João Donato está de volta ao microfone aos 88 anos, no álbum Serotonina

Depois de 20 anos, pianista volta a cantar em álbum que exala alegria

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  • Roberto Midlej

Publicado em 23 de agosto de 2022 às 10:32

. Crédito: Foto: Pedro Palhares/divulgação

A música brasileira é realmente abençoada, afinal, mesmo já tendo passado dos 80 anos - ou bem perto dessa idade -, artistas como Gilberto Gil, Caetano Veloso, Milton Nascimento, Paulinho da Viola, Ney Matogrosso e Roberto Carlos continuam na ativa e produzindo com qualidade. 

Agora, é João Donato, que completou 88 anos na semana passada, que está com um novo trabalho, Serotonina. Mas o veterano instrumentista e compositor não se contentou apenas em gravar seu marcante piano: ele também queria cantar no álbum, o que não fazia desde Managarroba, lançado há 20 anos. 

Para dar os versos às suas músicas, Donato convocou letristas de gerações bem diferentes da sua: Rodrigo Amarante, Mauricio Pereira, Felipe Cordeiro e Ronaldo Evangelista são alguns deles. Foi esse último, que é também o produtor de Serotonina, que fez a ponte com esses novos parceiros do pianista."Toda nova amizade é muito boa, porque um mundo novo se apresenta. Cada um de nós é um mundo, né?". "Esses jovens fazem versos muito gostosos de cantar. Como acabou sobrando pra mim [a tarefa de cantar], tem que ter palavras fáceis. Se não, eu teria problemas em cantar versos com os quais tivesse dificuldade de pronunciar", diz, muito humildemente o músico. Mas em algumas canções ele tem o auxílio de outras vozes, como a de Anastácia, em Simbora, que tem letra dela. E Céu canta Floriu, parceria dela com Donato.

A palavra "serotonina", que dá nome ao álbum, refere-se a uma substância química que controla o humor e é responsável, entre outros itens, pela sensação de prazer. Donato diz que conheceu o termo há pouco tempo, enquanto lia a bula de um remédio que a esposa estava usando. "Dizia que a serotonina produz alegria e felicidade. Por consequência, produz saúde, porque quem tem alegria e felicidade tem saúde", filosofa o músico.

E o novo álbum de Donato exala mesmo muita alegria, seja com elementos do jazz ou da música caribenha, passando também pela bossa, gênero que teve muita importância na carreira dele. E até um pouco de baião, como é o caso de Simbora. "Resolvi espalhar serotonina pelo disco todo", brinca o compositor. "A proposta é deixar as pessoas felizes ao ouvirem as músicas. Mas música é coisa séria. Me refiro a música de verdade, não essa música que fazem só pra ganhar dinheiro".

Com mais de 70 anos de carreira, João Donato despontou durante a Bossa Nova e, nos anos 1950, tocou com muita gente daquele movimento. "Minhas músicas têm um sabor de bossa, porque tinha amizade com Tom Jobim, Carlos Lyra, Johnny Alf, João Gilberto... Criamos essa música feliz que invadiu o mundo e que traz toda a felicidade e delicadeza que toda música merece conter".

Mas Donato transitou também sempre muito bem na MPB, tendo dividido composições com Gilberto Gil e Caetano, por exemplo. Também já tocou para Marisa Monte, Gal Costa, Martinho da Vila, Jards Macalé, Milton Nascimento...

Na lista acima, nota-se que ele já trabalhou com os baianos mais notórios."Gosto da Bahia. Trabalhei um tempo para a Gal e a gente acaba conhecendo todos os baianos, porque eles frequentam uns aos outros. É muito gostoso conversar com eles", assume. Com Gil, já compôs algumas canções, mas uma que se tornou clássica se destaca no repertório do baiano: A Paz, que foi inicialmente gravada por Zizi Possi. A história da composição foi contada por Gil no disco Acústico MTV e Donato dá uma versão bem parecida: "Eu fui na casa dele [no Rio de Janeiro], cheguei lá às 14h, mais ou menos. Cheguei com a música e pedi para ele botar a letra", lembra.

Mas Gil tinha um compromisso às 16h e acreditava que, em menos de duas horas, com alguma pressa não seria possível compor algo à altura de seu repertório. "Mas eu insisti e pedi a ele pra fazer. Aí, sentei e fiquei esperando". É aí que surge a divergência das versões: "Gil diz que eu estava dormindo enquanto eu escrevia. Mas eu não estava", garante Donato, em tom bem-humorado. Se Donato estava mesmo domindo - e até roncando, como diz Gil -, não teremos certeza. Mas o fato é que em menos de duas horas o baiano escreveu alguns dos versos mais belos de sua autoria.

E é com muita paz e alegria que Donato continua brilhando aos 88 anos, com muita disposição, criatividade e ousadia. A motivação disso é, segundo ele, a própria música:"A música é o bálsamo, faço isso desde pequeno e vou sempre fazer. O que me motiva a continuar na ativa é a própria alegria que a música me proporciona. Música é alegria e é isso que me faz viver".