Hortas urbanas desafiam solidão, alimentação ruim, poluição e outros riscos

Saiba como participar e veja dicas de como montar seu cantinho comunitário

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  • Laura Fernades

Publicado em 22 de julho de 2019 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Marcelo Gandra/Divulgação

A solidão trouxe momentos difíceis para o aposentado Pedro Oliveira, 80 anos. “Problemas da vida, que a gente tem quando fica em casa solitário, com a televisão ligada”, explica, sem entrar em detalhe. “Tenho uma rede, uma poltrona, um computador, uma televisão e um celular. Tudo isso na minha mão. Mas já não me dava mais suporte”, lembra Pedro, que mora só e sentiu que a rotina precisava de mudança.

Foi quando, voltando a pé para casa, se deparou com uma das 34 hortas comunitárias que tomaram conta das ruas de Salvador e se consolidaram como espaços ecológicos de socialização e qualidade de vida. O terreno, que antes só tinha entulho, chamou a atenção pela quantidade de plantas e de pessoas trabalhando nele. “Tive a curiosidade e já cheguei falando: ‘Oi, sou Pedro. Posso ajudar?’”, lembra, orgulhoso, sobre a horta da Pituba que passou a contar com o novo voluntário “de manhã, de tarde e de noite”. (Foto: Marcelo Gandra/Divulgação) Além de regar as plantas às 5h, Pedro ajuda a podar, adubar e cuidar do terreno cuja produção é destinada a abrigos de idosos carentes de bairros como Paripe, Nazaré e Santo Antônio. Além de frutas, verduras e legumes, a horta produz plantas medicinais, comestíveis e promove ações sociais e ambientais, além de palestras gratuitas sobre alimentação saudável.“Só em ter algo pra fazer, faz os pensamentos ruins irem embora”, agradece Pedro, citando o trabalho coletivo na horta. Até vizinhos que nunca trocaram um “bom dia” passam a “dar risada e contar causos” juntos.“Isso é muito bom. É o que mais falta na vida. Me trouxe bem-estar, paz, tranquilidade”, enumera. Fazer parte do time é fácil: basta aparecer na horta que fica na Avenida Paulo VI em qualquer dia, a partir das 16h30.

Solidária A horta da Pituba foi a primeira das 34 hortas urbanas implantadas em Salvador pela Secretaria de Sustentabilidade, Inovação e Resiliência (Secis). E quem deu o pontapé foi um vizinho de Pedro, o administrador Wilson Brandão, 59, que também ficava incomodado com o terreno abandonado perto de casa servindo de depósito para 60 toneladas de lixo, 17 focos de mosquito e rota de assalto. Pedro Oliveira encontrou na horta um estímulo para enfrentar os problemas (Foto: Mauro Akin Nassor/Arquivo CORREIO) Enquanto pesquisava uma solução, Wilson descobriu o sucesso das hortas comunitárias ao redor do mundo. Mas o projeto apresentado por ele na prefeitura de Salvador, há 2 anos e sete meses, foi adaptado: em vez da produção ser destinada à comunidade em si, tem como meta a doação. “Não queria fazer igual a todo mundo, então pensei na horta comunitária solidária”, conta Wilson, sobre a iniciativa que já doou 2,9 mil quilos de alimentos desde que foi criada, em 2016.

“Confesso a você que eu era um pouco cético, tinha dúvida se de fato funcionaria”, revela o secretário da Secis, André Fraga, 35, sobre a proposta de Wilson. Mas logo depois, Fraga percebeu que “a horta poderia, sim, ser uma política pública”. Por isso, segue em expansão e já foi anunciada para os próximos três meses a implantação de meliponários, colmeias de abelhas sem ferrão, para incentivar a polinização e evitar a extinção.

Além do cuidado ambiental, já que não usam agrotóxicos, reciclam lixos orgânicos e aumentam o verde da cidade, as hortas “passam a se transformar em espaços de encontro, lazer e ocupação”, elogia Fraga. “Gente que não se conhecia passou a se conhecer, namoro surgiu, pessoas que passavam por processos depressivos melhoraram, idosos passaram a ter ocupação...”, enumera.

“Isso que é ressignificar os espaços urbanos”, resume Wilson, orgulhoso. Para ele, “tudo isso é importante no mundo em vivemos”, principalmente quando se fala em depressão e suicídio. “Você vê como um simples projeto pode transformar a vida de pessoas, de uma comunidade. Você não sabe a alegria que é quando a gente chega na casa dos idosos carentes com tempero. Não tem preço isso, cara”, diz, emocionado. (Foto: Divulgação) Alimento social Foi por causa da horta da Pituba que a gestora comercial Adélia Bacelar, 36, fez o impossível para implantar o mesmo projeto no residencial Jardim das Margaridas,no bairro de São Cristóvão. Primeira horta acessível às pessoas portadoras de deficiência (PCD) ou mobilidade reduzida, ela atende a famílias com renda de zero até R$ 1.800 que moram no conjunto habitacional, incluindo crianças com microcefalia.

“Elas ficam tão felizes quando pegam na terra e isso que é importante, sabe?”, justifica Adélia, que também é moradora. “Infernizei a vida do secretário para trazer a horta e o pessoal daqui me chamou de ‘maluca da horta’ (risos). Mas valeu a pena. As pessoas se sentem pertencentes àquilo. Além da alimentação saudável, tem o contato com a natureza, o cuidado com o outro”, completa.

Cadeirante e com hidrocefalia, o pequeno Anderson, 11, adora o cheiro e o contato com a terra. Sua mãe, Marta Pereira, 36, também ama, principalmente depois que parou de trabalhar como assistente administrativa e passou a se dedicar integralmente ao filho. “Os olhos enchem de lágrima: isso aqui foi uma nova perspectiva”, agradece Marta. 

Quando soube da horta no Jardim das Margaridas, ficou “parecendo baratinha tonta”, porque viu a chance de fugir do sedentarismo.Em casa o dia todo, vendo tevê, “comendo e engordando”, Marta confessa que estava ficando depressiva. “A horta trouxe saúde, me movimentou. Não fico mais parada em casa, agora eu canto, me distraio com meu filho, falo com as plantas”, conta rindo. Cadeirante e com hidrocefalia, o pequeno Anderson, 11, adora o cheiro e o contato com a terra (Foto: Divulgação) O trabalho manual na terra tem função terapêutica, explica a psicóloga Angélica Mendes, 54, que já trabalhou em horta comunitária e a considera um “oásis de alimento das relações”. O espaço, defende, provoca o resgate do contato com a natureza e faz com que as pessoas saiam do ciclo da urbanização: crianças, adultos e idosos em espaços confinados.

“Ficar só dentro de casa é muitas vezes uma atrofia das relações”, alerta a profissional que trabalha no ensino superior com saúde mental. “A horta comunitária desperta o senso de coletividade e cidadania, o respeito ao outro, valores importantes que a gente precisa alimentar na contemporaneidade. A gente precisa ter mais hortas comunitárias”, indica. (Foto: Divulgação) Faça a sua Horta urbana

Trabalho em grupo Organize um grupo de trabalho com outros moradores do bairro onde a horta será implantada. Sua manutenção depende da ação comunitária.

Terreno Opte por um local plano próximo à residência dos voluntários. O ideal é que seja ensolarado na maior parte do dia, de fácil acesso e com oferta de água. Importante ficar afastado de construções que possam fazer sombra nas plantas e afastado de árvores, para evitar competição por nutrientes do solo.

Equipamento Separe utensílios e ferramentas como enxadas, carrinhos de mão, regadores, sementeiras e luvas. Além destes, é importante ter uma caixa d'água no local.

Preparo Limpe e retire resíduos do terreno, roce, capine e cerque a área para impedir que animais entrem. Demarque os locais de plantio, revolva a terra até 25 cm de profundidade e quebre, com a enxada, todos os torrões (pedaços de terra endurecidos).

O que plantar Selecione as hortaliças que serão plantadas considerando as características do clima, do solo e da oferta de água do local. Opte pela diversidade de vegetais: folhosas, frutíferas e raízes. Não é aconselhável o plantio contínuo de uma só espécie.

Plantio Vegetais como alho, cenoura, quiabo e melancia podem ser plantados diretamente em canteiros (deixe uma distância entre eles). Mas existem hortaliças que precisam passar pelo processo de germinação antes de serem plantadas em canteiros, como alface, cebola e couve. bandejas de isopor ou caixotes podem ser utilizadas como sementeira. 

Rega As plantas devem ser molhadas nas primeiras horas do dia ou final de tarde, para evitar a perda de água por evaporação (comum em horários mais quentes). Em épocas mais frias, a rega não deve ser feita no final do dia por causa de possíveis fungos. Regue com água de boa qualidade, livre de impurezas e odores.

Adubo O uso de adubo orgânico fornece nutrientes necessários às plantas. Nos locais onde serão implantados os canteiros, deve-se espalhar 20 litros de adubo por metro quadrado. EM locais pontuais de plantio, é aconselhável aplicar cinco litros de matéria orgânica, misturada com terra, até 25 cm de profundidade.

Pragas Não se deve utilizar agrotóxicos em área urbana. O ataque de pragas está ligado, principalmente, ao desequilíbrio nutricional. O leite fresco é eficiente no controle de alguns fungos e as caldas têm efeito nutritivo e protetor. Atenção para a dosagem: se for alta, pode prejudicar as plantas e  insetos benéficos, como abelhas e joaninhas.

Leite de vaca O leite de vaca cru pode ser pulverizado em toda a planta uma vez por semana, nas concentrações de 5% ou 10%, a depender da doença. Para se obter essas concentrações: colocar 5 ou 10 litros de leite em 95 ou 90 litros de água, respectivamente. Recomenda-se a aplicação nos horários de temperatura mais amena (início ou fim do dia).

Leia a cartilha: www.mataatlanticasalvador.tech

Faça sua compostagem

O que é   Processo similar ao ciclo natural da matéria orgânica (decomposição). Transforma o resí- duo orgânico em adubo (composto orgânico).

Como fazer Triture o lixo orgânico (cascas de frutas, talos de plantas, pó de café coado, casca de ovo) coloque na composteira. Umedeça. Fungos e bactérias transformam em composto orgânico. O o pó de café oferece nitrogênio, o ovo é fonte de cálcio e a banana de potássio.