Jornalista conta como perdeu amigo para o crime em novo livro: 'Senti culpa'

Ao CORREIO, Flávio VM Costa fala sobre história que inspirou obra que será lançada nesta terça-feira (4)

  • Foto do(a) author(a) Laura Fernades
  • Laura Fernades

Publicado em 4 de fevereiro de 2020 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Lunaé Parracho/Divulgação

O jornalista e escritor baiano Flávio VM Costa, 36 anos, nunca tinha perdido um amigo para o crime, até fevereiro de 2018. Estava em São Paulo, onde mora até hoje, quando recebeu a notícia que aquele com quem crescera no bairro de Pernambués, em Salvador, tinha sido assassinado com mais de dez tiros.

“Sou um preto diferente porque nunca perdi um amigo para a violência. Nunca tinha perdido, quero dizer”, escreve Flávio no texto de abertura de seu novo livro de contos, Você Morre Quando Esquecem seu Nome (Bissau Livros | 112 páginas | R$ 50), que tem orelha assinada por Tom Correia e será lançado nesta terça-feira (4), às 19h, em evento gratuito no Mercadão CC, no Rio Vermelho.

Na história, a mais autobiográfica do livro de ficção, Flávio revela que o personagem inspirado na vida real era viciado em cocaína e roubava carros. Mas não é porque passou uma temporada preso na Penitenciária Lemos de Brito que deixou de ser descrito pelo autor como um cara “corajoso, audacioso e extrovertido”, com quem compartilhou muitas risadas.Sou um preto diferente porque nunca perdi um amigo para a violência. Nunca tinha perdido, quero dizer - (Trecho do livro Você Morre Quando Esquecem Seu Nome, de Flávio VM Costa)“Quando aconteceu o fato, eu senti uma culpa. Não de não tê-lo tratado de igual para igual. Mas talvez eu pudesse tê-lo ajudado de fato. Em nossa última conversa, insisti pra que ele voltasse a estudar. Mas você sabe como o trabalho de repórter pode ser absorvente. Deixei que a vida me afastasse dele. Talvez, como amigo, pudesse ter estendido a mão mais vezes”, confessa Flávio, ao telefone.

O escritor, que já passou por redações como CORREIO e IstoÉ, hoje é repórter do UOL, onde participou de uma série sobre criminosos que marcaram a história do Brasil. Vencedor do Prêmio Bunkyo de Literatura (2018), com a coletânea de contos Caçada Russa (2016), Flávio foi o único brasileiro a vencer o concurso literário internacional Prada Feltrinelli Prize (2016), com o conto Tenente Marcus, presente no novo livro. Memória Violência, racismo e o distanciamento das pessoas do passado são, portanto, temas abordados em Você Morre Quando Esquecem seu Nome. O título do novo livro, explica o autor, remete à memória, que é o cerne da obra feita com “muito material biográfico”, mas também inspirada em histórias contadas por amigos e por conhecidos.

“Associei a qual imagem que nós temos de nós mesmos e a imagem que as pessoas fazem da gente”, explica Flávio. “O personagem só vive através do relato dos outros, que nem sempre são verdadeiros”, acrescenta o autor, que transita entre realidade e ficção. Ao contrário do jornalismo, onde trabalha com fatos, busca provas e tenta ser o mais objetivo possível, na literatura permite dar asas à imaginação.

“A grande questão da ficção é que ela dá liberdade. Posso escrever sobre qualquer coisa, qualquer pessoa”, explica o autor que explora o racismo com humor irônico e provocante. “A literatura é, antes de tudo, um prazer, entretenimento. Mas não quer dizer que não possa nos inquietar, incomodar”, defende. “É difícil pra mim, como escritor negro, fugir disso. Mas não penso ‘vou escrever contra o racismo’. Esse é um tema que perpassa o humano. Tem a ver com minha experiência”, resume.

Serviço O quê: lançamento do livro Você Morre Quando Esquecem Seu Nome, do autor Flávio VM Costa Quando: Terça-feira (4), às 19h Onde: Mercadão CC (Rua Guedes Cabral, 20, Rio Vermelho | 3019-9286) Entrada gratuita (valor do livro: R$ 50)