Ex-moradora de galinheiro, adolescente de Jequié luta para conseguir casa própria

Naiane emocionou juiz, que a emancipou após ela não poder assinar contrato

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  • Bruno Wendel

Publicado em 29 de outubro de 2018 às 15:44

- Atualizado há um ano

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Naiane foi sorteada para morar no Residencial Parque do Sol, mas foi impedida de assinar contrato para ocupar o imóvel (Foto: Secom/PMJ) Como julgar um processo tomando como base apenas a letra fria da lei? “Não me recordo em ter prolatado uma sentença com tanto sofrimento e com lágrimas de tristeza saltando dos meus olhos. Impossível não se compadecer com a situação”, diz a decisão do juiz Luciano Ribeiro Guimarães Filho à história de Naiane Santos Silva, 17 anos, emancipada judicialmente no dia 16 deste mês. Ela já sofreu com abandonos e chegou a morar em um galinheiro.

A emancipação é quando uma pessoa menor de idade consegue uma autorização judicial para ter capacidade plena e responder juridicamente pelos seus atos, além de tomar decisões na sua vida civil, que era o objetivo de Naiane.

A Defensoria Pública da Bahia (DPE-BA) de Jequié, no Sudoeste do estado, solicitou a emancipação da jovem que, desde os 11 anos, vivia sozinha em um galinheiro na BR-330. Aos 13, ela se mudou para uma casa emprestada, onde vivia com o filho recém-nascido e o pai da criança, Leandro de Oliveira Pinheiro, carroceiro, maior de idade, que possui uma renda mensal de R$ 100. Inscrita no Programa Minha Casa Minha Vida, a garota foi sorteada para morar em uma nova casa, mas não pôde ocupar o imóvel por ser menor de idade.

Naiane não tinha os pré-requisitos para ter a maioridade civil, como renda própria, casamento e conclusão de ensino superior. No entanto, o juiz Luciano Ribeiro Guimarães Filho, da 1ª Vara de Feitos Relativos às Relações de Consumo, Cíveis e Comerciais de Jequié, garantiu o direito à moradia, sob alegação de que ela já desempenha atos da maioridade civil, como ser responsável por um filho e garantir o próprio sustento desde criança.

“O Juiz, como estamos exaustos de saber, não é Deus, e não há ser humano que consiga deixar de sofrer ao se deparar com a situação da autora. Todo Juiz(a) por prevalência e anterioridade, é um ser humano. Aliás, no dia em que realizada a audiência de instrução, foi difícil conciliar a noite ao sono”, disse o juiz em sentença dada em primeira pessoa.

“Em janeiro próximo completarei treze anos de magistratura e nunca imaginei julgar um processo como o que ora se apresenta. Mas vou adiante. Além de Juiz, sou um devotado, amoroso e apaixonado pai de uma menina e não há como entender o que leva um pai(?) a abandonar um(a) filho(a) desde o seu nascimento. De que forma conceber que uma mãe (?), um ser que considero possuir o mais divino, sagrado e nobre ofício existente entre nós, uma entidade quase divina que, nas palavras de Mário Quintana, é ‘apenas menor que Deus’, tem a capacidade de abandonar todos seus filhos e filhas, espalhando-os por uma ou mais cidades", continua."De que forma conceber que uma mãe (?),  (...) tem a capacidade de abandonar seus filhos (...) obrigando que uma delas, a autora, tenha que, aos onze anos de idade, morar em um galinheiro, às margens de uma estrada, exposta a inimagináveis perigos, frustrações, abusos e privações?”, completa o registro.Frustração Sorteada para morar em uma casa no Residencial Parque do Sol, vinculado ao Projeto Minha Casa Minha Vida, Naiane foi impedida de assinar o contrato por ser menor de idade. De acordo com a defensora pública de Jequié Hannah Yasmine Lima, a jovem agora precisa aguardar um novo sorteio."A Defensoria foi uma das vias que ela encontrou para garantir seu direito. É obrigação do estado garantir a dignidade das pessoas. Agora, Naiane aguarda um novo sorteio da Caixa para, então, assinar o documento de posse do imóvel. Ela disse que busca um emprego e quer retomar os estudos", declarou.Não há prazo para que a jovem seja chamada novamente para ocupar um imóvel, já que os sorteios acontecem de acordo com a disponibilidade das unidades.

Abandonos A vida de Naiane é mercada por abandonos. Quando ainda era pequena, viu o pai sair de casa e deixar esposa e filhos para trás. Depois, foi doada pela mãe, que não tinha condição de cuidar das crianças. “A mãe não pôde criar, teve muitos filhos e saiu distribuindo. A irmã mais nova dela morava com uma senhora, que não pode cuidar também de Naiane e, por isso, a menina foi morar em um galinheiro aos 11 anos, até conhecer uma pessoa, maior de idade, com quem teve um filho”, explicou Hannah Yasmine Lima.

A assistente social Ariadini Dócio, do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS de Jequié), conta que foi procurada pela jovem no ano passado, quando ela deu início à busca por emancipação judicial. Ela tinha 16 anos e estava grávida do seu segundo filho - o primeiro filho morreu ainda bebê.

Diante da história, Ariadini acionou a Defensoria Pública do Estado da Bahia (DPE-BA), que entrou com uma ação para garantir a Naiane o direito de receber a casa. A garota segue em busca de um desfecho.