Filhos de manicure assassinada por ex narravam agressões na escola

Corpo foi sepultado nesta terça (4); autor é reincidente em violência doméstica

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  • Kalven Figueiredo

Publicado em 4 de setembro de 2018 às 17:44

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Mauro Akinn Nassor / CORREIO

Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO Assassinada com várias facadas pelo ex-companheiro Ricardo Oliveira Conceição, 36 anos, no último domingo (2), o corpo da manicure Márcia Silva do Nascimento, 29, foi sepultado nesta terça-feira (4) no Cemitério Municipal de Plataforma, Subúrbio de Salvador, sob clima de forte comoção e revolta de familiares e amigos da vítima.

Para a família dela – e também parentes do acusado, como a própria mãe –, não restam dúvidas de que se trata de um caso de feminicídio praticado dentro da casa da vítima, no bairro de Jardim Santo Inácio. De acordo com Antônia Santos, 62, tia da manicure, o relacionamento difícil do casal afetava o comportamento dos dois filhos de Márcia e Ricardo.

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Antônia afirma que os meninos, um de 5 anos e o outro de 3, presenciavam boa parte das agressões que aconteceram ao longo dos cinco anos de relacionamento.“Uma vez chamaram ela [Márcia] na escola para dizer que os meninos estavam falando barbaridades sobre o que ele [Ricardo] fazia com ela. A professora então recomendou que ela procurasse um psicólogo para os meninos”, conta a tia.Por sorte, no dia do assassinato, as crianças não estavam em casa – no final de semana, estavam aos cuidados da avó, no bairro de Itacaranha.

Outra situação que chocou Antônia foi o fato do menino de 5 anos ter conseguido construir uma arma de papel perfeitamente.

Familiares relataram à reportagem que Ricardo carregava uma arma consigo na maior parte do tempo, e a criança deve ter visto o objeto com ele.

A tia de Márcia ainda revela que, até a tarde desta terça, ninguém teve coragem de dizer às crianças o que aconteceu. “Eles estão ficando na casa da avó materna e não sabem de nada. Ainda ontem (segunda) eles chamaram a avó para orar pela mãe porque ela estava demorando demais para chegar em casa”, lembrou Antônia. Márcia e Ricardo tinham dois filhos; ele foi preso após esfaqueá-la até a morte dentro de casa (Foto: Reprodução) Paternidade A tia de Márcia ainda afirma que o filho mais velho também era agredido pelo pai. História que é confirmada por Júnior Oliveira, 21, primo da vítima. Ele relata que Ricardo sempre foi agressivo, mas isso piorou muito quando ele começou a desconfiar que o filho mais velho não era dele. “Ele ficou muito mais violento e além de agredi-la, ele descontava tudo na criança”, disse, em tom de revolta.Júnior ainda conta que era muito difícil para Márcia se livrar das agressões porque Ricardo ameaçava matar toda a família dela caso ela o denunciasse.

Em coma Além disso, segundo Júnior, o acusado já havia agredido Márcia ao ponto de deixá-la internada por pelo menos duas vezes. “Na última surra que ele deu nela, ele achou que a tinha matado”, confirmou a tia da vítima. Márcia chegou a ficar internada em coma, no Hospital Geral do Estado (HGE).

Júnior foi o último membro da família a ver a manicure antes do crime. Ele conta que o casal estava em um bar, no bairro de Plataforma.“Parecia que ela sabia que ia morrer. Eu via no semblante dela a tristeza”, relembrou o rapaz. Segundo outros parentes, Márcia havia terminado o relacionamento com Ricardo, mas ele não aceitava o término.

Para o primo da vítima, no dia do crime, Ricardo coagiu Márcia a ficar com ele no bar em Plataforma, possivelmente sob ameaça. Em seguida, a levou para o apartamento dela, onde o crime aconteceu.“Ela não dormia mais por conta do medo que ela tinha dele. Algumas vezes precisei dar remédio controlado para ela conseguir ter paz e descansar”, comentou Júnior.Justiça Familiares e amigos cantaram louvores e oraram por Márcia antes de darem o último adeus. Debruçado sobre o caixão, o primo Júnior não escondia a dor e a indignação, e chorava bastante.  Parte da família da manicure não conseguiu seguir o caixão até o fim do percurso (Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO) O pai da vítima, Pedro Luís Nascimento, 65, viajou de Guanambi, no Sudoeste do estado, onde mora atualmente, para se despedir da filha. Ele definiu o crime como uma grande covardia. “Nós precisamos de justiça. Você vê que um homem desse tava preso, aí soltam para ele fazer o que fez”, lamentou Pedro.

Discursos como o do pai eram repetidos por outros membros da família, que comentavam a decisão da justiça nos cantinhos do cemitério entre um abraço e outro. A indignação geral está relacionada ao fato de Ricardo ter deixado a manicure em coma no HGE após tê-la agredido severamente, ter sido preso e então, nove meses depois, “liberado para fazer o que fez”. A liberdade foi concedida no final do mês passado.“Como vamos dizer para essas crianças que o pai delas matou a mãe?”, questionou a cunhada da vítima, Andréa Araújo, 37. Irmão da manicure, Joilson Nascimento, 42, não suportou seguir o caixão até o local onde o corpo foi enterrado – parou no meio do caminho e só conseguia chorar.

A tia da vítima, Antônia, se lamentava ao lado. “Eu ainda falei com ela sexta-feira na frente da minha casa. Disse para ela procurar Jesus”, relembrou, e finalizou dizendo: “eu só entrego nas mãos de Deus. Porque a justiça do homem é falha, mas a de Deus, não”.

Apesar do crime, a Secretaria da Segurança Pública (SSP-BA) informou que houve queda de 55,5% no número de casos de feminicídio em Salvador e na Região Metropolitana. No primeiro semestre de 2017 foram registrados nove casos, contra quatro ocorridos no mesmo período deste ano.

Veja onde buscar ajuda em casos de violência domésticaCedap (Centro Estadual Especializado em Diagnóstico, Assistência e Pesquisa) – Atendimento médico, odontológico, farmacêutico e psicossocial a pessoas vivendo com HIV/AIDS. Endereço: Rua Comendador José Alves Ferreira, nº240 – Fazenda Garcia. Telefone: 3116-8888.  Cedeca (Centro de Defesa da Criança e do Adolescente Yves de Roussan) – Oferece atendimento jurídico e psicossocial a crianças e adolescentes vítimas de violência. Endereço: Rua Gregório de Matos, nº 51, 2º andar – Pelourinho. Telefone: 3321-1543/5196.  Cras (Centro de Referência de Assistência Social) – Atende famílias em situação de vulnerabilidade social. Telefone: 3115-9917 (Coordenação estadual) e 3202-2300 (Coordenação municipal)  Creas (Centro de Referência Especializada de Assistência Social) – Atende pessoas em situação de violência ou de violação de direitos. Telefone: 3115-1568 (Coordenação Estadual) e 3176-4754 (Coordenação Municipal)  Creasi (Centro de Referência Estadual de Atenção à Saúde do Idoso) – Oferece atendimento psicoterapêutico e de reabilitação a idosos. Endereço: Avenida ACM, s/n, Centro de Atenção à Saúde (Cas), Edifício Professor Doutor José Maria de Magalhães Neto – Iguatemi. Telefone: 3270-5730/5750.  CRLV (Centro de Referência Loreta Valadares) – Promove atenção à mulher em situação de violenta, com atendimento jurídico, psicológico e social. Endereço: Praça Almirante Coelho Neto, nº1 – Barris, em frente a Delegacia do Idoso. Telefone: 3235-4268.  Deam (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher) – Em Salvador, são duas: uma em Brotas, outra em Periperi. São delegacias que recebem denúncias de violência contra a mulher, a partir da Lei Marinha da Penha.  Deam Brotas – Rua Padre José Filgueiras, s/n – Engenho Velho de Brotas. Telefone: 3116-7000.  Deam Periperi – Rua Doutor José de Almeida, Praça do Sol, s/n – Periperi. Telefone: 3117-8217.  Deati (Delegacia Especializada no Atendimento ao Idoso) – Responsável por apurar denúncias de violência contra pessoas idosas. Endereço: Rua do Salete, nº 19 – Barris. Telefone: 3117-6080.  Derca (Delegacia de Repressão a Crimes Contra a Criança e o Adolescente) Endereço: Rua Agripino Dórea, nº26 – Pitangueiras de Brotas. Telefone: 3116-2153.  Delegacias Territoriais – São as delegacias de cada Área Integrada de Segurança Pública. Segundo a Polícia Civil, os estupros que não são cometidos em contextos domésticos devem ser registrados nessas unidades. Em Salvador, existem 16 (http://www.policiacivil.ba.gov.br/capital.html).  Disque Denúncia – Serviços de denúncia que funcionam 24 horas por dia. No caso de crianças e adolescentes, o Departamento de Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos oferece o Disque 100. Já as mulheres são atendidas pelo Disque 180, da Secretaria de Políticas Para Mulheres da Presidência da República. Fundação Cidade Mãe – Órgão municipal, presta assistência a crianças em situação de risco. Endereço: Rua Prof. Aloísio de Carvalho – Engenho Velho de Brotas.  Gedem (Grupo de Atuação Especial em Defesa da Mulher do Ministério Público do Estado da Bahia) – Atua na proteção e na defesa dos direitos das mulheres em situação de violência doméstica, familiar e de gênero. Endereço: Avenida Joana Angélica, nº 1312, sala 309 – Nazaré. Telefone: 3103-6407/6406/6424.  Iperba (Instituto de Perinatologia da Bahia) – Maternidade localizada em Salvador que é referência no serviço de aborto legal no estado. Endereço: Rua Teixeira Barros, nº 72 – Brotas. Telefone: 3116-5215/5216.  Nudem (Núcleo Especializado na Defesa das Mulheres em Situação de Violência Doméstica e Familiar da Defensoria Pública do Estado) – Atendimento especializado para orientação jurídica, interposição e acompanhamento de medidas de proteção à mulher. Endereço: Rua Pedro Lessa, nº123 – Canela. Telefone: 3117-6935.  Secretaria Estadual de Políticas Para Mulheres Endereço: Alameda dos Eucaliptos, nº 137 – Caminho das Árvores. Telefone: 3117-2815/2816.  SPM (Superintendência Especial de Políticas para as Mulheres de Salvador) – Endereço: Avenida Sete de Setembro, Edifício Adolpho Basbaum, nº 202, 4º andar, Ladeira de São Bento. Telefone: 2108-7300.  Serviço Viver – Serviço de atenção a pessoas em situação de violência sexual. Oferece atendimento social, médico, psicológico e acompanhamento jurídico às vítimas de violência sexual e às famílias. Endereço: Avenida Centenário, s/n, térreo do prédio do Instituto Médico Legal (IML) Telefone: 3117-6700.  1ª Vara de Violência Doméstica e Familiar – Unidade judiciária especializada no julgamento dos processos envolvendo situações de violência doméstica e familiar contra a mulher, de acordo com a Lei Maria da Penha. Endereço: Rua Conselheiro Spínola, nº 77 – Barris. Telefone: 3328-1195/3329-5038. *Com supervisão do chefe de reportagem Jorge Gauthier.