Investigação sobre destruição de fazendas está parada há quase dois meses no Oeste

Cerca de 800 pessoas participaram da destruição nas terras da Igarashi

  • Foto do(a) author(a) Mario Bitencourt
  • Mario Bitencourt

Publicado em 27 de fevereiro de 2018 às 07:52

- Atualizado há um ano

. Crédito: Divulgação

Sem resposta da Justiça Criminal sobre o pedido de ampliação de prazo para as investigações, a Polícia Civil de Correntina, no Oeste da Bahia, está há quase dois meses sem poder dar seguimento ao inquérito criminal sobre a destruição nas fazendas da empresa agrícola Igarashi, em 2 de novembro de 2017 que causou prejuízo de mais de R$ 50 milhões.

Isso porque dia 10 de janeiro, o delegado titular de Correntina Marcelo Calçado, responsável pela investigação do crime, pediu à Justiça Criminal local mais prazo para investigação, depois de ouvir mais de 50 pessoas, mas ainda não teve resposta. “Sem ela, não posso fazer nada porque o prazo legal acabou”, disse o delegado.

Cerca de 800 pequenos agricultores e pecuaristas que vivem próximo ao Rio Arrojado, em Correntina, participaram da destruição nas fazendas da Igarashi. Eles estavam insatisfeitos com a captação de água por parte de duas fazendas da empresa. 

Não há prazo para que a Justiça decida se acata ou não o pedido de extensão das investigações. De praxe, em casos como este as investigações são prorrogadas por mais 90 dias, o que pode ocorrer novamente, caso haja necessidade.

Destruição No ataque à Igarashi foram destruídos 32 pivôs de captação de água, caminhões, máquinas colheitadeiras, uma retroescavadeira, uma patrol, uma máquina pá carregadeira e ao menos dez tratores. O sistema elétrico também foi danificado.

Os autores do ataque se queixam do desmate de nascentes e da diminuição das águas da Bacia do Rio Corrente, um dos afluentes do Rio São Francisco, e dizem que a captação de água por parte de empresas agrícolas faz com que a quantidade de água reduza para comunidades ribeirinhas, agricultores e pecuaristas.

Em janeiro deste ano, os agricultores iniciaram um projeto de recuperação de nascentes em cidades da região, em parceria com prefeituras. Com recurso inicial de R$ 67 mil, o projeto é o primeiro do tipo na região Oeste, desde a década de 1990, quando começaram as atividades intensivas do agronegócio. De início serão recuperadas 16 nascentes em 11 comunidades rurais de São Desidério, e em março o projeto segue para Barreiras, Correntina e Formosa do Rio Preto.

O projeto é uma parceria entre a Associação Baiana dos Produtores de Algodão (Abapa) e Associação de Agricultores e Irrigantes da Bahia (Aiba), com a Prefeitura de São Desidério, por meio da Secretaria de Meio Ambiente, que elaborou o projeto de recuperação a ser desenvolvido para recuperar as nascentes.

Instalação de hidrômetros Após o ataque à Igarashi, o governo da Bahia deu prazo até o dia 22 de janeiro para que empresas do agronegócio instalem hidrômetros para medir a captação de água dos rios.

Quase dois meses de finalizado o prazo, o Instituto do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos (Inema) ainda não concluiu a análise que dirá se o volume de água que elas consomem está dentro do que foi autorizado em outorgas cedidas pelo órgão estadual na região.

O Inema informou que tem de realizar levantamento individual, caso a caso, e não há limite de tempo estipulado para que esse trabalho seja feito, até mesmo porque trabalha com equipes reduzidas e no Oeste possui apenas um escritório, em Barreiras.

O Inema informou apenas que estava analisando os documentos entregues pelos agricultores, mas não soube dizer quantos fizeram isto.

Procurada para comentar sobre o assunto, a Aiba declarou através da assessoria de comunicação que não tinha informações sobre o assunto. A Aiba possui mais de 1.300 associados.

Segundo o Atlas da Irrigação – Uso da Água na Agricultura Irrigada de 2017, da Agência Nacional de Águas (ANA), as cidades de São Desidério e Barreiras são as que tem as maiores áreas irrigadas do Oeste, com, respectivamente, 52.115 e 47.006 hectares. É desconhecido o volume de água consumido nessas áreas.

Brasil está entre os dez países com maior área para irrigação Segundo dados de 2017 da Fundação para Agricultura da Organização das Nações Unidas (FAO), o Brasil está entre os dez países com a maior área equipada para irrigação do mundo.

O país está no grupo de nações que possui área entre 4 e 7 Mha, que inclui Tailândia, México, Indonésia, Turquia, Bangladesh, Vietnã, Uzbequistão, Itália e Espanha.

Os líderes mundiais são a China e a Índia, com cerca de 70 milhões de hectares (Mha) cada, seguidos dos Estados Unidos (26,7 Mha), Paquistão (20,0 Mha) e Irã (8,7 Mha).

Dados também de 2017 da ANA apontam que as outorgas vigentes para áreas de irrigação no país alcançam 700 mil hectares.

“Os incrementos anuais de área irrigada no Brasil têm sido fortes e persistentes nas últimas décadas, intensificando-se nos últimos anos, indicando que o potencial tem sido cada vez mais aproveitado”, diz o Atlas da Irrigação da ANA.

Entretanto, diz o documento, “a irrigação no nosso país é considerada pequena, frente ao potencial estimado, à área agrícola total, à extensão territorial e ao conjunto de fatores físico-climáticos favoráveis, inclusive a boa disponibilidade hídrica.”

A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), entidade máxima de defesa do agronegócio no país, defende que “a atividade agropecuária não disputa água e não é responsável pela escassez.”

“O setor tem uma quantidade de água que respeita, e quando falta água para os outros usos a primeira torneira a ser fechada é a do agricultor. A agricultura não disputa água com abastecimento humano“, declarou ao CORREIO o coordenador de Sustentabilidade da CNA, Nelson Ananias Filho.

Nesta terça-feira (27), Filho apresentará em Brasília o seminário “Os agricultores no 8º Fórum Mundial da Água”, evento preparatório da CNA para o  8º Fórum Mundial da Água que acontece na capital federal de 18 a 23 de março.

A intenção da CNA é debater com produtores rurais, pesquisadores e entidades as ações que o setor quer levar para o evento mundial, com foco no uso sustentável e racional da água na propriedade rural, reserva de água e aspectos econômicos da agricultura irrigada.

“O resultado do debate será um posicionamento do setor, documento com recomendações para o Fórum e uma mensagem sólida que o Sistema quer passar para o mundo sobre a agropecuária brasileira,” afirmou Filho.

Pesquisador do tema, o doutor em Irrigação e Recursos Hídricos e pesquisador da Embrapa Cerrados, Lineu Rodrigues, observa que o consumo de água na agricultura no Brasil varia de região para região, e a depende muito do clima.

“Se chove muito, não se usa a água dos rios. Com a tecnologia, o agricultor passou a fazer um uso muito racional da água, e isso tem sido muito positivo para todos”, disse Rodrigues, para quem o que precisa melhorar no país é a gestão dos recursos hídricos.“Precisa melhorar a oferta, a demanda, precisa melhorar equipamentos de irrigação, as práticas de conservação, isso faz parte da gestão. Temos de planejar barragens para segurar essa água, não deixar ir toda pro mar. A água da agricultura é para um fim nobre, que é a produção de alimentos, e o que a gente não pode ter é água sendo utilizada de forma ilegal”, concluiu Rodrigues.