Integrantes do candomblé e da umbanda fazem encontro histórico na Pedra de Xangô

Juntos por criação de APA e parque ambiental, candomblecistas e umbandistas realizaram cerimônia em monumento sagrado

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  • Alexandre Lyrio

Publicado em 4 de maio de 2019 às 21:18

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(Foto: Evandro Veiga/CORREIO) Um grupo de pessoas no mesmo local, vestido de um jeito semelhante e reverenciando a mesma entidade espiritual. Um leigo, mesmo de perto, acreditaria se tratar do mesmo segmento religioso. Mas, o que acontecia ali era um encontro histórico. Candomblecistas e umbandistas juntavam energias, rituais e simbolismos pela mesma causa: a preservação da Pedra de Xangô, em Cajazeiras. 

Na tarde de ontem, pela primeira vez, eles se misturaram ao redor do monumento para saldar o dono do odé (pedra) e pedir a implantação no local do Parque em Rede Pedra de Xangô e da APA Municipal Vale do Assis Valente. Previstos no Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano do Município de Salvador (PDDU), sua implantação ajudaria a preservar não só a pedra, mas vegetação, plantas, ervas e 62 nascentes de água que existem no local. Toda a área da APA teria 400 hectares. 

O autor do projeto é a Casa dos Olhos do Tempo, da Nação Angolão Paquetan Malembá, vertente da Nação Angola. Mais conhecida como Terreiro Mutalombo Yê Kaiongo, seu representante, Jorge Barreto dos Santos, o Tata Mutá Imê, recebeu com um forte aperto de mão e um abraço o umbandista Geison Morais, que chegou ao local em um ônibus com 30 integrantes da umbanda.

Durante a cerimônia, grãos de milho branco em reverência à Oxalá foram arremessados sobre a pedra. Depois, acará (acarajé) e amalá (caruru) foram ofertados à Xangô. Tanto integrantes do candomblé quanto da umbanda incorporaram orixás na mesma cerimônia. Não é comum que duas religiões de matrizes africanas distintas se encontrem para reverenciar o mesmo orixá.

Diferente do candomblé, que é uma religião afro-brasileira trazida pelos africanos escravizados, a umbanda é uma religião brasileira que mescla elementos do catolicismo, espiritismo e religiões afro-brasileiras.“A energia para Xangô é a mesma. O povo de umbanda é muito bem-vindo. Eles são mais uma vertente que vem se juntar a nós com esse olhar de proteção”, afirma Tata Mutá Imê. “Não há religião superior”, disse Tata.[[galeria]]

O umbandista Geison Morais conheceu o projeto através da Internet e fez questão de dar apoio. “Sempre ouvi falar na Pedra de Xangô e vi nesse momento a oportunidade não só conhece-la, mas de apoiar nossos irmãos do candomblé. Somos todos forças da natureza”, acredita. Evilásio da Silva Bouças, presidente do Conselho Municipal das Comunidades Negras (CMCN), ligado à Secretaria Municipal da Reparação, esteve na cerimônia e disse lutar para que as pessoas entendam a necessidade de preservar o monumento. 

“Isso aqui é reverenciado desde o tempo dos índios tupinambás, ainda mais antigos que os negros escravos. Quando se cria a APA e o Parque em Rede, essa preservação fica muito mais fácil”, afirma. Candomblecistas e umbandistas também foram acompanhados pela pesquisadora, advogada e mestra em Arquitetura e Urbanismo pela Ufba, Maria Alice Pereira da Silva.  Geison e Maria Alice, juntos, na Pedra de Xangô (Foto: Evandro Veiga/CORREIO) Autora do trabalho de mestrado Pedra de Xangô: Um Lugar Sagrado Afro-brasileiro na Cidade de Salvador, ela é uma das maiores defensoras da criação da unidade de conservação e uma das pessoas que mais lutou pelo tombamento da pedra, em 2017. Integrante da equipe técnica do projeto, Maria Alice lembra que a Pedra de Xangô esteve na iminência de ser implodida em 2005, quando a Avenida Assis Valente foi construída. 

“Construímos todo o embasamento teórico que subsidiou o tombamento da Pedra de Xangô. Essa Pedra não é só um patrimônio sagrado. Diante do que encontramos em toda essa região, ela deve estar dentro de uma APA, que diz respeito a assuntos como meio ambiente, flora, fauna, educação ambiental. Por isso é tão importante um encontro como esse. É a comunidade marcando território”, diz Maria Alice.