permite intensa riqueza de vivências, com ótimos lugares para caminhar, pensar, e, claro, escrever. Foi lá também que escrevi meu segundo e o terceiro romances – Três Elefantes na Ópera, (2001) e Um Náufrago que Ri (2009), ambos publicados pela Editora Record. O que a torna propícia para a criação literária é a enorme solidão na qual você pode mergulhar – e solidão e grande literatura sempre rimam.

Machado de Assis dizia que a imprensa afia a pena. Você concorda? O que o levou ao jornalismo? O que levou do jornalismo para a sua literatura?

Afia e desafia. Afia no sentido de você, praticando jornalismo, ser obrigado a se submeter à disciplina rigorosa no sentido de dirigir o olhar para onde deve ser dirigido e obedecer a prazos irrevogáveis. Quem me tornou disciplinado na literatura foi o jornalismo feito no calor da hora, com a obrigação de entregar o melhor texto possível no prazo exigido. Quando escrevo um romance, eu mesmo me dou um prazo, e o dou como pronto no dia aprazado. Nunca pedi mais tempo a nenhuma editora porque o livro encomendado não ficara pronto. Desafia no sentido de que o jornalismo se jacta de ter compromisso com a verdade. A literatura, mesmo se apossando do mundo real, mente o tempo todo, inventa o tempo todo. Hoje quero escrever romances que sejam os mais ‘mentirosos’ possíveis. 2+1 não tem nada baseado em fatos. Tudo saiu de minha imaginação, tudo é invenção mais memória cerzindo bordados.

Sua produção literária inclui romances, crônicas e ensaios, além de uma série de biografias de grandes artistas. Qual o grande desafio de escrever? Como transitar entre tantos gêneros “sem perder o tom”? 

O grande desafio de escrever é conseguir sobreviver. Transitei entre tantos gêneros para conseguir sobreviver. Publiquei 25 livros, boa parte sob encomenda, para pagar contas. Tentei fazer sempre o melhor, mas quem disse que eu não perdi o tom em vários desses muitos textos que escrevi? Não são livros ruins, mas só os fiz porque me pagaram, e senti certo prazer em fazê-los porque esses trabalhos me fizeram ler e pesquisar em bibliotecas, e adoro bibliotecas.

Você é autor de um povo a mais de mil - Os frenéticos carnavais de baianos e caetanos, publicado em 1994 pela Scritta Editorial. Alguém já disse que a Bahia é um estado devastado pela alegria. Como vê essas contradições? 

Embora eu seja apaixonado pela Bahia, nunca me deixei abduzir pela Bahia. Com a régua e o compasso que a Bahia dá – e ninguém pode lhe tirar esse mérito – enfiados na mala, eu fui embora para São Paulo, em 1986, aos 32 anos. A Bahia é devastada pela alegria e, também, pela tristeza. A Bahia são várias. No mínimo duas: litoral e sertão. Eu sou ‘sertanejano’. O homem do sertão é diferente do homem do litoral. Tem temperamentos e comportamentos distintos. Esse livro, não chego a renegá-lo, escrevi em momento no qual era obcecado pelo Carnaval baiano, mas acho que tem mais defeitos que virtudes.

Aliás, enquanto cidadão paulista-baiano-brasiliense, apaixonado por Jequié, como se localiza hoje no cruzamento de tantas vivências de um mesmo Brasil?

Eu costumo dizer: além de ‘sertanejano’, eu sou soteropolitano, paulistano, carioca e brasiliense. Não sou apegado às minhas raízes. Sou camaleão, me transformo no lugar onde passo a morar.  Mas, de um tempo para cá, eu não me sinto pertencente a nenhum lugar, eu me sinto estrangeiro no Brasil. Meu sentimento de brasilidade se dilui cada vez mais. Sendo sincero, eu cansei de ser brasileiro, e, se ainda tiver chance, pico a minha mula dessas plagas. 

Seu romance, 2+1, chega ao mercado, pela Bissau Livros, uma década após um náufrago que ri, publicado em 2009 pela editora Record. A que se deve esse longo hiato? Em sua opinião, vigora ainda certa resistência aos escritores do Nordeste? Você se considera um autor do Nordeste?

Não me considero autor de lugar nenhum. Não acho que haja resistência a escritor de lugar nenhum. Acho que hoje no Brasil há resistência ao escritor. Ponto. Venha ele de onde vier. Ser escritor no Brasil é praga bíblica. Sobre o mercado literário brasileiro eu não tenho, e nem quero ter, palavras para descrevê-lo. Esse hiato não aconteceu porque eu quis. Eu escrevi 2+1, durante 7 meses de 2012, no Rio de Janeiro, onde eu então morava, por encomenda de grande editora. O livro foi entregue no prazo, mas no dia seguinte houve mudanças na editora, e meu romance mergulhou no limbo. Desde então, enviei originais para várias, troquei e-mails com editores, e nada. Já tinha desistido, quando li postagem de Saymon Nascimento – ex-estagiário meu, brilhante, no Liceu de Artes e Ofícios da Bahia, em 2006 –, e agora executivo bem-sucedido em Cabo Verde, na África. Ele informava que estava criando editora. Corri atrás. Deu certo.

Um tema delicado que perpassa a trama deste livro é a pedofilia. Como foi o processo de criação do romance? O que o desafia a continuar escrevendo? Teme reações por conta dessa temática?

Embora a pedofilia perpasse toda a história, não se pode dizer que se trata de romance sobre o tema. O que tenho certeza: no plano macro, é livro sobre a condição humana e todas as ‘filias’ que nos marcam; no plano micro, é desvairada história de amor entre homem e mulher, sem melindres ou pieguices. É meu primeiro romance totalmente ‘literatura’, no sentido de não ter jornalismo algum nas entrelinhas. Tudo é inventado. Quis tecer a trama com o esmero e a delicadeza com que minha mãe bordava lençóis e meu pai fabricava pães. Reações moralistas? Talvez. O Brasil hoje é antro de atiradores de pedras. Óbvio, não escrevo sobre nada de novo. Os antigos gregos que o digam. O que me desafia a continuar escrevendo: permanecer vivo, forte, e com a cabeça sempre fora do lugar (risos).  

Como vê o momento que atravessamos hoje na arte, sobretudo na literatura? Qual a importância e o lugar dos escritores na contemporaneidade? 

É um período tenebroso não só para a arte e para a literatura, mas para o futuro da raça humana. Não só o Brasil mergulha nas trevas. O mundo inteiro parece regido por um espírito camicase que nos quer levar à destruição e ao fim da espécie. Nessa conjuntura catastrofista, a literatura e as artes em geral tendem, cada vez mais, a serem tratadas com desprezo. A importância dos escritores: resistir até o osso, até o meteoro (metafórico ou não) nos dizimar.