Filho do Afonjá diz que sucessão de Mãe Stella ocorrerá no ‘tempo certo’

Antropólogo, doutor em Estudos Étnicos e Africanos e ogã, Fábio Lima fala sobre os ritos de despedida e a sucessão da ialorixá

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  • Carmen Vasconcelos

Publicado em 30 de dezembro de 2018 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Evandro Veiga/Arquivo

O antropólogo, doutor em Estudos Étnicos e Africanos e ogã do Ilê Axé Opô Afonjá Fábio Lima fala sobre os ritos de despedida e a sucessão de Mãe Stella 

“O tempo tem sua própria sabedoria e passa dentro dela. Não temos pressa, pois a nossa Mãe Stella ainda permanece nos orientando no Orun, através dos sonhos e da intuição, afinal, ela sempre cuidou e cuidará daquilo que não tangível, dos valores espirituais da casa e dos seus filhos”, com essa frase, o antropólogo e ogã do Ilê Axé Opô Afonjá Fábio Lima falou sobre o processo de sucessão da ialorixá.

Lima ressalta que cada casa de axé segue a rituais fúnebres específicos e que tem uma forma de se comportar de acordo com a nação (seja Keto, Jeje ou Angola) e com os fundamentos das casas. “No caso específico do Afonjá, o Conselho Religioso escolherá alguém para realizar o jogo de búzios que indicará a vontade do Orixá para a nova comandante da casa”, esclarece, ressaltando que o Afonjá, assim como a Casa Branca e o Gantois, optam por lideranças femininas e que essa linha matrifocada é segredo dessas casas que entendem a força do feminino para a condução desse sagrado.

Antes porém, nos próximos dias, diversos rituais serão realizados como uma forma de homenagear, agradecer e se despedir do espírito de Mãe Stella. Segundo o ogã da casa, de um modo geral, as cerimônias consistirão em sequência de cânticos e danças que falarão dos feitos da ialorixá e dos ancestrais. “Nesses rituais, com variações de acordo com a casa onde é feito, é colocada uma moeda numa cabaça que é passada pelo corpo e pela cabeça, um óbulo que lembra a tradição grega de encomendar a alma do morto ao agente que transportará aquela energia para uma outra dimensão”, explica.

Para ele, toda a especulação sobre a sucessão de Mãe Stella é o que menos preocupa aos filhos da casa e aos que são verdadeiros seguidores do Candomblé. “Não estamos tratando com um cargo presidencial, que lida com questões materiais. Falamos de uma liderança que cuidava do insondável, dos mistérios, por isso mesmo, acreditamos que o Orixá definirá quem sucederá com absoluta tranquilidade”, enfatizou. Fábio Lima pontua que a especulação sobre a sucessão de Mãe Stella não preocupa os filhos de santo e que aundo chegar o momento, Xangô definirá a continuidade do legado (foto: Antônio Queiroz/Arquivo Correio) Quando o assunto é ancestralidade e tradição, o antropólogo é enfático em garantir que cada uma das Senhoras do Afonjá deixou um legado importante e valioso para a Casa e para a Religião. “Independente de serem mais ou menos conhecidas, cada uma delas foi fundamental para a manutenção das tradições, dos ritos e da fé. Essas mulheres lutaram bravamente contra a intolerância religiosa numa época em que Candomblé era tratado como contravenção e contra o preconceito por serem negras, mulheres e por suas crenças estarem sempre associadas ao maligno, à peversão”, completa.

Fábio Lima lembra que Mãe Aninha marcou sua gestão por ter lutado para que as Casas pudessem bater atabaques sem sofrerem perseguição policial e que para isso não se furtou em sair de São Gonçalo para conversar com políticos importantes e até mesmo com o presidente da República. “Foi ela que começou a aproximar a religião da academia”, destaca. O doutor em Estudos Étnicos e Africanos lembra que Mãe Senhora, por sua vez, travou um diálogo com os brancos e possibilitou a abertura do terreiro, recebendo figuras como Jean Paul Sartre, Simone de Beauvoir, Jorge Amado, entre tantos outros.

“Mãe Ondina e Mãe Bada precisaram reunir firmeza para garantir a manutenção daquilo tudo depois de Aninha e Senhora. Não é fácil garantir a tranquilidade daquilo tudo, especialmente, após a partida dessas mulheres que foram tão gigantes”, finaliza.