Filme sobre o Bando de Teatro Olodum é lançado neste sábado (17)

Dirigido por Lázaro Ramos, o documentário será exibido durante o XIV Panorama Coisa de Cinema

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  • Laura Fernades

Publicado em 14 de novembro de 2018 às 06:00

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. por Foto: Bob Wolfenson/Divulgação

Era para ser só um pequeno registro, uma espécie de presente de aniversário pelos 25 anos que o Bando de Teatro Olodum completou em 2015. Estava tudo certo: ia acontecer a leitura dramática de três peças do repertório do grupo, no Teatro Vila Velha, e bastava gravar o momento. Mas, à medida que os atores foram chegando, as entrevistas acontecendo e os acervos de fotos se revelando, o quadro mudou de cena.

“Aquilo se mostrou algo precioso. Foram tão ricas as primeiras entrevistas que a gente decidiu fazer na cara e na coragem”, conta o ator e apresentador baiano Lázaro Ramos, 40 anos, sobre o documentário Bando, Um Filme De: (o título é assim mesmo e a gente já explica o porquê). Feito “na raça” nos últimos três anos, o longa-metragem independente dirigido por Lázaro e Thiago Gomes é um dos destaques do XIV Panorama Internacional Coisa de Cinema, que começa nesta quarta-feira (14), em Salvador.

Na disputa da Mostra Competitiva Baiana, com exibição no sábado (17), às 17h20, o filme conta a história do Bando de Teatro Olodum por meio de depoimentos de atores que ainda fazem parte do grupo, dos que já saíram e dos diretores Marcio Meirelles, Chica Carelli, Zebrinha e Jarbas Bittencourt.

Além das mais de 40 entrevistas, o documentário coproduzido pelo Canal Brasil reúne material de arquivo do Teatro Vila Velha e mais de 100 fotos para retratar os 28 anos dessa história marcante para o teatro baiano. "Ao ajudar a contar, me sinto um pouco parte dessa história que é tão rica. Isso é gratificante", comemora o diretor baiano Thiago Gomes, que estará presente no lançamento junto com Lázaro e os atores do Bando.

Sotaque “Como é que eu vou ficar de fora dessa boda de prata? ‘Naonde!’”, ri a atriz Tânia Tôko, a Neuzão de Ó Pai Ó, em uma das imagens iniciais do documentário. Na cena, gravada em outubro de 2015, integrantes de todas as gerações do Bando se reúnem no mesmo palco, pela primeira vez, para a leitura dramática da Trilogia do Pelô, composta pelas peças Essa é Nossa Praia; Ó Pai Ó; e Bai Bai Pelô.

Ao longo de uma hora e meia de filme, o público se depara com registros históricos do grupo criado em 1990. Entre eles, a primeira audição que deu origem à oficina de formação do Bando, passando pelo apoio institucional do Olodum e pelas dificuldades enfrentadas para se manter ao longo dessas quase três décadas de história. A busca por um “teatro que falasse um sotaque baiano”, como lembra Marcio Meirelles no filme, também ganha destaque.

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A partir dessa “linguagem calcada na cultura brasileira e particularmente afro-baiana”, como cita Chica Carelli, é que se desenrola a história do Bando. Com seu discurso contundente que valoriza a negritude e denuncia o racismo, sendo taxado até de “panfletário”, o grupo quebra os padrões da época e causa burburinho ao reunir “um bando de preto, fazendo sua arte”, como definem os próprios atores no filme.

“Se não tivesse a escola do Bando de Teatro Olodum, eu seria outra pessoa”, garante a atriz e assistente social Cássia Valle, 46, ao CORREIO. Uma das integrantes desde o início, a artista destaca a importância do grupo para sua formação.“Sou uma das poucas negras que estudou na escola Marista. Talvez caminhasse para outro mundo de pertencimento e reconhecimento da ancestralidade. Todo o envolvimento com o Bando me fez ter outro olhar sobre mim e sobre os negros que me rodeavam”, agradece.Confusão Ao observar o cotidiano da cidade e levar a realidade das ruas para o palco do teatro, o Bando chegou a ser confundido pela imprensa como um projeto social de recuperação de prostitutas e ladrões do Pelourinho. Do início incompreendido até alcançar a visibilidade nacional com o filme Ó Pai Ó, o grupo sempre enfrentou o preconceito e colocou o racismo em pauta.

“Hoje a gente chegou em um lugar muito bacana de respeito de trabalho, mas nem sempre foi assim”, pondera Cássia Valle. Mesmo feliz com o reconhecimento do grupo, a atriz lembra que o preconceito não dá descanso. Basta lembrar que um dos atuais integrantes do Bando, o ator Leno Sacramento, foi baleado durante uma ação policial no Centro de Salvador, em junho, após ser confundido com um assaltante.

“O preconceito que existe hoje não é novo, sempre vivemos nele. Resistir é a nossa marca. Mas agora a gente vai descobrir qual é a nova estratégia e vamos jogar esse xadrez de boa”, diz Cássia, com bom humor. Consciente de que o Bando virou referência para atores e grupos de teatro até então marginalizados, a atriz ressalta que “a responsabilidade é enorme”. “O importante é a resistência do teatro de grupo. São 28 anos de existência, se reinventando a cada instante”, resume. (Foto: Divulgação) Um filme de... Ao desenvolver e imprimir uma forma original de fazer teatro com identidade, o Bando consolida outra forma de autoria que vai além da narrativa da caneta no papel. “A autoria do repertório de vida de cada ator, do olhar, da maneira com que observa o mundo e as pessoas, das caraterísticas físicas, das vivencias dos bairros...”, enumera Lázaro Ramos.

Todas elas fazem parte do processo de construção do texto de cada um dos personagens, criados em parceria com os atores que os interpretam. É aí que entra a escolha do título do documentário, que termina com dois pontos justamente para abranger “o poço de possibilidades e de criação de narrativas” de cada ator/autor.

“A cultura africana é muito contada oralmente e a cultura negra, no Brasil, acaba absorvendo essa caraterística. Por isso, o filme busca contar um pouco da história de cada criador do Bando, cada um com seu estilo, seu jeito, suas possibilidades, seu conhecimento”, explica Lázaro que, com apenas 15 anos, entrou no grupo onde descobriu seus primeiros ídolos.

Hoje, reconhecido nacionalmente, ele faz questão de lembrar de onde veio e dos outros talentos de lá. “A gente tem um patrimônio. O documentário vem colocar luz sobre algo valioso”, defende. “Esse filme significa dar um retorno para o Bando de tudo o que ele me deu. Sabe quando seus pais se empenham para você estudar da melhor maneira e você se empenha pra comprar um presente pra eles?”, resume rindo.

Serviço O quê: XIV Panorama Internacional Coisa de Cinema Quando: De quarta-feira (14) até dia 21. Lançamento do documentário 'Bando, Um Filme De:' no sábado (17), às 17h20, no Espaço Itaú com presença de Lázaro Ramos, Thiago Gomes e atores do Bando de Teatro Olodum Onde: Espaço Itaú de Cinema Glauber Rocha e Sala Walter da Silveira Ingresso - Espaço Itaú: R$ 12 | R$ 6 e R$ 50 (passaporte com 10 ingressos). Sala Walter da Silveira: acesso gratuito